Falta de doações e atrasos de repasses federais ameaçam ONGs de saúde no País

Queda na arrecadação de doações chega a cair mais de 40% em 18 meses entre associações sem fins lucrativos; Ministério da Saúde, que tem atrasado repasses, não descarta cortes

Por Mariana Gonzalez do iG

Os atrasos nos repasses públicos e a ausência cada vez maior de doações, consequências da crise econômica que assola o País desde o ano passado, começam a ameaçar seriamente a sobrevivência de associações da área de saúde em todo o território nacional.

Organizações não-governamentais consultadas pela reportagem do iG afirmam que não só os cortes dos serviços já vêm sendo feitos como há previsão de que fiquem ainda maiores nos próximos meses, com possíveis mudanças não descartadas pelo Ministério da Saúde. Quando assumiu a pasta no governo interino de Michel Temer, o ministro Ricardo Barros chegou a afirmar às associações do terceiro setor para “não contarem com mais dinheiro” neste ano.

Os casos são dramáticos. Responsável por abrigar 42 pacientes idosos até 2014, o Lar Anália Franco, localizado em São Caetano do Sul, precisou reduzir praticamente pela metade seu número de leitos nos últimos meses, além de ter sido obrigado a desligar 40% dos funcionários, devido à ausência de doações.

Apesar de contar com repasses dos cofres públicos, o auxílio do governo não representa mais do que um terço dos gastos anuais do Lar – os do município, do Estado e da União somam R$ 250 mil dos R$ 750 mil necessários para cobrir as despesas “Hoje, conseguimos atender apenas 27 idosos”, conta Gilmar Talarico, presidente da casa.

Longe dali, na região central de São Paulo, uma das grandes referências no tratamento de paralisia cerebral grave no Brasil, a Associação Cruz Verde, vem há meses tentando lidar com atrasos de ao menos duas semanas nos repasses por parte do Sistema Único de Saúde, do Ministério da Saúde, responsável por 56% de seu orçamento anual.

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Mariana Gonzalez/iG São Paulo

“Como se não bastassem todas as quedas de arrecadação, o novo ministro da Saúde ainda fala em cortar gastos. Sem os recursos do SUS, a Cruz Verde e dezenas de outras instituições vão parar de funcionar”, avalia Flávio Padovan, presidente da Cruz Verde.

Cancelamentos zeram reservas
Com quase 20 anos de atividades, a Associação Desportiva para Deficientes, localizada na zona sul da capital paulista, vive situação semelhante. Responsável pelo atendimento de 120 crianças com deficiência física, a organização calcula que o déficit em doações e patrocínios chega a 70% nos últimos 18 meses, o que inclui o cancelamento de contratos milionários de doação para a instituição por empresas como a Petrobras.

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“Por enquanto, estamos conseguindo manter todos os projetos. Mas já zeramos todas as reservas econômicas”, explica Eliane Miada, presidente da associação. Para se manter em funcionamento, a ADD deixou de promover atividades com as crianças – como festividades e visitas a museus e teatros – e foi obrigada a reduzir o quadro de funcionários. “Tivemos de desligar 40% da equipe administrativa e 50% da equipe pedagógica. Para a nossa sorte, alguns puderam continuar lecionando voluntariamente, mas a redução foi drástica.”

De acordo com o sociológo Marcos José Pereira da Silva, coordenador da ONG Ação Educativa que atuou diretamente na criação do Marco Regulatório 13.019/14 – medida que determina os critérios dos repasses de recursos públicos para organizações da sociedade civil e torna mais transparente a relação entre o governo e essas instituições –, as associações podem se ver prejudicadas também pela crise política, que levou ao afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República e à consequente posse de Michel Temer interinamente no cargo.

“Em trocas de governo complicadas como esta, o corte de gastos é uma decisão esperada. E o Marco Regulatório dificulta, por exemplo, a quebra repentina de contrato de repasses de dinheiro público. Mas se, por um lado, o Marco Regulatório representa um ambiente mais seguro para as associações, por outro, ele não define quais recursos estarão disponíveis e de que forma. Isso dá margem para corte no valor do auxílio”, explica Silva.

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“O que temos visto na fala dos novos ministros é que direitos básicos garantidos na Constituição, como é o caso da saúde, não vão caber no orçamento. E, quando o governo falha em prestar esses serviços, o que vai acontecer se essas instituições pararem de funcionar?”

Procurado, o Ministério da Saúde informa que, somente em 2015, foram firmados 951 convênios com entidades privadas sem fins lucrativos, em contratos que somam R$ 414,6 milhões. Sobre a possibilidade de cortes, a pasta afirma que “somente depois do diálogo com a equipe econômica e caso cortes sejam realmente necessários vai avaliar quais áreas serão afetadas”.

“Neste momento, o esforço do ministro Ricardo Barros é exatamente garantir a totalidade dos recursos previstos para o SUS neste ano, sem cortes”, resume o ministério.

 

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