Pará e África unidos pela cultura

O olhar cinematográfico o acompanha desde a infância, quando ele vivia no interior de Minas Gerais. Joel Zito Araújo, 54 anos, lembra-se bem das sessões que o fizeram despertar para a beleza do cinema. Na juventude veio a ideia: utilizar o lirismo dessa linguagem para instigar a reflexão sobre a raça negra no Brasil. 

Uma pequena mostra desse cinema poderá ser conferida hoje, com a exibição do documentário “A Negação do Brasil” (2000), às 19h, no Cineclube Alexandrino Moreira, do Instituto de Artes do Pará (IAP). Tabus, preconceitos e estereótiposraciaissãodiscutidos a partir das lutas dos atores negros pelo reconhecimento de sua importância na história da telenovela, produto de maior audiência da TV brasileira. 

Baseado em suas memórias e em pesquisas, Joel Zito Araújo analisa as influências das telenovelas nos processos de identidade étnica dos afrobrasileiros. “A Negação do Brasil” ganhou os prêmios de Melhor Documentário, Melhor Pesquisa e Prêmio Quanta da Competição Brasileira no Festival É Tudo Verdade (2001). A sessão tem entrada franca. 

Além da sessão de hoje, o público paraense terá a oportunidade de conhecer o cineasta durante a 14ª Feira Pan-Amazônica do Livro, que acontece no Hangar Centro de Convenções e Feiras da Amazônia. Joel Zito é um dos convidados especiais do evento, que começa no próximo dia 27. 

Nascido na pequena cidade de Nanuque, Joel Zito não consegue dizer quando começou seu fascínio pelo cinema: tudo aconteceu aos poucos, a cada sessão que assistia, em uma das três precárias salas de exibição da cidade. “Meus diários de criança e adolescente já mostravam o meu caminho. Ao invés de escrever sobre meus problemas familiares, eu fazia pequenas críticas dos filmes que via. Eram amadoras, claro, mas ali nasceu minha sensibilidade para o cinema”, relembra. 

Por outro lado, os problemas familiares que eram ignorados na hora de extravasar as emoções foram fundamentais para os processos criativos de diversos filmes assinados por ele. Enquanto a mãe de Joel tem descendência negra, o pai vem de uma família ariana de elite. A separação dos dois o jogou numa realidade conflituosa. O pai, bem-sucedido; a mãe, empregada doméstica. Diferenças raciais, diferenças de classe e o desprezo pela cultura afro no Brasil saltaram aos olhos do jovem cineasta. 

“Aos 28 anos fui para a escola de cinema. Ali, em contato com a produção cinematográfica brasileira, vi que poucos faziam filmes politizados sobre esta delicada questão. O sofrimento de minha mãe me impulsionou a fazer um trabalho que refletisse essa angústia”.

A escolha pelo documentário veio naturalmente, já que os custos são bem mais cabíveis do que os de ficção. “Não trabalho muito com ficção, porque se me disponho a fazer algo, quero fazer o melhor. A falta de recursos muitas vezes me faz optar pelo documentário, pois sei que com determinado valor posso fazer ou um péssimo filme ficcional ou um ótimo documentário”, explica Joel Zito, que tem dois roteiros de ficção prontos, à espera de patrocínio. 

Vindo de uma geração do cinema que, segundo o diretor, sabe dialogar bem com a nova safra de cineastas, ele admite que seu trabalho, assim como o de muitos outros diretores, esbarra na falta de patrocínio e de políticas públicas. “Mesmo assim não esmoreço e sigo em frente”, completa.

Talvez por este motivo Joel Zito não se atenha só ao cinema. Com pós-doutorado em Rádio, TV e Cinema pela Universidade do Texas (EUA), ele também é autor de livros sobre os negros no Brasil, com enfoque na presença do negro na televisão. Seu mais recente livro será lançado ainda este mês: “O Negro na TV Pública”, que se propõe a estimular a reflexão sobre o negro na mídia televisiva, tanto no jornalismo como no entretenimento. “Será que os negros realmente já conquistaram seu espaço? Já são aceitos naquilo que a TV convenciona como aceitável?”, questiona. 

O tema não poderia ser mais apropriado para a Feira do Livro, que este ano fará uma homenagem aos países africanos que falam a língua portuguesa. 

“Refletir sobre as produções ligadas às identidades que foram sufocadas, como a negra e a indígena, ajuda na construção de um imaginário brasileiro mais global. Somos presos à produção eurocêntrica, estamos de costas para a América Latina, e mais ainda para a África. É preciso abrir os olhos, caminhar juntos com a concepção do século XXI, que é da diversidade, da necessidade de conhecermos todas as literaturas. E assim sanamos nossa dívida histórica com este continente, possibilitando uma reconexão com a África para fortalecer aquilo que negamos”, opina. 

PARTICIPE

14ª Feira Pan-Amazônica do Livro. De 27 de agosto a 5 de setembro, no Hangar Centro de Convenções e Feiras da Amazônia. 

ASSISTA

“A Negação do Brasil”. Hoje, às 19h, no Cineclube Alexandrino Moreira, do Instituto de Artes do Pará (IAP), ao lado da Basílica. Entrada franca.  (Diário do Pará)

Fonte: Diario do Pará

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