Escravidão e discriminação

Por Margareth Menezes

 

 

Neste momento, em que agradecemos a chegada de 2012 (e aproveito para desejar saúde paz a todos os meus leitores), podemos também fazer uma reflexão sobre um importante marco do ano que passou. Em 2011, comemoramos o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes. Esta homenagem anual foi instituída graças à luta de pessoas que tiveram a coragem de se mostrar e se sacrificar em beneficio de uma sociedade mais justa para os afro-brasileiros, o Movimento Negro Unificado (MNU). Passados alguns anos, já podemos ver o resultado dessa atitude em algumas conquistas. Para mim, no entanto, a grande vitória do MNU foi chamar atenção da sociedade para injustiças e, principalmente, ressuscitar no povo afrodescendente um aumento da sua autoestima.

A história da humanidade vem sendo contada sempre pela ótica dos que estão no poder. Muito é ocultado sobre as conquistas do povo afrodescendente, sobre as qualidades e as contribuições dele no desenvolvimento da sociedade. Para a gent e compreender melhor, é preciso mergulhar um pouco nos acontecimentos e estudar mais profundamente a história da África. Não é uma coisa fácil, devido à quantidade de países que formam o imenso continente: 54 nações, várias regiões e um aglomerado de culturas diferentes.

Temos muita coisa para descobrir. Primeiro, sobre a África. Depois, sobre a relação da África com o Brasil, sobre a formação do povo brasileiro com a contribuição dos africanos. A África é a terra matriz da humanidade. Ela, junto com o Oriente, são as bases do desenvolvimento humano milenar. Em todas as fases da humanidade, os povos africanos estão presentes. As descobertas arqueológicas sobre o desenvolvimento de antigas civilizações, a engenhosidade das ferramentas de trabalho, a tecnologia da irrigação, o trabalho e a extração de minerais, o trato com a natureza e o conhecimento do campo espiritual são apenas algumas provas do quão desenvolvidos são estes povo s.

Na época da escravidão, os reinados africanos tinham seus combates, suas lutas pelo poder, seus vilões e heróis, como qualquer outro povo da terra. A África tinha dinastias familiares, súditos e serviçais, e também tinham prisioneiros de guerras transformados em escravos. O reinado perdedor se tornava devedor do outro, uma prática comum entre povos que guerreavam naqueles tempos. Quando a África foi invadida pelos povos europeus, os invasores não respeitaram as fronteiras dos povos africanos. Eles fizeram uma divisão desrespeitosa e se aproveitaram dos conflitos internos para enfraquecer qualquer resistência e fomentar ainda mais a desunião, o que facilitaria a colonização.

As riquezas e o conhecimento dos povos africanos foi o que despertou a cobiça dos algozes europeus. Mas, como eu disse, a história é muito longa e complexa. Da escravização para a discriminação foi uma questão de ideia. A diferença na cor da pele e nas c ulturas forneceram para os algozes colonizadores as armas que eles precisavam para propagar a discriminação. A discriminação racial foi incentivada e disseminada para justificar o maltrato a que eram submetidos os negros e como justificativa para os europeus realizarem perversidades e não dividirem o poder com os africanos.

Criaram sobre o povo negro as mais esdrúxulas teses, desde a falta de inteligência até doenças contagiosas e heresias. Forjaram um estigma de inferioridade para justificar a escravização que recebeu apoio até mesmo da Igreja. Essa prática doentia se alastrou pelo mundo inteiro, criando sobre o povo afrodescendente milhares de injúrias. Em um determinado momento, a escravatura começou a ser contestada. As razões disso foram as dificuldades que começaram a aparecer para administrar e manter financeiramente os escravos, mas também pelo apelo de alguns grupos da sociedade que não aceitavam mais aquelas praticas bárbaras.

Os anos de escravidão, no entanto, deixaram cicatrizes. No Brasil, durante muito tempo, a imagem de um afro-brasileiro não era benvinda nos programas de televisão. Vivemos momentos em que até o próprio negro se desconhecia e não valorizava seus iguais. Atualmente, ainda sofremos com a descriminação, mas temos mais liberdade e pessoas atuando na defesa dos direitos do povo afro-brasileiro.

Na Bahia, o trabalho mais marcante ainda é feito pelos blocos afro de Salvador que, com toda dificuldade, falta de apoio e patrocínio, prestam um grande serviço à população e à sociedade como todo, assim também com os terreiros do povo de santo, locais onde toda essa luta começou.

No último censo, houve um aumento em 40% da população brasileira que se declara negra ou afrodescendente. A miscigenação é uma realidade no nosso país. Penso que nesses novos tempos em que a comunicação se faz mais direta através das redes sociais e das nov as mídias, é preciso renovar nossa luta e ampliar nossa bandeira na busca de uma sociedade mais justa na igualdade de direitos e deveres para todos os cidadãos brasileiros.

Não é simples conhecer nossa historia, não é fácil encarar e entender quantas mentiras foram forjadas para deixar a história da humanidade mais branda para os que sempre estiveram no poder. Propagar nossos acertos e as nossas belezas é muito fácil. Difícil mesmo é a gente falar dos nossos erros e reconhecer o quanto o egoísmo e a falta de humanidade impera na história do mundo contemporâneo.

Viver é uma questão de aprender. Viver é ter a coragem de levantar a cabeça e construir uma nova vida, uma nova concepção de sociedade. Existem sociedades modernas, como as do Canadá e da Noruega, formadas por povos de várias culturas e etnias que convivem com respeito, de forma justa e igualitária. Um país como o Brasil, que tem pela frente uma perspectiva de cresciment o, deve beneficiar o povo afro-brasileiro enquanto cidadãos merecedores do direito de participar e usufruir desse grande progresso que nos espera.

Viva o povo brasileiro em toda sua diversidade étnica e cultural!

Viva o afro-brasileiro! Viva Zumbi!

Margareth Menezes, artista e cidadã.

 

 

 

 

 

Fonte: Portal do Reconcavo 

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