Escola bancada por LeBron James vira modelo nos Estados Unidos

Jogador da NBA transforma a vida de crianças em sua cidade-natal

por Erica L. Green no Folha de São Paulo

Foto: Maddie McGarvey

Os alunos entraram na escola recebendo abraços e “high fives” dos funcionários, que dançavam ao som de “We Are Family”, da banda Sister Sledge, que ecoava nos corredores. Ao passar pelo bufê de café da manhã, eles ouviam elogios.

A cena poderia ser entendida como uma ocasião especial, em qualquer escola pública. Na I Promise School, de LeBron James, era só uma segunda-feira qualquer.

A cada dia, a chegada dos alunos à escola é recebida com festa. A esta altura do ano letivo passado, os alunos da escola –a maior incursão de James na filantropia educacional– foram identificados como alguns dos piores no sistema de escolas públicas de Akron, Ohio, e apresentavam sérios problemas de comportamento. Havia crianças de apenas oito anos que já eram vistas como em risco de não concluírem os estudos.

Agora, elas estão ajudando a reduzir a disparidade do desempenho educacional na cidade.

Os resultados acadêmicos são apenas iniciais, e a amostra de alunos, apenas 240 crianças, é modesta, mas as primeiras classes de terceira e quarta série da I Promise mostraram resultados extraordinários em suas primeiras avaliações distritais. As metas individuais de desempenho de leitura e matemática foram atingidas ou excedidas por 90% dos alunos, e eles superaram as médias dos estudantes do distrito.

“A garotada está fazendo um trabalho excelente, melhor do que todos nós esperávamos”, disse James em entrevista por telefone, horas antes de um jogo pelo Los Angeles Lakers. “Quando começamos, as pessoas sabiam que eu estava abrindo uma escola para crianças. Agora as pessoas compreenderão as deficiências da educação que as crianças recebiam antes de chegarem à nossa escola. As pessoas vão enfim compreender o que acontece por trás de portas fechadas”.

A escola foi aberta diante de algum ceticismo. Não só por conta de seu fundador, que algumas pessoas veem como o melhor jogador de basquete de todos os tempos, mas também por um modelo acadêmico dirigido a estudantes que, de acordo com muitos relatos, eram vistos como irrecuperáveis.

“Estamos redespertando sonhos que haviam sido sufocados, já na terceira e quarta série”, disse Brandi Davis, a diretora da escola. “Queremos mudar a face da educação urbana”.

Os resultados refletem o desempenho dos estudantes sob os critérios da Mensuração de Progresso Acadêmico, um conjunto de exames reconhecidos nacionalmente e aplicados pela NWEA, uma organização nacional de avaliação de resultados escolares. Na leitura, em que ambas as classes apresentavam desempenho entre o 1% mais baixo dos estudantes do sistema, os alunos de terceira série saltaram para os 9% e os da quarta série para os 16%. Na matemática, os alunos da terceira série saltaram da avaliação mais baixa para 18%, e os da quarta série de 2% para 30%.

Os 90% de alunos da I Promise que atingiram suas metas de desempenho superaram a média de 70% de aprovados no distrito e obtiveram marcas de 99% em termos de avanço acadêmico –ou seja, de acordo com o distrito escolar, seus resultados nos testes melhoraram mais que os de 99% das escolas dos Estados Unidos.

“É encorajador ver melhora, mas de forma alguma podemos considerar o problema resolvido”, disse Keith Liechty, coordenador do Departamento de Melhora Escolar do sistema de educação pública de Akron. “O objetivo é que esses estudantes atinjam a média de resultados para suas séries, e ainda não chegamos lá. Mas a avaliação indica que estamos no caminho certo”.

Mas Liechty, que trabalha no sistema escolar de Akron há 20 anos, disse que seria errado esperar um salto nos resultados dos alunos em apenas um semestre, ou mesmo um ano. “Para o estudante médio”, ele disse, “o resultado em termos de média percentual não se mexe muito, a não ser que algo de extraordinário esteja acontecendo”.

Em uma visita à escola, Michelle Campbell, diretora executiva da LeBron James Family Foundation, falou sobre o que ela define como “receita secreta” da I Promise. Em uma sala, funcionários estavam ocupados organizando prateleiras com roupas e comida para as crianças. Os pais dos alunos podem passar por lá e apanhar o que precisam.

No mesmo corredor, pais e mães estudavam matemática para o GED um exame de educação supletiva, enquanto seus filhos assistiam às aulas um andar acima.

Campbell chegou a uma classe em que um aluno e uma professora estavam discutindo.

“Você está sendo agressiva demais!”, o estudante disse a Angel Whorton, especialista em intervenções.

Houve uma pausa, e os dois caíram na risada, abandonando os personagens que interpretavam no exercício.

“Bom; é assim que você precisa usar as palavras”, disse Whorton ao menino, que estava se preparando para uma audiência disciplinar.

Campbell sorriu. “Há magia acontecendo nesta sala”.

Diferentemente de outras escolas associadas a celebridades, a I Promise não é uma escola particular, e sim uma escola pública operada pelo distrito escolar de Akron. Entre os alunos, 60% são negros, 15% não têm o inglês como primeiro idioma e 29% são alunos de educação especial. Três quartos de suas famílias estão na linha da pobreza e recebem assistência do departamento do emprego e serviços familiares do estado do Ohio.

Os alunos da I Promise estavam entre os 10% a 25% de estudantes com desempenho escolar mais baixo, em suas avaliações finais na segunda série, e foram selecionados para a nova escola por sorteio.

“Estamos falando de crianças sobre as quais, quando você conversava com seus antigos professores, costumava ouvir que ‘essa ideia não vai funcionar'”, disse Campbell. “E nós respondíamos que gostaríamos de tentar mesmo assim”.

Eles são conhecidos como “os escolhidos”, em uma menção à manchete que acompanhava a primeira reportagem de capa sobre James na revista Sports Illustrated, quando ele ainda estava no segundo grau. James mais tarde tatuou essas palavras nos ombros.

Os alunos estão cientes de que são parte de algo especial. “Nós temos uma oportunidade de diversão, e oportunidades que outras crianças não têm”, disse Kamari Dennis, estudante da quarta série.

A escola é uma extensão do trabalho de James em sua cidade natal, Akron, onde a fundação de sua família está ativa há sete anos. O programa I Promise apoia cerca de outros 1.100 alunos, da terceira à décima série, no distrito escolar da cidade, com orientação, preparação para a universidade, preparação para o trabalho e outros recursos, em valor estimado em US$ 2,6 milhões por ano letivo. Todos os alunos do programa e da escola que atingirem resultados acadêmicos predeterminados terão bolsas de estudo integrais para a Universidade de Akron.

Mas a escola I Promise representa um reconhecimento de que os serviços da fundação à comunidade não eram suficientes. Era preciso chegar aos estudantes mais cedo. Os organizadores obtiveram um velho edifício de escritórios do distrito escolar, que oferecia acomodações provisórias para escolas em transição, investiram US$ 2 milhões ou mais em reformas e reabriram o local em sete semanas. A escola começou a operar em julho de 2018, e deve atender a 720 estudantes, da terceira à oitava série, até 2022.

O orçamento de US$ 2 milhões da escola vem do distrito escolar, e representa gasto por aluno semelhante ao das demais escolas públicas de Akron. A fundação de James oferece cerca de US$ 600 mil em verbas adicionais para contratação de professores, com o objetivo de reduzir as classes, e também cobre uma hora adicional de educação suplementar para os alunos, ao fim do período de aulas. A fundação também banca todas as despesas do centro de recursos para famílias, que ajuda pais a se prepararem para o GED, oferece consultoria de carreira, serviços de saúde, serviços médicos e até (uma vez por trimestre) uma barbearia.

O apoio da fundação permite que a I Promise tenha mais recursos que as escolas comuns, mas Davis, veterana diretora de escolas no distrito, diz que a escola na verdade atribui mais valor a coisas que o dinheiro não pode comprar.

“Para criar relacionamentos, não é preciso dinheiro”, ela disse. “Não é preciso dinheiro para ensinar os alunos a amar”.

A escola negociou com a Associação de Educação de Akron para oferecer uma hora de aula a mais por dia, e um ano letivo mais longo, a fim de implementar programas que atendam às necessidades sociais e emocionais dos alunos.

Pat Shipe, presidente da associação, disse que estava orgulhosa da colaboração e “cautelosamente otimista” sobre os resultados.

“Embora a escola ainda esteja na infância, nossa esperança é que uma revisão mais extensa de muitos indicadores confirme o crescimento, já que sabemos que um ou dois exames não contam toda a história”, ela afirmou.

Em uma manhã recente, os alunos passaram sua primeira hora na escola se preparando para o dia, em uma ocasião conhecida como “Círculo I Promise”. Ao final do período, uma menina que estava transtornada depois de uma discussão com o motorista do ônibus escolar e outra menina que tinha caído no sono estavam soltando gritinhos de alegria, no final de uma brincadeira chamada Down by the Banks.

“Tudo é estratégico para transformar a maneira pela qual nosso dia transcorre”, disse Nicole Hassan, que trabalha para o distrito escolar de Akron e supervisiona o currículo da I Promise, formatado para dar assistência às crianças traumatizadas.

A cultura da escola toma por base os “Hábitos da Promise” –perseverança, aprendizado perpétuo, solução de problemas, parceria e perspectiva; os alunos memorizam esses preceitos. O lema “We Are Family” [somos família] enfeita as paredes e camisetas.

Nickole Wyatt, cujo filho, Ti’Jay Wyatt, está na quarta série, disse que nunca sentiu ter assistência, desde que engravidou ainda na adolescência. “Só quando começamos a vir aqui compreendi o que família quer dizer”, ela disse.

Wyatt, que está assistindo aulas na escola para conseguir um diploma de segundo grau via GED, disse que a I Promise salvou não só a educação de seu filho mas a vida dela.

“Eu era muito cética sobre minha vida, e imaginava que não valia a pena lutar por mim”, ela disse. “Mas quando venho aqui, a cada dia, sei que tudo ficará bem”.

Vikki McGee, que dirige o centro de recursos para a família da I Promise, disse que o centro transmite a mensagem de que a escola gira em torno de algo muito maior que um astro do basquete. “O objetivo aqui é lutar por todas as gerações”.

James fez duas visitas à escola desde o começo do ano letivo, mas está presente em toda parte –murais, papéis de parede, mensagens em vídeo. O exemplo dele é citado com frequência, quando os alunos refletem sobre suas experiências educacionais.

“Uma vez, LeBron nos escreveu uma carta, e eu sei que era de verdade porque vi que o papel estava assinado a caneta”, disse Vikyah Powe, aluna da quarta série. “Isso me encorajou”.

Embora James tenha descrito a escola como “a coisa mais bacana que fiz em minha vida até agora”, ele disse que merecia crédito limitado pelo que está acontecendo lá.

“Tive a visão de que gostaria de retribuir à minha comunidade. As pessoas que estão lá todo dia é que ajudam essa visão se concretizar”, ele disse. “Metade da batalha é mantê-las engajadas e mostrar que sempre haverá alguém para tomar conta delas”.

O vasto saguão da escola é decorado por 114 tênis de James, entre os quais os usados na temporada de 2016, quando ele levou o Cleveland Cavaliers ao título da NBA –e serve como lembrete de que ele percorreu caminhos semelhantes aos dos alunos. James também era considerado um estudante em risco. Na quarta série, ele faltou à escola 83 dias.

Nataylia Henry, aluna de quarta série, perdeu mais de 50 dias de aula no ano passado, porque disse que preferia dormir a enfrentar os “bullies” da escola. Este ano, seu índice de presença é de 80%.

“LeBron fez esta escola”, ela disse. “É uma escola importante. Significa que você sempre pode contar com alguém”.

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