Exploração sexual na Espanha: uns traficam, outros montam o bordel

Fonte: UOL Notícias

Mónica Ceberio Belaza e Álvaro de Cózar
Em Madri

Foto: Raymond Roig/AFP

A rota do amor. Cuenca, km 200 da rodovia Nacional 301. Pela rádio, no sábado à noite, se escutam todo tipo de convite para consumir sexo. É a Loca FM. Entre músicas “techno” e “pachanga”, são anunciados os locais que o motorista vai encontrar em poucos minutos: uma voz grave e masculina sugere parar em um deles: “Las Torres. Simply the best”. Ao longo de 20 km há cerca de sete clubes de sexo. Grandes, pequenos e médios.

Em Los Molinos, um dos mais bem-sucedidos, não deixam entrar mulheres, nem a imprensa. Um encarregado paraguaio balbucia rapidamente que ali não se faz nada de mal, mas que não pretende deixar dois jornalistas entrarem. Nem sequer para tomar umas bebidas como qualquer cliente. O estacionamento está lotado. Jovens – alguns com grandes carros com a música no máximo volume – entram rindo. Dentro os esperam mais de 60 mulheres que trabalham ali, de diversas nacionalidades, jovens e bonitas. Esta noite se fará um ótimo caixa, provavelmente.

As redes de tráfico de mulheres estrangeiras podem obrigar as garotas a se prostituir nas ruas e bairros industriais – às vezes também em apartamentos -, mas é raro que haja um clube de sexo explorado pelos próprios traficantes, sobretudo quando a rede é pequena e formada por três ou quatro pessoas. Faltam espanhóis que atuem como comerciantes da mercadoria. E são necessários vários contatos, porque as mulheres não podem ficar paradas no mesmo clube durante muitas semanas. Os traficantes têm de montar uma rede de locais pela qual possam circular. Cada região da Espanha tem suas especialidades geográficas: Na região Cantábrica (norte da Espanha) 90% são brasileiras. Em La Junquera (Girona) há uma porcentagem semelhante de romenas. O número total de clubes, segundo a Unidade Contra as Redes de Imigração Ilegal e Falsificação de Documentos da Polícia Nacional está em torno de 2.500.

Os empresários espanhóis insistem que não têm nada a ver com o tráfico de mulheres. Garantem que só lhes oferecem um espaço onde trabalhar livremente como prostitutas e que em troca lhes cobram pelo alojamento e a comida. Luis, um cubano ex-jogador de vôlei dono de Las Torres, em Cuenca, afirma que é um negócio normal em que todos são livres. “Nas bebidas ganhamos 50%, mas o cliente dá o dinheiro diretamente para a mulher. Eu não quero problemas. Também não me meto em se têm relações sexuais ou não. Isso é problema deles. Eu cobro 40 euros por dia por quarto, café da manhã, almoço e jantar, e não quero saber mais nada. Não aceito menores de idade nem saio procurando garotas. Vem quem quer.”

A realidade nem sempre tem o tom cor-de-rosa que Luis pinta. Nos clubes há mulheres obrigadas a exercer a prostituição. Principalmente em seus primeiros meses na Espanha, os que demoram em pagar a dívida a seus captores. As endividadas são obrigadas a fazer qualquer coisa que eles mandem. Às vezes é sua “mami” – a controladora, a pessoa que as vigia sempre – quem cuida de todas as suas relações comerciais, de lhe dizer quanto deve cobrar e com quantos homens têm de manter relações sexuais a cada noite. E a encarregada de pressioná-la se os objetivos mínimos não são cumpridos. O empresário pode se manter à margem e limitar-se a cobrar das mulheres entre 40 e 60 euros por dia para evitar conflitos com a Justiça.

Mas em muitos casos é o dono do clube – através de seus encarregados e funcionários – quem explora diretamente a mulher depois que os traficantes a trazem para a Espanha. Nas sentenças judiciais encontram-se diversos casos como esse. “Eugenio travou contatos com diversas pessoas da Rússia, que lhe enviavam periodicamente mulheres dessa nacionalidade”, relata o Supremo em uma resolução de junho de 2006. Eugenio era o dono de um clube de sexo [“de alterne”, bares com mulheres que bebem com os clientes]. Seus amigos russos recrutavam mulheres prometendo-lhes trabalho como garçonetes. Quando elas chegavam, se se negassem a trabalhar como prostitutas Eugenio as obrigava a falar por telefone com o captador russo, que ameaçava matar suas famílias. O espanhol impunha multas às que não trabalhavam algum dia, não usavam saia ou se negavam a ir com um cliente determinado. Eugenio as obrigava a praticar o que ele chamava de “pequena champanhe” (beber uma garrafa, deixar-se tocar e masturbar o cliente) ou “grande champanhe” (com sexo completo). Uma relação trabalhista – forçada – toda regrada.

As autoridades sabem onde ficam os clubes. Porque não há um maior controle deles? Por que não se faz uma vigilância constante para evitar que sejam espaços nos quais as mulheres são impunemente escravizadas? Há duas vias de atuação: a policial e a da inspeção do trabalho. E as duas encontram o mesmo problema: a falta de regulamentação da prostituição na Espanha. Como não é proibida, não podem assediar os lugares de forma permanente. Como não é regulamentada, também não podem controlar o cumprimento de determinada norma, que sejam respeitados os direitos trabalhistas das mulheres.

“A questão não está clara nem sequer quanto ao ‘alterne’ [tomar bebidas com os clientes], que é uma atividade mais visível e que se pode controlar mais”, explica Manuel Alía, subdiretor-geral para a Inspeção em matéria de Seguridade Social, Economia Irregular e Imigração do Ministério do Trabalho. “Segundo os tribunais catalães, há uma relação trabalhista”, continua. “Segundo os galegos, não pode havê-la porque se trata de um trabalho que atenta contra a dignidade humana. Mas no principal, que é se ali se mantêm relações sexuais contra a vontade da vítima, não podemos entrar porque a legislação não nos ampara.”

A polícia encontra o mesmo problema na hora de atuar. A prostituição é uma atividade lícita, e por isso não podem persegui-la. Só podem ir atrás do tráfico de pessoas e da imigração ilegal. Em geral as batidas buscam mulheres sem documentos. Uma vez detidas, algumas denunciam os exploradores. Outras não. Por medo de represálias e porque muitas vezes o empresário as convenceu de que os agentes – que passam com frequência pelos prostíbulos para obter informações – não vão ajudá-las.

A prostituição é, segundo a ONU, o segundo negócio mais lucrativo do mundo, depois do tráfico de armas e antes do tráfico de drogas. Traz anualmente lucros de US$ 5 a 7 bilhões e mobiliza cerca de 4 milhões de pessoas. Na Espanha movimenta cerca de 18 bilhões de euros por ano, segundo o Relatório sobre a Prostituição redigido pelas Cortes Gerais. Mas a cifra é, mais uma vez, uma estimativa pouco confiável e baseada em um número de prostitutas ainda desconhecido.

Há dados que indicam que, em todo caso, falamos de muito dinheiro. Há algumas semanas a Polícia Nacional deteve José El Francés, um empresário de Almería que supostamente havia lavado 12 milhões de euros desde 2007. Os lucros provinham de seus sete clubes de sexo em Almería e Roquetas de Mar. O empresário ocultava 13 empresas de fachada que estavam nas mãos de testas-de-ferro e “laranjas”, normalmente viciados em drogas que aceitavam dar a cara nos lugares por muito pouco dinheiro. A mulher de José El Francés, uma russa, era encarregada de conseguir mulheres na Rússia e no Brasil para a rede.

A província de Almería é um dos focos da prostituição na Espanha. Assim que se chegar a El Ejido, o Golden e outros locais lançam suas mensagens de neon aos motoristas. A poucos metros dali, nesse labirinto de estufas que dá trabalho a imigrantes vindos da América Latina, África e Leste Europeu, encontram-se outros clubes um pouco menos seletos. Um deles é o Kongo, muito perto de Roquetas de Mar. Por fora pareceria um depósito de ferro velho, se não fosse pelo luminoso de neon. Dentro é um clube de “alterne” para imigrantes. “É raro ver um espanhol por aqui”, diz uma das garotas, uma romena com o rosto lívido que pede ajuda nos primeiros minutos de conversa: “Quero sair daqui. Não gosto disto. Não quero me dedicar à prostituição”.

É nesses antros que as ONGs têm mais problemas para ter acesso às garotas e atendê-las. Também nos apartamentos, onde as mulheres estão menos protegidas que em qualquer outro lugar. Algumas quase não saem à rua e só têm contato com os clientes durante um breve período. Trabalham e vivem ali. “Algumas casas são autênticos armazéns de mulheres”, relata um agente da UCRIF especializado em Leste Europeu. “Há pouco vimos um chalé pequeno no qual viviam 17 russas amontoadas. Dormiam em quartos cheios de beliches e não saíam nunca.” Assim se minimizam os gastos e otimizam os lucros. A prostituição chinesa, por exemplo, menos visível, é exercida quase totalmente em apartamentos de grandes cidades como Madri e Barcelona. Como na rua, nos apartamentos não há necessidade de grandes investimentos. É só pôr a mercadoria humana para produzir.

Um dos poucos clubes chineses fica em Madri. É um pequeno lugar com garotas asiáticas. A clientela, salvo algum espanhol de terno e silencioso, é oriental. As jovens estão caladas comendo arroz com pauzinhos em torno do bar. No fundo, a “mami”, também chinesa. Não falam muito. Uma das garotas tem 20 anos, vem da Tailândia e arranha um inglês suficientemente ágil para expressar que quer ir embora de lá. “Quero voltar para Bangcoc com minha família.” Não tem passagem de volta e diz que vai precisar de um ano para conseguir dinheiro. Quando não trabalha, fica em casa fazendo sudoku.

Um grupo de chineses entra no local e interrompe a conversa. Levam a garota rapidamente. Duas semanas depois não está mais lá. “A transferiram para outro lugar”, diz o encarregado. Talvez tenha tido problemas por falar demais com este jornal. “Não vai acontecer nada com ela”, diz um homem. “No máximo a terão deixado alguns dias sem comer.”

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