Hoje trago um relato pessoal, para incentivar aqueles que também passam por maus momentos por causa do cabelo ou da cor da pele. Para aqueles que não passam, espero que isso ajude a enxergar que não é “vitimismo”, esta ai no nosso dia-a-dia.
Por Leticia Cerqueira Do Naturalissimas
Em dezembro de 2014 consegui um estágio em uma multinacional, o grupo Lactalisdetendora das marcas Parmalat, Elege e Batavo.
Encarei isso como uma oportunidade única para me desenvolver profissionalmente, nesta época eu já estava em transição capilar, porém ainda alisava meus cabelos.
Com o passar do tempo fui percebendo que a vida na área comercial não era fácil, meu gestor poucas vezes me dirigia a palavra, exceto quando precisava de alguma coisa.
Nesta época, já comecei a notar diferenças na forma em como eu era tratada. Enquanto os colegas da equipe iam tomar café com nosso gestor, eu não ouvia nem um bom dia, mas até então, não me importei porque eu não estava buscando amizades, apenas reconhecimento pelo meu trabalho.
Em março, criei coragem e cortei toda a parte lisa do meu cabelo, recebi diversos elogios dos meus amigos e família. Entretanto, no trabalho as coisas começaram a mudar. Se antes não recebia nem bom dia, meu gestor começou a me bombardear frequentemente com perguntas do tipo: “E você esta gostando desse cabelo? Porque você fez isso? Seu cabelo cresce assim? Você acha que está bonito?” Se ele não agisse normalmente com outros, em outros momentos do dia, eu poderia até acreditar que o problemas era a memoria, porque sempre quando resolvia conversar comigo, as perguntas eram as mesmas.
Apesar de sempre me empenhar para executar meu trabalho da melhor forma possível, o reconhecimento nunca veio, uma reunião de feedback, nunca ocorreu. E se antes, já não me sentia feliz não sendo reconhecida e não tendo um feedback, fui ficando extremamente chateada porque comecei a receber atenção apenas devido ao cabelo crespo.
Imaginei que se me esforçasse mais, teria o reconhecimento que merecia, diversas vezes trabalhei além do meu horário sem receber nada em troca, chegando a ficar até duas horas depois do meu expediente. Porém, nada mudou. Meu cabelo ainda era mais importante que o papel que eu desempenhava na equipe.
Apesar disso, continuei com meu trabalho e dedicação. Até que um episódio determinou os limites do que eu ainda poderia aceitar dentro da organização. Era aniversario de um dos membros da equipe e fomos todos almoçar juntos, então do nada, meu gestor disse: ” Nossa agora o cabelo da Leticia esta igual ao da Medusa!” Todos deram gargalhadas, eu sem reação… Fiquei calada. Ao chegar ao restaurante haviam dois seguranças na porta e tínhamos que passar por um detector de metais. Um dos seguranças brincou com meu gerente perguntando se ele estava armado, ele respondeu que não e passou. Quando eu estava passando pelo detector, meu gerente voltou e completou para os seguranças: “Olha vocês só precisam tomar cuidado com a medusa ai!” Novamente todos riram… E eu fiquei sem entender o porque dessa atitude, mas escolhi ficar calada.
Com o passar dos dias nada mudou, não aceitei o que ocorreu no restaurante como algo “normal”, como mais uma brincadeira de uma pessoa hiper extrovertida, mas sem noção do que fala, até porque, nesse tempo em que passei na empresa, as “brincadeiras” foram dirigidas apenas a mim. As ofensas eram as mesmas, os ataques sempre direcionados ao meu cabelo.
Depois de tudo, a situação se tornou insustentável para mim. Criei coragem e fui até o RH, não aguentava mais trabalhar dessa forma, queria sair. Conversei com a analista do setor. Dela recebi um apoio que não esperava, ela não achou a situação normal ou engraçada. Pediu para que eu não saísse por esse motivo e que ela tentaria me ajudaria a ir para outro setor. Apesar de ter feito uma entrevista para uma vaga em aberto, o tempo de espera para uma resposta não era previsto, assim decidi realmente sair da empresa, mas fui orientada a conversar com a diretora de RH antes de tomar a decisão.
Foi então que tive minha maior decepção. Ao conversar com a diretora, percebi que o problema não era apenas meu gestor, era a cultura da empresa! Depois de relatar tudo o que ocorreu, as falas dela foram: “Olha, eu vejo que muitas meninas tem assumido o cabelo natural e acho importante que primeiro você desenvolva sua auto estima, porque essa situação é normal no mundo corporativo. Inclusive muitas pessoas da empresa devem passar por isso também, porém elas já sabem lidar com a situação”.
Ok. Nas minhas aulas de RH, ainda não chegamos na parte em que assédio moral é algo normal e que o funcionário deve aprender a aceitar reforçando sua auto estima…
Com uma resposta dessa, preferi ficar calada, pois se falasse tudo o que pensava dessa situação, perderia a cabeça e a razão. Para concluir o assunto, ela disse que tentaria arrumar uma vaga em outro setor, resolvi aguardar.
Nessa altura, não sabia mais se queria continuar em uma empresa com uma visão tão distorcida do que é “normal” em um ambiente de trabalho. Na segunda-feira (14/09), recebi o retorno. Fui informada de que não havia possibilidade de mudar de área, e como ela não tinha falado nada com meu gerente, se eu realmente precisasse do emprego ainda tinha a possibilidade de ficar lá.
Este momento foi como levar um cuspe na cara. Percebi que nada foi feito para que o preconceito parasse, ou que, mesmo não considerando a atitude preconceituosa, com certeza houve assédio moral e mesmo assim, o gestor que praticou a ação não foi nem informado do que ocorria. Quem representava a politica da empresa me provou que quando você sofre preconceito ou assédio moral, a postura deve ser aceitar e ficar calado… Reclamar ou denunciar o abuso faz com que o errado seja você. Eu que não estava preparada para aceitar esse tipo de situação.
Assumi meu despreparo. Não aceitei ficar na área, então fui obrigada a pedir demissão. Quis escrever na carta de demissão o que ocorreu… Fui proibida e orientada a colocar que tinha motivos pessoais…
Nunca vou ficar calada diante de uma opressão, e relato tudo o que ocorreu, não apenas por mim, mas por todos os que sofrem qualquer tipo de preconceito ou assédio moral. Gostaria que ninguém passasse por isso, mas se passarem tenham certeza que devem sim se posicionar. O pior preconceito é aquele sofrido em silêncio!
Hoje estou analisando se processo ou não a empresa, não me importa o dinheiro, mas me preocupa que enquanto nada for feito, eles continuarão a achar atitudes como as que ocorreram comigo, normais. Meu único problema são testemunhas… Os que estavam ao meu redor, riram quando essas coisas aconteceram, o RH não se deu ao trabalho de colocar meu chefe em uma sala comigo para confirmar tudo que falei. E duvido muito que a diretora confirme suas palavras de eu que preciso melhorar minha auto estima… Isso me faz concluir que, se as paredes da empresa falassem, talvez eu não tivesse passado por tudo isso. Os dois pensariam muito antes de ter esse tipo de atitudes!
E vocês já presenciaram algo assim ou foram vitimas de tamanha ignorância? Comente também, vamos nos fortalecer!