Governo alemão abre caminho para registro de terceiro gênero

Projeto de lei prevê que pais de crianças intersexuais possam assinalar a opção ‘diverso’ ao registrar nascimento

Por  Deutsche Welle , da Carta Capital 

Ninguém deveria sofrer discriminação com base em sua identidade sexual’, afirmou a ministra da Justiça (Foto: Colurbox)

O governo alemão aprovou nesta quarta-feira 15 um projeto de lei para introduzir um terceiro gênero no registro de nascimento, levando em consideração pessoas cujo sexo não está definido no momento em que nascem, os chamados intersexuais.

Assim, junto às tradicionais alternativas “masculino” e “feminino”, formulários incluirão a opção “diverso”, que poderá ser assinalada pelos pais da criança da qual não se pode determinar o sexo.

A medida aprovada pelo gabinete federal – formado pela chanceler federal Angela Merkel e seus ministros – ainda precisa ser aprovada pelo Parlamento. O porta-voz do governo, Steffen Seibert, indicou que se espera que o projeto de lei entre em vigor no início de 2019.

Com a aprovação do projeto de lei, o governo de coalizão alemão liderado pela conservadora Merkel cumpre a sentença proferida no ano passado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, que instou o Executivo a introduzir uma terceira opção nos documentos oficiais disponíveis no país. A corte alegou que a lei discriminava pessoas que não se consideram nem homem nem mulher quando as obrigava, permanentemente, a se registrar como um dos dois gêneros.

Intersexual é um termo amplo que inclui pessoas com características biológicas como órgãos genitais e cromossomos que não se encaixam completamente na noção tipicamente binária de masculino e feminino. Por vezes, é aparente no momento do nascimento. Outras vezes, nota-se na puberdade.

O Tribunal Constitucional argumentou em sua sentença do ano passado que, de acordo com o direito constitucional à proteção da personalidade, as pessoas que não são nem homens nem mulheres têm o direito de assinalar sua identidade de gênero de forma “positiva” no registro de nascimento.

O caso chegou à Justiça alemã quando uma pessoa pediu para mudar sua descrição de gênero para “diverso” em seu registro de nascimento, onde constava que era do sexo feminino. O caso fracassou em diversas instâncias até chegar ao Tribunal Constitucional.

A ministra alemã da Justiça, Katarina Barley, do Partido Social-Democrata (SPD) – membro da coalizão de governo e a quem coube a elaboração do projeto de lei – admitiu que a “modernização” do registro civil aconteceu com “atraso”. “Ninguém deveria sofrer discriminação com base em sua identidade sexual”, afirmou.

A opção “diverso” também dará dignidade e uma identidade positiva a pessoas que não se identificam com o sexo masculino ou feminino, disse Barley.

O governo alemão pretende reformar sua legislação para que esta seja mais inclusiva e moderna. Concretamente, novas leis deverão reconhecer a diversidade sexual e as diferentes identidades de gênero – entre elas, a de pessoas transsexuais.

A ministra alemã da Família, a também social-democrata Franziska Giffey, destacou que a atual lei para transsexuais do país precisa ser anulada e substituída por um texto que reconheça e fortaleça a diversidade sexual. Com isso, avaliações médicas obrigatórias para determinar o gênero de uma pessoa também deverão ser proibidas no futuro.

Em 2013, após reforma legal, a Alemanha foi o primeiro país europeu a permitir aos pais deixar em branco a caixa que indica o sexo de um bebê em sua certidão de nascimento, reconhecendo assim, na prática, um “terceiro gênero” – nem masculino, nem feminino. Mas para defensores dos direitos do terceiro gênero essa medida ainda não era suficiente.

Na Áustria, o Tribunal Constitucional decidiu em junho deste ano que as autoridades do país devem autorizar pessoas a se registrarem como algo diferente de “masculino” ou “feminino” se assim desejarem, mas a lei austríaca não foi alterada por a corte achar que o texto atual não é explícito ao especificar que o gênero das pessoas precisa ser ou masculino, ou feminino.

No mês passado, depois de Dinamarca, Irlanda, Malta, Noruega e Suécia, Portugal se tornou o sexto país europeu a permitir o direito à autodeterminação da identidade transgênero.

Estima-se que haja cerca de 80 mil pessoas intersexuais na Alemanha, o equivalente a um pouco menos de 1% da população. Segundo as Nações Unidas, entre 0,05% e 1,7% da população mundial é intersexual.

 

+ sobre o tema

Exploração sexual de crianças e adolescentes só tem 20% dos casos denunciados

Denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes representam...

Terceirização tem ‘cara’: é preta e feminina

O trabalho precário afeta de modo desproporcional a população...

Internet impulsionou surgimento de um novo feminismo

Redes sociais ajudaram a divulgar campanhas que chegaram às...

Arquitetura dos direitos reprodutivos e ameaças ao aborto legal e seguro

Iniciamos esta reflexão homenageando a menina de 10 anos,...

para lembrar

Por que parar na questão de gênero? Vamos trocar a Constituição pela bíblia

Por conta da pressão da Frente Parlamentar Evangélica junto...

Governo sueco ‘responde’ a Trump com uma foto de mulheres do gabinete

Vice-primeira-ministra assina uma proposta ambiental rodeada por sete colaboradoras...

Homens que cuidam

João está deprimido. Fez uma consulta com um psiquiatra...
spot_imgspot_img

O atraso do atraso

A semana apenas começava, quando a boa-nova vinda do outro lado do Atlântico se espalhou. A França, em votação maiúscula no Parlamento (780 votos em...

Homens ganhavam, em 2021, 16,3% a mais que mulheres, diz pesquisa

Os homens eram maioria entre os empregados por empresas e também tinham uma média salarial 16,3% maior que as mulheres em 2021, indica a...

Escolhas desiguais e o papel dos modelos sociais

Modelos femininos em áreas dominadas por homens afetam as escolhas das mulheres? Um estudo realizado em uma universidade americana procurou fornecer suporte empírico para...
-+=