Fraudes estão sabotando cotas, diz professor que preside comissão na Unesp 

Enviado por / FontePor Alex Tajra, do UOL

O professor Juarez Tadeu de Paula Xavier acompanhou com muita atenção as notícias das expulsões de alunos que fraudaram cotas raciais na UnB (Universidade de Brasília) e na USP (Universidade de São Paulo) nos últimos dias. Doutor com ênfase em comunicação e cultura, ele preside a Comissão Central de Averiguação da Unesp (Universidade Estadual Paulista), que analisa os alunos que ingressam na universidade se autodeclarando pretos ou pardos.

“Foi um ato corajoso da universidade, de fazer esse enfrentamento, porque isso viola um princípio fundamental da instituição”, diz Xavier. “Outra coisa é que a UnB afirmou que as fraudes são criminosas, que os candidatos incorreram em falsidade ideológica. Achei fantástico.”

Para o professor, “as fraudes estão sabotando as políticas de cotas.”

Em 2019, Xavier fez parte de uma missão complexa e desgastante, passando por 23 cidades em dez dias para analisar todos os alunos que ingressaram na Unesp por meio das políticas afirmativas para pretos e pardos. Cerca de 1.300 alunos foram escrutinados, e, ao final do processo, 30 deles foram expulsos por fraudes.

“Foi tudo muito experimental, uma logística assustadora”, diz o professor. Ele está desde o fim de 2016 à frente da comissão, que reúne professores pesquisadores, diretores técnicos acadêmicos e a assessoria jurídica da Unesp, todos com “notório saber” sobre questões raciais no país.

Leia os principais trechos da entrevista:

Sobre as expulsões na USP e na UnB

“Foi ótimo, porque nós estamos fazendo isso na Unesp desde 2016. É uma determinação do Supremo. O STF definiu que as ações afirmativas são constitucionais e você pode pensar em um sistema híbrido para fazer essa identificação dos que se autointitulam pretos, pardos e indígenas, com autoidentificação e heteroidentificação [quando bancas ou comissões analisam os alunos]. As fraudes estavam sabotando as políticas de cotas, você tem uma política e as fraudes foram se industrializando, adquirindo novas formas.

O caso da UnB é importante, abre um espaço para um debate que não estava sendo feito. Primeiro a ideia de assegurar a integridade de quem prestou vestibular naquela universidade, isso é fantástico. Outra coisa é que a UnB afirmou que as fraudes são criminosas, também acho fantástico. Foi um ato corajoso da universidade, de fazer esse enfrentamento porque isso viola um princípio fundamental da instituição.”

Bancas examinadoras e autodeclaração

“O problema não é quando a avaliação do aluno é feita, a questão é que ela deve garantir ao aluno que teve a sua vaga suprimida pela fraude condições de entrar na universidade naquele ano. Essa é a questão central, a ideia é que você faça essa identificação para assegurar ao aluno ou aluna a vaga na universidade. Se você consegue ter um modelo nesse sentido, você pode fazer [a verificação] antes ou depois [do vestibular].

Algumas pessoas consideram que é inadequado a universidade fazer antes porque a pessoa ainda não é aluna da universidade, teoricamente não poderia chamar a pessoa para fazer a verificação da autodeclaração. Outras pessoas argumentam que se você prever isso como edital, você pode chamá-lo antes de ele ingressar na universidade. E outra opção é você ter um mecanismo ágil o suficiente para que você possa observar uma fraude e chamar o aluno que teria direito a essa vaga. Claro, com amplo acesso à defesa e ao contraditório.”

A experiência na Unesp

“A comissão foi formada em 2016 e a primeira verificação foi feita em 2018. A Unesp passou três anos com cotas e sem fazer essa verificação. A comissão levanta denúncias e, no final de 2017, produzimos um relatório com as possíveis fraudes nas cotas. Nos baseamos em dois pilares: se temos uma denúncia, temos que apurar e o chamamento desses alunos para que apresentassem à comissão sua autodeclaração.

Entre 2014 e 2018, foram 800 denúncias, e nós comprovamos a maioria das autodeclarações. Vinte e sete alunos foram expulsos. Em 2019, passamos a verificar todos os alunos autodeclarados, não só as denúncias. Verificamos 1.300 alunos e 29 foram expulsos. Nós somente recomendamos a expulsão, o ato é do reitor.”

O professor universitário Juarez Tadeu de Paula Xavier lê o dicionário de língua portuguesa que seu Anísio, seu primeiro empregador, lhe deu de presente (Foto: Arquivo Pessoal)

Comissões prévias na Unicamp e UFRJ

“A professora Débora Jeffrey, que preside a comissão da Unicamp, ela aproveitou toda a experiência anterior, incluindo a da Unesp. A comissão [que analisa candidatos antes do vestibular] inibe qualquer tentativa de você não respeitar o critério da autodeclaração, isso aconteceu no nosso processo, ao longo dele um número considerável de pessoas foi desistindo. Acaba sendo um depurador do sistema, por isso que ajuda a execução da política pública. Inibe qualquer expectativa de não seguir o rito adequado para autodeclaração.”

Características físicas como critérios

“Diferente dos Estados Unidos, não temos aqui como trabalhar com o critério da ascendência. Porque no Brasil você tem muita gente de ascendência negra ou indígena e que não tem essas características. No Brasil, diferente dos EUA, a discriminação se dá pelo ‘preconceito de marca’, é a cor da pele que o define.

Nos Estados Unidos, é a herança genética, do avô, do bisavô, independente de sua cor de pele e textura de cabelo. Aqui, uma pessoa de ascendência negra pode se passar por branco e pode não ter nenhum tipo de problema de preconceito. Por isso, aqui nossa preocupação é com pretos e pardos, que formam o grupo negro.”

Lacunas na política de cotas

“Outros países que utilizam as políticas afirmativas com marcadores étnicos e raciais trabalham com minorias. Precisamos pensar na política de inclusão, usando esse mesmo marcador, mas pensando na maioria. Outro ponto é que precisamos fazer com que a rede pública de educação do ensino médio possa participar em condição de igualdade nas vagas oferecidas pelo sistema de cotas para escola pública. Você acaba tendo a concentração em algumas escolas públicas, ou alguns formatos de escola. Temos que universalizar isso.”

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