Gênero é o enfoque do segundo Ciclo de Debates Rumo à COP30

Segunda rodada discute medidas concretas para se avançar no Plano de Ação de Gênero

Com enfoque em Gênero, Geledés – Instituto da Mulher Negra realizou no dia 9 de maio a segunda rodada do Ciclo de Debates Rumo à COP30, dando prosseguimento à iniciativa que convida especialistas e lideranças sociais a debater estratégias que atendam as demandas da população afrodescendente nos espaços globais de decisão. Como parte da preparação para a Conferências das Partes, dentro da perspectiva da agenda racial do Sul global, a primeira rodada do ciclo tratou de Transição Justa. O instituto também promoverá encontros sobre as temáticas de Adaptação Climática e Financiamento Climático.

O evento virtual sobre gênero contou com a participação de Mwanahamisi Singano, diretora de Políticas da Organização das Mulheres para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (WEDO) e também integrante do Womens and Gender Constituency, Angie Dazé, diretora de Igualdade de Gênero e Inclusão Social para Resiliência no Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD) e Adriana Gabinio, diplomata do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty). A mediação ficou a cargo de Letícia Leobet, assessora internacional de Geledés.

Em sua explanação, Mwanahamisi Singano, relacionou a crise climática à uma consequência direta dos sistemas históricos de opressão. “A mudança do clima é apenas um resultado dos sistemas há muito tempo existentes em operação, patriarcalismo, colonialismo, racismo e os outros ismos. Todos esses sistemas têm funcionado colaborativamente juntos, porque foram criados como um conjunto perfeito. Por isso chamamos de sistemas de opressão e exploração. Esses sistemas coletivamente extraíram da natureza, do nosso planeta e têm explorado e extraído excessivamente, levando a várias crises climáticas”, disse ela.

Singano chamou atenção para o impacto desproporcional desses sistemas sobre os marginalizados, em especial as populações negras, as mulheres, as indígenas, a comunidade LGBTQIA+ e as pessoas com deficiência. “Até a nossa existência nesse mundo está se tornando mera sobrevivência. Estamos em um estado de ser apenas vítimas da crise, porque tudo nos foi roubado: o poder, a identidade, os recursos.”

Ao contextualizar os avanços no âmbito das negociações climáticas internacionais, Singano relembrou a trajetória do debate de gênero nas COPs. “Como a Letícia Leobet disse, este ano é o ano em que a COP30 deverá entregar e adotar um Plano de Ação de Gênero”, disse ela, ao mencionar a fala da assessora internacional de Geledés.

A diretora de Políticas do WEDO também fez um chamado à visibilização das desigualdades estruturais. “Temos trabalhado para garantir que o binômio raça e gênero esteja presente no centro das políticas climáticas. Só assim conseguiremos respostas justas, duradouras e enraizadas na realidade das comunidades que estão na linha de frente da crise climática.”

Adriana Gabinio, do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que o Brasil está comprometido em promover a justiça climática com uma abordagem interseccional nas negociações climáticas multilaterais, especialmente no processo de revisão do Plano de Ação de Gênero (Gender Action Plan – GAP) no âmbito da Convenção do Clima da ONU. Segundo ela, esse compromisso reflete-se na preparação para a COP30.

A diplomata, que integra a Divisão de Ação Climática do Itamaraty e atua como negociadora em temas de gênero, agricultura e descarbonização do setor marítimo, destacou que a delegação brasileira tem buscado incorporar questões de raça e desigualdade social como parte essencial do debate climático. “Temos a convicção de que é preciso endereçar as estruturas de desigualdade para construir uma transição justa”, disse.

Apesar dos avanços, Gabinio reconheceu limitações em relação ao processo multilateral. “A negociação é um processo de mais de 190 partes. Precisamos criar um consenso, que todos sabem ser extremamente difícil. Vamos usar todos os mecanismos possíveis para levantar e levar esses elementos que são prioritários, sem também deixar se ludibriar pelo contexto”, afirmou. E apontou alguns avanços: “Conseguimos falar sobre dados desagregados de gênero e ter a inclusão do elemento idade, o que já consideramos que foi algo com o qual nós vamos trabalhar para tentar inserir outros avanços”.

Segundo a diplomata, o documento submetido pelo Brasil destaca a relevância dos direitos humanos e do reconhecimento das múltiplas vulnerabilidades dos grupos afetados pelas mudanças climáticas. “Estamos propondo formas concretas de avançar. Por exemplo, a inclusão da dimensão das meninas nos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs), em elementos relativos à educação das meninas em contextos de desastres, perigos de violência sexual para mulheres e meninas”, disse. 

Outro ponto levantado por ela é a necessidade de dados desagregados por gênero e idade, com recortes que incluam raça e sexualidade. “Para o Brasil, é essencial desagregar os dados considerando a diversidade das mulheres e os fatores que aumentam suas vulnerabilidades.”

Gabinio enfatizou que o novo GAP é um instrumento de implementação, e não apenas de reconhecimento simbólico. “O desafio é pensar em atividades concretas que possam ser incorporadas ao texto. A ação climática não pode ficar paralisada à espera de consensos políticos mais ambiciosos.”

Angie Dazé, diretora de Igualdade de Gênero e Inclusão Social para Resiliência no Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD), defendeu a necessidade de serem fortalecidos os vínculos entre Gênero e outras frentes da ação climática.

“Não podemos restringir as questões de gênero ao GAP. Precisamos garantir que ele crie ligações concretas com outras áreas das negociações climáticas, como mitigação, perdas e danos”, afirmou Dazé, que participa dos processos da UNFCCC há anos.

Dazé reforçou que a implementação em nível nacional será determinante. “A verdadeira ação acontece nos países. Por isso, é essencial que atores da sociedade civil focados em gênero e justiça social se engajem em todas as frentes do processo climático, não apenas nas discussões específicas de gênero”, declarou.

Ela citou ainda o Marco para Resiliência Climática como um documento que, embora de forma sutil, abre espaço para abordagens interseccionais. “Não sei se eles querem dizer interseccional da mesma maneira que nós, mas está lá e provê uma abertura para defendermos a interseccionalidade e a adaptação. A mensagem que gostaria de mandar é que devemos lutar absolutamente pela melhor linguagem possível nessas decisões, mas também reconhecer que há muito espaço para adaptação e realmente na implementação das decisões que podemos defender um progresso”, explicou.

Dazé incentivou ainda o engajamento da sociedade civil nos processos nacionais de implementação do Acordo de Paris. “Os compromissos assumidos nas últimas décadas precisam ser acompanhados de perto. O Brasil tem uma grande oportunidade com a COP30, mas o mais importante é o que vem depois, na forma como o governo implementa esses compromissos, especialmente para as populações afrodescendentes e outros grupos historicamente excluídos”, concluiu.

Nas considerações finais, Dazé deixou uma mensagem de encorajamento às defensoras de justiça de gênero nos espaços climáticos internacionais. “Sempre haverá alguém trazendo a perspectiva feminista para os debates sobre clima, financiamento climático e outros temas. Essas capacidades nos permitem traduzir e atuar com profundidade. Isso tem sido o nosso maior progresso. Continuamos influenciando decisões — vencendo algumas, perdendo outras —, mas seguimos juntas, como coletivo, rumo ao próximo estágio.”

Kátia Mello é jornalista de Geledés e Mestre em Estudos Africanos pela Universidade de Birmingham, no Reino Unido

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