Ela tem apenas vinte e cinco anos, mas sua arte é fruta madura. Seus grafites, aquarelas, nanquins, lambes vêm com um recado claro: “Aceite seu corpo. Seja o que você é. Seja como você quiser”. A artista Evelyn Queiróz deplora a imposição de padrões de beleza. “O tempo todo a sociedade fica dizendo como uma mulher tem que ser. Existe muita pressão sobre o corpo, o cabelo, a roupa. Isso torna muitas meninas e mulheres profundamente infelizes”, explica a criadora da personagem Negahamburguer.
O nome da personagem é o mesmo que ela deu para uma boneca que ganhou na infância. Sua Negahamburguer pode ser vista em muros da cidade, sites, redes sociais, blogs, livros, objetos. Aonde há um suporte, Evelyn se expressa. Ela conta: “Sempre gostei de rabiscar. Garotinha via minha mãe desenhando, pegava um caderninho e também fazia arte”. O Embu das Artes, onde a artista sempre morou, também é inspiração. Para quem não conhece, trata-se de uma região da Grande São Paulo, cuja vocação é abrigar artistas e artesãos. Por lá trabalhou o grande poeta, pintor e dramaturgo negro Solano Trindade.
Há muita liberdade nos traços e nas cores de Evelyn Queiróz. Talvez pelo fato dela desenhar mulheres reais, fora do tatibitate das vitrines de moda e com muita distância das mulheres-capas-de- revistas. As figuras da artista são ora magras, ora gordas. Ora peitudas, ora mirradinhas. Às vezes tímidas, às vezes descaradas. Grafitadas nos muros da cidade, elas se oferecem à reflexão. O gosto pela estética do grafite veio da infância: “Eu ficava deslumbrada com os grafites gigantes da Avenida 23 de Maio e do Túnel da Paulista (que liga esta avenida à Rebouças e Dr. Arnaldo). Admirava o tamanho, as cores, as formas”, a moça recorda. Mas ela é multitécnica. Faz trabalhos delicados com aquarela: “É a técnica com que mais me identifico”. Também é multiespaço. Ela tanto trabalha em sua casa no Embu das Artes, como no ateliê na Casa de Lua, situada na também artística Vila Madalena. A Casa é um espaço coworking, leia-se compartilhado. Seja qual for o endereço, Evelyn gosta de criar ouvindo música. Ela diz: “Também adoro ir misturando traços e cores sem saber aonde vou chegar. Mas sempre chego”.
Conteúdo é qualidade
“Sempre penso num tema antes de começar a desenhar. Acho importante que o trabalho diga algo além do visual. Eu creio na eficácia da mensagem”. O recado de Evelyn não tem vergonha de mostrar seu viés contestador. Muitas vezes, suas imagens vêm junto com pequenos textos: Miss Amor Próprio, De dentro para fora, Meu tamanho é lindo, meu peso é ideal. A artista tem olhos e ouvidos para a frustração das meninas fora-dos-padrões. Seu trabalho é também uma denúncia da violência sobre as mulheres. Felizmente nada panfletário, feito com humor e arte. “Às vezes de tão batidas, as pessoas acham que a cantada, as ofensas e a falta de respeito são naturais. Mas é claro que não são. Elas tolhem a liberdade do ser. Meu trabalho tenta dizer para as mulheres se aceitarem como são na real e encorajá-las para serem como quiserem”, explica a jovem madura.
– Como se sente a Evelyn Queiróz com seu próprio corpo?
– Me sinto muito bem. Meu corpo, meu cabelo, minhas roupas estão em processo de aprendizagem e abertos a mudanças.
Beleza real
O trabalho mais fresquinho da artista é um livro que reúne ilustrações e narrativas protagonizadas pela Negahamburguer. Ele conta histórias de mulheres reais que escreveram para Evelyn, via site, blog e redes sociais, relatando desconfortos com suas belezas diferentes dos modelitos usuais. A produção do livro foi bem contemporânea, a autoria conseguiu financiá-lo via internet. Beleza Real foi lançado em fevereiro último e pode ser comprado online.
Por fim, Evelyn Queiróz deixa um pos-it, escrito pela Negahamburguer, para todas e todos nós: “A sociedade nunca estará satisfeita. Sempre irá pedir mais, seja para vender, seja para estabelecer regras. Então não se esforce para contentá-la. Fique em paz com você. Seja feliz com seu jeito de ser. Afinal, a liberdade é respeitar a própria beleza”.