Gilmar Mendes concede liberdade ao médico Roger Abdelmassih

Roger Abdelmassih deve passar o Natal em casa. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, concedeu um habeas corpus na noite desta quarta-feira determinando a soltura do médico. O pedido foi impetrado no STF na segunda (21) pelos advogados Márcio Thomaz Bastos e José Luis Oliveira Lima. O médico ficou preso por cerca de quatro meses.

Na decisão, Mendes afirma que a prisão preventiva do médico, “sem a demonstração de fatos concretos”, resultou em “mero intento de antecipação de pena”.

Abdelmassih está preso desde o dia 17 de agosto, sob a acusação de ter cometido atentado violento ao pudor e estupro contra ex-pacientes. Ele já teve pelo menos outros cinco pedidos de liberdade negados pela Justiça, e permanecia detido em São Paulo.

Fred Chalub/Folha Imagem
Abdelmassih, acusado de atentado violento ao pudor e estupro contra ex-pacientes

Os advogados do médico alegavam entre outras coisas, que não existia nenhum início de que a liberdade dele afrontava a ordem pública, já que o médico teve seu registro profissional suspenso pelo Conselho Regional de Medicina. Eles pediram a concessão de uma liminar (decisão provisória) para que seja expedido um alvará de soltura com caráter de urgência.

Acusações

 

Segundo o Ministério Público de São Paulo, Abdelmassih é acusado de 56 crimes sexuais. Em geral, as mulheres o acusam de tentar beijá-las ou acariciá-las quando estavam sozinhas –sem o marido ou a enfermeira presente. Algumas disseram ter sido molestadas após a sedação.

Desde que foi acusado pela primeira vez, Abdelmassih negou por diversas vezes ter praticado crimes sexuais contra ex-pacientes. O médico afirma que vem sendo atacado há aproximadamente dois anos por um “movimento de ressentimentos vingativos”.

Abdelmassih também sustenta que as mulheres que o acusam podem ter sofrido alucinações provocadas pelo anestésico propofol, usado durante o tratamento de fertilização in vitro. De acordo com ele, as pacientes podem “acordar e imaginar coisas”.

Segundo sua defesa, o médico nunca ficava sozinho com as pacientes na clínica, pois estava sempre acompanhado por uma enfermeira.

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 102.098 SÃO PAULO
PACTE.(S) : ROGER ABDELMASSIH
IMPTE.(S) : MÁRCIO THOMAZ BASTOS E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Cuida-se de habeas corpus impetrado por Marcio
Thomaz Bastos e outros em favor de ROGER ABDELMASSIH, contra ato
da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, consistente em, por
maioria de votos, denegar o writ lá impetrado sob nº 148.988/SP.
A impetração denegada pelo STJ, por sua vez, objetivava a
revogação da prisão preventiva do paciente, mantida pela 6ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, a qual, também por
maioria, denegou a ordem lá impetrada face ao decreto do juízo de
direito da 16ª Vara Criminal de São Paulo/SP.
Esclarecem os impetrantes que, ante o julgamento do HC
pela Corte ora impetrada, ocorrido em 24 de novembro de 2009, em
três oportunidades encaminharam petições solicitando urgência na
lavratura e publicação do acórdão, não logrando êxito, razão pela
qual a presente impetração encontra-se instruída apenas com a
certidão de julgamento e o voto vencido do Ministro Napoleão Nunes
Maia Filho.
Afirmam não haver elementos concretos que justifiquem o
encarceramento provisório do paciente, realçando que o argumento
central adotado pelo juízo, qual seja, o de risco de reiteração da
conduta, já se encontra superado, pois o paciente teve seu
registro profissional cautelarmente suspenso pelo Conselho
Regional de Medicina em 18 de agosto de 2009.
Mencionam que o fato de pesar contra o paciente a
acusação de haver praticado 56 crimes sexuais, narrados como
HC 102.098-MC / SP
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?estupro?, incendiou a opinião pública, criando um prejulgamento
do feito. Acrescentam, ainda, que, ao presumir violência real em
?tentativa de beijo?, o Ministério Público findou por substituir
as supostas vítimas, agindo de ofício, não obstante a determinação
à época dos fatos contida no art. 225 do Código Penal, fazendo a
persecução penal depender de queixa.
Requerem liminar e final concessão de ordem que reconheça
a ilegalidade da ordem de prisão preventiva, expedindo-se alvará
de soltura em favor do paciente.
Passo a decidir.
Ao decretar a prisão preventiva do paciente, em 17 de
agosto de 2009, o Juízo da 16ª Vara Criminal da Comarca de São
Paulo/SP adotou os seguintes fundamentos:
Os crimes imputados ao acusado são punidos com reclusão e há,
como acima já exposto, prova da materialidade e indícios
suficientes de autoria.
Além disso, narra a denúncia a prática de 56 (cinqüenta e
seis) crimes de estupro o que, em tese, demonstra
habitualidade na prática delitiva por parte do indiciado.
Além disso, a narrativa das vítimas é semelhante e indica que
ROGER ABDELMASSIH estaria utilizando sua clínica para abusar
da sua condição de renomado médico geneticista e constranger
suas pacientes a degradantes atos de conotação sexual.
Os fatos tratados perduram no tempo e indicam que o denunciado
estaria lesando inúmeras mulheres e, segundo notícia dos
autos, continua no exercício de seu mister, o que demonstra a
periculosidade da sua manutenção em liberdade.
Ressalte-se que vários dos delitos aqui tratados se referem a
relatos de vítimas que sofreram abusos sexuais enquanto
estavam sob efeito de sedativos ministrados pelo acusado, o
que aponta o possível desvio da atividade médica por ele
desenvolvida.
O feito terá sua regular instrução e o denunciado poderá fazer
amplo uso do seu direito constitucional de ampla defesa para
apresentar as provas que entender pertinentes a fim de provar
sua alegada inocência.
Todavia, a gravidade dos fatos aqui tratados, a personalidade
do réu, que parece ser distorcida no que pertine à lascívia, e
a potencialidade de que inúmeras outras mulheres possam vir a
HC 102.098-MC / SP
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sofrer toda sorte de abusos por parte de ROGER ABDELMASSIH,
indicam a necessidade de decretação de sua custódia cautelar,
para garantia da ordem pública.
Nesse sentido decide o E. Tribunal de Justiça de São Paulo:
(…).
Impossível negar que a manutenção da liberdade do indivíduo
acusado de reiterada prática de crimes de estupro ? alguns
inclusive com violência física ? e que estaria fazendo uso de
sua clínica médica para abusar sexualmente de mulheres,
representa perigo para o convívio social, razão pela qual a
decretação de sua prisão preventiva é imperiosa.
A necessidade de afastamento do denunciado do meio social é
latente, em face da possibilidade de reiteração de práticas
criminosas contra vítimas incautas que vierem a procurá-lo
acreditando na sua capacidade médica.
Cito outra decisão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo que
também guarda relação com o caso aqui analisado: (…).
O C. Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou em
caso semelhante ao presente, envolvendo professor que era
acusado de, prevalecendo-se de sua condição, abusar
sexualmente de suas alnas.
Decidiu aquela Corte superior que: (…).
Aqui estamos diante de situação análoga, vez que o réu, em
liberdade, poderia, em tese, persistir na reiteração criminosa
que lhe é imputada, vitimando mulheres que estejam submetidas
a tratamento em sua clínica, o que indica, como retro já
exposto, a necessidade da restrição corporal para garantia da
ordem pública.
Portanto, DEFIRO o requerido pelo Ministério Público e DECRETO
a prisão preventiva de ROGER ABDELMASSIH. Expeça-se mandado de
prisão.
Dispõe o art. 312 do Código de Processo Penal:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como
garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do
crime e indício suficiente de autoria.
Nota-se, de pronto, o caráter taxativo que cerca os
requisitos da prisão preventiva, a qual somente poderá ser
decretada para as seguintes finalidades:
a)garantia da ordem pública ou econômica;
b)conveniência da instrução criminal;
HC 102.098-MC / SP
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c)assegurar a aplicação da lei penal.
Advirta-se que não basta ao juízo simplesmente invocar a
presença de algum desses requisitos para que, validamente, possa
expedir o decreto prisional. Deverá, para além disso, identificar
situação concreta que demonstre a imprescindibilidade da medida
extrema.
Entretanto, e como tenho observado em relação a diversos
decretos de prisão preventiva, constato, mais uma vez, o uso de
argumentos puramente especulativos, expondo simples convicção
íntima do magistrado, o qual externa sua crença na necessidade de
garantia da ordem pública com base na gravidade dos mesmos
supostos fatos delituosos atribuídos ao paciente e tendo em vista,
na essência, a possibilidade de ?…reiteração de práticas
criminosas contra vítimas incautas que vierem a procurá-lo
acreditando na sua capacidade médica.?
Sem a demonstração de fatos concretos que, cabalmente,
demonstrem a persistência dos alegados abusos sexuais, em momento
posterior à deflagração do procedimento investigatório, a prisão
preventiva revela, na verdade, mero intento de antecipação de
pena, repudiado em nosso ordenamento jurídico.
Nesse sentido, transcreva-se trecho da ementa do HC no
74.666/RS, da relatoria do Ministro Celso de Mello:
? […] – A privação cautelar da liberdade individual
? por revestir-se de caráter excepcional ? somente deve
ser decretada em situações de absoluta necessidade.
A prisão preventiva, para legitimar-se em face do
sistema jurídico, impõe ? além da satisfação dos
pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova
da existência do crime e indício suficiente de autoria)
? que se evidenciam, com fundamento em base empírica
idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade da
adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida
HC 102.098-MC / SP
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cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do
réu. Precedentes.
[…]? – (HC nº 74.666/RS, Rel. Min. Celso de Mello,
1ª Turma, unânime, DJ 11.10.2002).
Conforme também expus em meu voto por ocasião do
julgamento do HC nº 91.386/BA, tenho que:
?Na linha da jurisprudência deste Tribunal, porém,
não basta a mera explicitação textual dos requisitos
previstos pelo art. 312 do CPP.
De fato, a tarefa de interpretação constitucional
para a análise de excepcional situação jurídica de
constrição da liberdade dos cidadãos exige que a alusão
a esses aspectos estejam lastreados em elementos
concretos.
(…) Com relação ao tema da garantia da ordem
pública, faço menção à manifestação já conhecida desta
Segunda Turma em meu voto proferido no HC nº 88.537/BA
e recentemente sistematizado nos HC?s 89.090/GO e
89.525/GO acerca da conformação jurisprudencial do
requisito dessa garantia. Nesses julgados, pude
asseverar que o referido requisito legal envolve, em
linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas
as possibilidades normativas de sua aplicação judicial,
as seguintes circunstâncias principais:
i) a necessidade de resguardar a integridade
física ou psíquica do paciente ou de terceiros;
ii) o objetivo de impedir a reiteração das
práticas criminosas, desde que lastreado em
elementos concretos expostos fundamentadamente no
decreto de custódia cautelar; e
iii) associada aos dois elementos anteriores,
para assegurar a credibilidade das instituições
públicas, em especial do poder judiciário, no
sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas,
eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e
transparência da implementação de políticas
públicas de persecução criminal.
A jurisprudência desta Corte consolidou o
entendimento de que a liberdade de um indivíduo
suspeito da prática de crime somente pode sofrer
restrições se houver decisão judicial devidamente
fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas
em hipóteses ou conjecturas, ou na gravidade do crime.
Nesse sentido arrolo os seguintes julgados de ambas as
Turmas:
HC 102.098-MC / SP
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?HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E
PRIVILEGIADO. CONDENAÇÃO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO
PELO TRIBUNAL DO JÚRI EM SEDE DE APELAÇÃO.
MANUTENÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR FUNDADA NO CLAMOR
SOCIAL E NA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES. EXCESSO
DE PRAZO. 1. O clamor social e a credibilidade das
instituições, por si sós, não autorizam a conclusão
de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a
ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar
do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo
Tribunal do Júri. 2. A prisão processual, pela
excepcionalidade que a caracteriza, pressupõe
inequívoca demonstração da base empírica que
justifique a sua necessidade, não bastando apenas
aludir-se a qualquer das previsões do art. 312 do
Código de Processo Penal. 3. Hipótese, ademais, em
que se configura o constrangimento ilegal pelo
excesso de prazo da instrução criminal, que não
pode ser atribuído à defesa. Ordem concedida? ? (HC
nº 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma,
unânime, DJ 22.10.2004).
?HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO
PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E
CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE. 1.
Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O
Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido
de que esse fundamento é inidôneo quando vinculado
à invocação da credibilidade da justiça e da
gravidade do crime. Remanesce, sob tal fundamento,
a necessidade da medida excepcional da constrição
cautelar da liberdade face à demonstração da
possibilidade de reiteração criminosa. 2. Prisão
cautelar por conveniência da instrução criminal. A
retirada de documentos do Juízo pelo paciente e a
destruição deles na residência de sua ex-esposa,
sem a oitiva do Ministério Público, autorizam a
conclusão de que sua liberdade traduz ameaça ao
andamento regular da ação penal. Merece relevo
ainda a assertiva do Procurador-Geral da República
de que ?dentre outros fundamentos, foi considerado
o fato relevantíssimo de o Paciente ser um dos
mentores da organização criminosa, dispor de vários
colaboradores, com fácil trânsito nos mais diversos
meios, o que poderia facilitar a corrupção de
agentes, funcionários, testemunhas, tudo com o
objetivo de prejudicar o regular andamento do
processo criminal?. Ordem denegada? ? (HC nº
86.175/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime,
DJ 10.11.2006).
HC 102.098-MC / SP
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?1. PRISÃO PREVENTIVA. Medida cautelar. Natureza
instrumental. Sacrifício da liberdade individual.
Excepcionalidade. Necessidade de se ater às
hipóteses legais. Sentido do art. 312 do CPP.
Medida extrema que implica sacrifício à liberdade
individual, a prisão preventiva deve ordenar-se com
redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua
função meramente instrumental, enquanto tende a
garantir a eficácia de eventual provimento
definitivo de caráter condenatório, bem como
perante a garantia constitucional da proibição de
juízo precário de culpabilidade, devendo fundar-se
em razões objetivas e concretas, capazes de
corresponder às hipóteses legais (fattispecie
abstratas) que a autorizem.
2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado
na gravidade do delito, a título de garantia da
ordem pública. Inadmissibilidade. Razão que não
autoriza a prisão cautelar. Constrangimento ilegal
caracterizado. Precedentes. É ilegal o decreto de
prisão preventiva que, a título de necessidade de
garantir a ordem pública, se funda na gravidade do
delito.
3. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado
na necessidade de restabelecimento da ordem
pública, abalada pela gravidade do crime. Exigência
do clamor público. Inadmissibilidade. Razão que não
autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É ilegal o
decreto de prisão preventiva baseado no clamor
público para restabelecimento da ordem social
abalada pela gravidade do fato.
4.AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Júri. Prisão
preventiva. Decreto destituído de fundamento legal.
Pronúncia. Silêncio a respeito. Contaminação pela
nulidade. Precedentes. Quando a sentença de
pronúncia se reporta aos fundamentos do decreto de
prisão preventiva, fica contaminada por eventual
nulidade desse e, a fortiori, quando silencie a
respeito, de modo que, neste caso, é nula, se o
decreto da preventiva é destituído de fundamento
legal.
5. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Motivação ilegal
e insuficiente. Suprimento da motivação pelas
instâncias superiores em HC. Acréscimo de
fundamentos. Inadmissibilidade. Precedentes. HC
concedido. Não é lícito às instâncias superiores
suprir, em habeas corpus ou recurso da defesa, com
novas razões, a falta ou deficiência de
fundamentação da decisão penal impugnada? ? (HC nº
87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma,
maioria, DJ 24.11.2006) (HC no 91.386/BA, Rel.
HC 102.098-MC / SP
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Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, sessão
de 19 de fevereiro de 2008).
Efetivamente, ao decretar a prisão preventiva, o juízo da
origem não indicou elementos certos e individualizados, aptos a
demonstrar a necessidade da prisão cautelar do ora paciente.
Cabe transcrever, nesse tópico, as lúcidas ponderações do
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em seu voto vencido
manifestado no julgamento do habeas corpus cuja denegação, por
maioria, é aqui questionada:
Aproveito a oportunidade deste julgamento, para
relembrar que a constrição cautelar antecipada, é
sempre medida de todo excepcional, sendo
inaceitável que a gravidade do crime imputado à
pessoa seja suficiente para justificar a sua
segregação, antes de a decisão condenatória penal
transitar em julgado, em face do princípio da
presunção de inocência, não há neste momento, por
conseguinte, nenhuma apreciação ou manifestação de
qualquer juízo quanto aos aspectos substantivos da
Ação Penal, como é óbvio; essa ação dever
prosseguir normalmente até o seu desfecho.
Tal aspecto foi também identificado pelo Desembargador
Marco Antonio Marques da Silva, em voto vencido externado no
julgamento do habeas corpus impetrado perante o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. Confira-se:
Não resta dúvida de que os delitos imputados, em
tese, ao paciente são graves, hediondos, e teriam
vitimado grande número de mulheres ao longo de
vários anos. Entretanto, a prisão provisória não
pode ser pautada em único elemento, sendo
necessária a verificação e, sobremaneira, a
demonstração de sua imprescindibilidade.
A prisão cautelar é medida excepcional, que se
apoia em fatos concretos, com fundamentos claros e
robustos, jamais em hipóteses ou possibilidades não
demonstradas nos autos.
Neste caso, o acusado esteve solto durante toda a
fase investigatória e, sempre que solicitado,
HC 102.098-MC / SP
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atendeu ao chamamento. Destaco que o paciente é
pessoa de posses e poderia, com certa facilidade,
ter empreendido fuga durante a fase administrativa
se tivesse a intenção de se furtar a eventual
aplicação da Lei Penal, ou mesmo dificultar a
apuração dos delitos que lhe são imputados.
Quanto à hipótese de que, em liberdade, poderia o
paciente reiterar na suposta prática delituosa, por manter sua
atuação na clínica em que ocorridos os fatos objeto da ação penal,
assenta-se o argumento em mera especulação, sem mínima base fática
que, de forma idônea, demonstre efetiva reiteração em momento
posterior ao início da persecução penal, como já exposto.
Nesse ponto, é interessante observar que a precariedade
de tal argumento mostrou-se implicitamente aceita pelo próprio
Ministério Público, o qual, ao requerer o decreto de prisão
preventiva, formulou pedido alternativo ao juízo, pleiteando o
simples afastamento do paciente da atividade médica caso
desacolhido o pleito de encarceramento provisório.
Essa constatação não escapou ao exame do Ministro
Napoleão Nunes Maia Filho no já mencionado julgamento do HC
perante o STJ, assim analisando a matéria:
Destaco que o MP de primeiro grau, no tocante à
constrição do paciente, formulou pedido
alternativo, fundado no poder geral de cautela do
Juiz, consubstanciado no afastamento do denunciado
de suas atividades clínicas, uma vez que as
condutas teriam sido praticadas durante a atuação
médica.
Essa circunstância, a meu sentir, me demonstra que
a convicção ministerial quanto à necessidade da
prisão preventiva do paciente não era, pelo menos
naquela altura, algo que se pudesse dizer sólido e
firme, e tanto é verdade que sugeriu a alternância
acima apontada.
HC 102.098-MC / SP
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De qualquer forma, o exame dos autos deixa claro que, em
18 de agosto de 2009, o Conselho Regional de Medicina suspendeu o
registro profissional do paciente (fl. 2.280, Apenso nº 10).
Sobre isso, assim manifestou-se o Subprocurador-Geral da
República Jair Brandão de Souza Meira, em parecer inicialmente
apresentado nos autos do mesmo HC contra cujo julgamento volta-se
o presente writ.
Na hipótese dos autos, embora seja inquestionável a
gravidade dos crimes, a possibilidade de que venha
o paciente a praticar novos delitos da mesma
natureza encontra-se afastada, diante da decisão do
Conselho Regional de Medicina, proferida após o
decreto prisional, em 18/08/2009, que o interditou
do exercício profissional (fl. 2330).
Ora, todos os delitos de abuso sexual aqui versados
foram cometidos numa clínica de fertilização, no
exercício da profissão de médico, contra clientes
atendidas, à exceção de uma funcionária que teria
sido assediada, revelando, de fato, a possibilidade
de reiteração da conduta, se continuasse, em
liberdade, a exercer a medicina.
Contudo, a suspensão do exercício profissional,
decretada pelo Conselho Regional de Medicina,
superveniente ao decreto prisional, por si só,
inibe a possibilidade de voltar o paciente a
delinquir, nos moldes como houvera alvitrado o
decisum.
Em igual sentido, o já referido voto prolatado pelo
Desembargador Marco Antônio Marques da Silva, que assim delineou a
questão:
Além disso, a argumentação de que se mantido em
liberdade voltará à prática criminosa não se
sustenta, já que teve seu registro no Conselho
Regional de Medicina suspenso. Por outro lado,
diante da grande propagação dos fatos na mídia, é
pouco provável que outras mulheres submetam-se a
ele, ou silenciem em caso de novas condutas
delitivas
HC 102.098-MC / SP
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Resulta definitivamente afastada, portanto, a
possibilidade de reiteração, temida pelo juízo monocrático, de
supostos abusos sobre clientes do paciente, não mais se
justificando a mantença da custódia provisória.
Em suma:
a) Sem a demonstração de fatos concretos que, cabalmente,
demonstrem a persistência dos alegados abusos sexuais, em momento
posterior à deflagração do procedimento investigatório, a prisão
preventiva revela, na verdade, mero intento de antecipação de
pena, repudiado em nosso ordenamento jurídico;
b) ao decretar a prisão preventiva, em 17 de agosto de
2009, o juízo da origem não indicou elementos concretos e
individualizados, aptos a demonstrar a necessidade da prisão
cautelar do ora paciente;
c) o argumento de que, em liberdade, poderia o paciente
voltar a cometer a mesma espécie de delito em sua atividade
profissional assenta-se em mera especulação, sem mínima base
fática que, de forma idônea, demonstre efetiva reiteração em
momento posterior ao início da persecução penal;
d) a precariedade de tal argumento mostrou-se
implicitamente aceita pelo próprio Ministério Público, o qual, ao
requerer o decreto de prisão preventiva, formulou pedido
alternativo ao juízo, pleiteando o simples afastamento do paciente
da atividade médica caso desacolhido o pleito de encarceramento
provisório;
e) o exame dos autos deixa claro que, em 18 de agosto de
2009, o Conselho Regional de Medicina suspendeu o registro
profissional do paciente, afastando a possibilidade de reiteração
HC 102.098-MC / SP
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temida pelo juízo monocrático, nada mais justificando, assim, a
manutenção da custódia provisória.
Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar,
determinando ao Juízo da 16ª Vara Criminal da Comarca de São
Paulo-SP providências imediatas tendentes à soltura do paciente,
se por outro motivo não estiver preso.
Comunique-se.
Publique-se.
Brasília, 23 de dezembro de 2009
Ministro GILMAR MENDES
Presidente
(RISTF, art. 13, VIII)

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Fonte: Folha de São Paulo

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