A julgar pelas manifestações de intolerância e ódio – de caráter político, ideológico, religioso ou social – que se alastram como rastilho de pólvora, a resposta é sim.
Por BEPE DAMASCO, do Brasil 247
Valores totalitários e pré-iluministas são uma ameaça real à sociedade?
A volta da censura a obras de arte, partindo de um número cada vez maior de analfabetos formalmente letrados e de esferas de governo, indicam que sim.
O estado de exceção já uma realidade no Brasil pós-golpe?
O cerceamento do direito de defesa, as prisões arbitrárias – preventivas e provisórias – por uma eternidade para forçar delações, as violações do devido processo legal e da Constituição, além das condenações sem provas, mostram que sim.
O “brasileiro cordial”, do grande Sérgio Buarque de Holanda, na antológica obra “Raízes do Brasil”, de 1940, se tornou, 77 anos depois, um ser racista, homofóbico, sexista, xenófobo e violento?
Os números estarrecedores falam por si. O Brasil é um dos líderes mundiais do ranking de crimes contra a mulher, sejam eles estupros, abusos sexuais, assassinatos ou agressões físicas e psicológicas. O racismo e o ódio aos pobres são outras duas feridas purulentas abertas. 60 mil pessoas são assassinadas todos os anos, já somos a quarta maior população carcerária do planeta e a tese de armar a população não para de ganhar adeptos. Por todas essas razões, com toda a certeza, a resposta é sim.
Essa pequena autoentrevista ganhou o teclado do computador, confesso, em um momento de pico de angústia diante da destruição da nação brasileira. Mas logo a gente sacode a poeira e segue em frente, afinal, a mágica e única experiência de viver não pode e não deve ser contaminada pelos vermes do obscurantismo.
A juventude da minha geração ia para a rua lutar por liberdade e justiça social. Hoje, as pessoas querem sangue e enforcamento em praça pública, se deliciando com as prisões alheias. Não importa a versão do acusado, seu direito à defesa e a um julgamento justo. Não importa a presunção de inocência garantida pela Constituição.
Essa sede de sangue enche os botequins e as lojas de eletrodomésticos sempre que as emissoras de televisão mostram as imagens da prisão pirotécnica de mais um preso da Lava Jato. É triste ver que o efeito manada do linchamento conta inclusive com a adesão de militantes e dirigentes de uma certa esquerda de viés moralista. Isso até o dia em que eles ou seus familiares forem também engolidos pela boca do jacaré fascista.
Como diz o deputado Wadih Damous, nada é mais revolucionário nos dias atuais do que lutar pelo estado de direito democrático.