No lugar de onde venho, a família do comercial de margarina não tem sequer pão.
Eu não corro com lobos. Bem que eu queria. Só que, de onde venho, não temos a permissão para sermos selvagens. Precisamos nos adequar, domar quem somos para caber. Precisamos fugir dos instintos arquetípicos para colocar comida na mesa. Precisamos alisar nosso cabelo, clarear nossa pele, dizer “sim, senhor”.
O lugar de onde venho deveria ter determinado o lugar para onde eu poderia ir: uma cadeira marcada na primeira fila do subemprego. Com direito ao reforço diário da minha baixa autoestima e submissão ao meu homem-sapo-marido-dono-príncipe. Afinal, não é para isso que as princesas existem? No lugar de onde venho, a família do comercial de margarina não tem sequer pão. Esse é um paradoxo que me intriga: se tivéssemos margarina lá em casa, onde passaríamos essa guloseima? Nunca vi mais do que duas crianças sorridentes no comercial, casalzinho lindo, sonhado, organizado, higienizado, quase esterilizado. Já lá em casa, eram sete bocas para serem alimentadas. Mal-alimentadas, malvestidas, malparidas, mal…
Pois, em não tendo chance de atender às normas sociais, eu pude ser quem eu quisesse, anormal
Como vocês podem ver, não sou uma leitura confortável. Mas, do lugar de onde vim, não adiantava tentar me adequar: mulher, pobre, preta, mãe, lésbica. Sem chance. Então perdoem o desconforto que causo e não desistam de mim. Pois, em não tendo chance de atender às normas sociais, eu pude ser quem eu quisesse, anormal. Eu sou a Onilia Araújo, contadora, empreendedora social, ativista em diversidade sobre raça, gênero e
LGBTQIA+ e estou aqui para falar com vocês sobre grana, carreira e autorrespeito, com as lentes lá daquele lugar de onde vim. Namastê (Isso foi uma ironia)
Onilia Araújo é contadora, multiempreendedora, ativista feminista, LGBTQ+ , mãe do Pietro e luta pela valorização e desenvolvimento econômico do povo negro. É fundadora da I.CON (Inovação Contábil), sócia da Lanceiros Tech, empresa de prototipação de negócios digitais formada por pessoas pretas/periféricas, diretora da Odabá – Associação de Afroempreendedorismo e co-fundadora da MIMA, um lab de experiência feminina em criptoativos.
** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.