Obra de professora da UFRB é vencedora da 3ª edição do Prêmio Thomas Skidmore

O livro que faz parte de uma tradição historiográfica preocupada em entender, e chegar o mais perto possível, a realidade de homens e mulheres escravizados e libertos e que viviam sob o estigma da escravidão.

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A obra “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” de autoria da professora Luciana da Cruz Brito, do colegiado de História da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), foi a vencedora do Prêmio Thomas Skidmore 2018. O resultado foi anunciado pela comissão julgadora desta edição e publicado no Diário Oficial da União no último dia 17 de abril.

“Esse prêmio é a celebração de uma importante conquista profissional. Mulheres como eu, a todo o momento, ainda recebem mensagens de desencorajamento à escrita por diversas razões. Seja sob o argumento de que nossa escrita, nossa narrativa e perspectiva da história não é algo importante ou seja ainda sob o argumento que, de tão comprometida com ‘nossos próprios interesses’, não pode obedecer aos protocolos de pesquisa e escrita acadêmica, o que é um equívoco enorme”, destaca a autora, afirmando-se como uma historiadora negra, nascida em Salvador e oriunda das classes trabalhadoras.

Publicada em 2016 pela Editora da Universidade Federal da Bahia (Edufba), “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” é uma obra que traça um paralelo entre dois eventos que projetaram sombra duradoura sobre os temas da escravidão e do racismo no século XIX: a lei de abolição do tráfico negreiro de 1831 e a repressão aos africanos libertos, que se dava através da aplicação de leis que tinham por objetivo controlar e punir a população africana da Província.

“É um livro que faz parte de uma tradição historiográfica preocupada em entender, e chegar o mais perto possível, a realidade de homens e mulheres escravizados e libertos e que viviam sob o estigma da escravidão. Ao mesmo tempo em que reconhecemos a violência, a perseguição, o papel das leis que tinham um impacto na maioria das vezes negativo sob o cotidiano da comunidade africana, também buscamos entender como estas pessoas tinham vontades, planos, projetos políticos, afetividades e também discordâncias”, explica Luciana. “É um livro sobre lutas, sobre relações complexas, busca por autonomia e malabarismos que poderiam (ou não) garantir uma vida livre e autônoma, e digna se possível”, resume.

Do ponto de vista historiográfico, a obra versa a respeito da falta de garantia de direitos negados aos africanos libertos na Bahia imperial e de como eles tensionavam a sociedade escravista para viver melhor e afirmar suas vontades. A análise tem como pano de fundo Salvador, um dos maiores centros urbanos escravistas desde o fim do século XVIII. Para tanto, a autora reconhece como fundamental o trabalho de pesquisa no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), que abriga um importante acervo para a história das pessoas negras na Bahia e no Brasil. “Sem o APEB essa pesquisa não seria possível. Portanto, o prêmio reafirma a importância dos nossos arquivos para a pesquisa, escrita e acesso à história do país”, diz.

Outro aspecto que Luciana destaca é o caráter político da premiação. “Em tempos em que vivemos uma disputa pelas narrativas históricas, inclusive relativizando o horror que foi a escravidão e sobre quem se beneficiou dela, o prêmio significa o reconhecimento da importância de uma pesquisa baseada em fontes, fruto de análises muito sofisticadas e complexas, baseadas em debates historiográficos intensos que ocorreram no Brasil e nos Estados Unidos”, defende. “Embora estejamos falando do século XIX no livro, volto a dizer, num momento de disputa pelas narrativas históricas, um prêmio dessa importância que reconheça um trabalho dessa natureza é fundamental”, afirma.

A primeira edição do livro foi publicada em 2016 pela Edufba e se destacou pelo interesse internacional.

Sobre a autora – Graduada em história pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Luciana realizou mestrado e doutorado na mesma área na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pela Universidade de São Paulo (USP), respectivamente. Além disso, tem pós-doutorado no departamento de história na City University of New York (CUNY) como bolsista da Andrew W. Mellon Foundation. A autora estuda, particularmente, a área de história da escravidão e abolição nas Américas numa perspectiva transnacional e comparada, com ênfase no Brasil e Estados Unidos.

Desde 2016, Luciana é professora adjunta da UFRB e acredita que a obra, somada a outras tantas escritas por colegas, além das atividades e pesquisas que são levadas a cabo na instituição, reafirmam a qualidade dos profissionais da Universidade, sobretudo do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL). “Todos os dias estamos fazendo trabalho de excelência, com maior ou menor visibilidade, e contribuindo para o avanço científico e intelectual do País. O meu trabalho é um dentre vários que, cotidianamente, reafirmam a importância da UFRB, não só para o Recôncavo baiano, mas para o Brasil”, disse.

Prêmio Thomas Skidmore – Promovido pelo Arquivo Nacional e a Brazilian Studies Association (BRASA), o prêmio homenageia o brasilianista norte-americano e professor emérito da Brown University. Nessa 3ª edição, a iniciativa acolheu obras publicadas em língua portuguesa entre os anos de 2013 a 2017 sobre a temática da questão racial no Brasil. O tema corresponde à obra clássica de Thomas Skidmore, cujo título é “Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930)”, resultado de um estudo pioneiro realizado nos anos 70.

Como requisitos, as obras concorrentes ao Prêmio Thomas Skidmore também devem apresentar conteúdo autoral e de interesse internacional. 24 tiveram inscrição validada em 2018. O livro escolhido será republicado nos Estados Unidos, com recursos pagos pela BRASA. Para menção honrosa foram selecionados os livros “Constitucionalismo brasileiro e o Atlântico negro: a experiência constituinte de 1823 diante da Revolução Haitiana”, de autoria de Marcos V. Lustosa Queiroz, e “Água de barrela”, de autoria de Eliana Alves Cruz.

Com informações da Edufba e do Arquivo Nacional.

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