por Leo Vidigal
Rocksteady é o nome normalmente dado ao ritmo que dominou as paradas jamaicanas entre o ska e o surgimento do reggae, mais exatamente entre o fim de 66 e a metade de 68. No entanto pode-se dizer que, na verdade, trata-se do primeiro formato que o reggae como conhecemos hoje tomou, tendo muito mais a ver com o ritmo que tornaria a Jamaica famosa em todo o mundo do que com o o ska. Talvez o nome rocksteady não tenha vingado porque poderia ser confundido com o rock n’ roll, ou porque os jamaicanos gostaram mais do nome reggae, ou as duas coisas. O fato é que a divisão entre rocksteady e reggae acabou prevalescendo entre os pesquisadores do ritmo e os executivos das gravadoras, o que talvez possa ajudar a explicar por que um período tão importante da música jamaicana permanece pouco conhecido por grande parte do público.
É geralmente aceito que teria sido justamente um cantor, Hopeton Lewis, o primeiro a pedir aos músicos para desacelerar o ritmo do ska para que fosse possível encaixar a letra de uma canção. Nesta gravação histórica, que resultaria no sucesso ‘Take it Easy’, o pianista Gladstone Anderson teria comentado que aquele era um balanço mais regular, mais firme (rock steady), batizando o novo ritmo. No final de 66, outras canções apareceram retomando o andamento do rhythm & blues de Fats Domino, tão popular na ilha nos anos 50 e aproveitando a batida persistente em que o ska se baseava, criando um som diferente de tudo o que havia sido ouvido antes e que seria a base para tudo o que se faria depois.
Duke Reid (E) e Fats Domino (D)
A introdução da guitarra e do baixo elétricos em meados dos anos 60 pode ser considerada como um evento fundamental que tornou possível esta mudança no cenário musical jamaicano. Eles permitiram que os músicos criassem linhas de baixo mais ágeis, que serviriam como base para o rocksteady e também para o reggae. Outros atribuem tal reviravolta ao verão excepcionalmente quente de 1966. Por outro lado, Bob Marley chegou a comentar que os instrumentistas ligados ao ska, que tinham como referência musical o jazz e rhythm & blues, teriam ficado insatisfeitos com a parca remuneração recebida e diminuído o ritmo de produção, abrindo o caminho o caminho para novos músicos, mais influenciados pela soul music e pelo rock n’roll. Assim, os metais (saxofone, trombone, trumpete etc), que eram a base do ska, foram para o segundo plano, dando espaço para que os outros instrumentos e a voz dos cantores sobressaíssem. Seja como for, logo o rocksteady caiu nas graças dos novos frequentadores dos dancehalls, um público mais jovem e ansioso por um música que cantasse a vida urbana de uma Jamaica que se modernizava rapidamente.
Talvez por isso os primeiros rocksteady tivessem como tema a vida dos rude boys, a juventude sem emprego, rapazes e moças que muitas vezes haviam acabado de chegar do interior e ficavam a vagar pelas ruas das grandes cidades jamaicanas, `as vezes praticando pequenos roubos, `as vezes se envolvendo em brigas e confusões pelos guetos. Prince Buster e sua canção “Judge Dread” condenava os rudies, enquanto que Bunny Wailer lamentava em “Let Him Go” que sua energia fosse desperdiçada nas prisões. Outros clássicos da época foram “A Message to you Rudy”, canção de Dandy Livingstone que seria mais tarde regravada pelo The Specials (ver Skarcéu) e a mais conhecida das ‘rude boys songs’: “(007) Shanty Town”, de Desmond Dekker, que foi incluída na trilha do filme “The Harder they Come”. Mas logo as canções românticas e as que cantavam a vida cotidiana se impuseram como as mais identificadas com o rocksteady, embora os temas sociais e as mensagens rasta que dominariam o reggae nos anos 70 já começassem a aparecer.
The Wailers
Na época em que o rocksteady começou, Bob Marley estava nos Estados Unidos tentando juntar dinheiro para fundar seu próprio selo de gravação. Logo que ele voltou, no mesmo ano de 1966, juntou-se novamente aos Wailers e gravou alguns rocksteady para Coxsonne Dodd, como “Rocking Steady”, mas foi com “Nice Time” e “Put it on”, de Marley, que o grupo se manteria no topo e se incluiria na galeria dos grandes grupos harmônicos que começaram naquele tempo. Peter Tosh também adicionaria boas canções à fase rocksteady dos Wailers como a primeira versão de “I’m the toughest” (outra ‘rudie song’) e suas primeiras louvações rastafari, como “Rasta shook them up” (sobre a visita do imperador da Etiópia, Haile Selassie I, também em 1966).
A concorrência entre os grupos nunca foi tão grande como naquele tempo. Houve uma explosão produtiva na ilha, já que o rocksteady usava menos instrumentistas, o que facilitava as gravações. Dezenas de grupos apareceram (veja a lista abaixo), e os mais importantes foram os Heptones (cujo líder, Leroy Sibbles, também era baixista e criou muitos dos ritmos clássicos do rocksteady e do reggae), os Melodians (com o clássico ‘Rivers of Babylon’, entre outros) e os Paragons (do vocalista John Holt). Os dois últimos eram ligados a Duke Reid, o produtor que conseguiu tomar por um breve momento a liderança do mercado musical jamaicano do Studio One. Sua gravadora, a Treasure Isle, foi a responsável pela maioria dos sucessos do período. Outros produtores que fariam carreira na indústria musical jamaicana, como Joe Gibbs, Bunny Lee e Lee Perry, também iniciaram suas produções próprias durante aqueles anos loucos e iriam liderar a mudança do som que levaria ao reggae roots.
Algumas das principais características associadas ao reggae começaram com o rocksteady. Musicalmente as bases foram estabelecidas por instrumentistas como Lynn Taitt e Leroy Sibbles, criando os ‘riddims’ (bases instrumentais) que seriam continuamente reutilizados, desde o roots até a atual era digital (o chamado dancehall não está tão longe do roots quanto se costuma pensar, ver Dancehall), iniciando uma prática que iria definir toda a música realizada posteriormente na ilha. Foi nessa época também que foram realizados os primeiros ensaios do dub e foi sobre os clássicos do rocksteady que U Roy começou a gravar o seu canto falado (ver U Roy), que introduziriam a figura essencial do deejay. Os temas que o reggae exploraria em suas letras, como as mensagens de cunho social, as referências à Bíblia, as louvações a Jah (como “The Israelites”, um dos primeiros grandes sucessos internacionais da música jamaicana, que era um típico rocksteady) também se estabeleceram naquele período. Até mesmo as letras que exploram o tema sexual chamadas de ‘slackness’ tiveram sua origem naquela época, em canções como “Fatty Fatty”, dos Heptones ou na série de compactos “Censored”, creditada a um certo Lloydie and The Lowbites, tema que dominaria o dancehall no final dos anos 80 e começo dos 90, repercutindo até hoje.
No Brasil o que se conhece do rocksteady são os clássicos como “54-46”, “The Israelites” ou “(007) Shanty Town”. A já citada trilha sonora do filme “The Harder they Come” tem talvez a melhor seleção da época de transição entre o rocksteady e o reggae roots e é encontrável em alguns sebos. A série “Jamaican Gold” também traz alguns bons exemplos, como os álbuns dos Ethiopians, Hopeton Lewis, The Jamaicans e da banda de Byron Lee, os Dragonairies (ver lista abaixo).
Hoje o rocksteady se mantém vivo, através de artistas identificados com aquele período, como Alton Ellis, Ken Boothe e Eric Donaldson, que não conseguiram se adaptar `as mudanças do ritmo, mas que retomaram suas carreiras recentemente. Produtores como Joe Gibbs estão voltando `a ativa, entre outros motivos, para para suprir o mercado brasileiro, mais exatamente no Maranhão e outros estados que tornaram o reggae um fenômeno de massa com músicas novas de artistas ligados ao rocksteady e ao reggae roots. Como se isso não bastasse, algumas bandas novas, particularmente da chamada third wave do ska (ver Skarcéu), como Hepcat e Dr. Ring-a-Ding and The Seniors All Stars, vêm mantendo viva a chama do rocksteady, para a alegria dos que gostam desse ritmo “caminhante” e vibrante e de todos os que apreciam a boa música.
Fontes para este artigo: Steve Barrow – Rough Guide to Reggae, K. Chang e W. Chen – Reggae Routes, Jammin Reggae Archives (fotos), Dance Crasher (fotos).
Mais sobre o assunto:
A História do Raggae – Parte 1 – Mento e Ska
História do Reggae – Parte 3 – Reggae Roots
Os mais influentes produtores do Rocksteady foram os seguintes:
DUKE REID – Tresure Isle
COXSONNE DODD – Studio One
LESLIE KONG
BUNNY LEE
JOE GIBBS
PRINCE BUSTER
Algumas das melhores vozes do rocksteady foram:
ALTON ELLIS
KEN BOOTHE
SLIM SMITH
PHYLLIS DILLON
HOPETON LEWIS
ERIC DONALDSON
JOHN HOLT (Foto abaixo)
BOB ANDY
MARCIA GRIFFITHS
DELROY WILSON
CARLTON MANNING
ROY SHIRLEY
DESMOND DEKKER
KEITH & TEX
HIGGS & WILSON
Uma multidão de trios e duos vocais tomou de assalto as paradas:
THE MELODIANS
THE PARAGONS
THE HEPTONES
THE TECNIQUES
THE UNIQUES
THE GAYLADS
THE CLARENDONIANS
THE CABLES (foto abaixo)
THE TERMITES (foto de abertura)
THE PIONEERS
THE VICEROYS
THE TENNORS
THE SILVERTONES
THE JAMAICANS
THE CONQUERORS
THE ETHIOPIANS
THE MAYTALS
THE WAILERS
Discografia Selecionada |
ALTON ELLIS – Cry Tough (Heartbeat)
THE CABLES – What Kind of World (Heartbeat)
THE MELODIANS – Swing and Dine (Heartbeat)
REBEL MUSIC – Coletânea (Trojan)HOPETON LEWIS – Grooving Out on Life (Jamaican Gold)BYRON LEE AND THE DRAGONAIRES – People Get Ready Rock Steady (Jamaican Gold)
Veja mais sobre o assunto
A História do Raggae – Parte 1 – Mento e Ska
História do Reggae – Parte 3 – Reggae Roots
Fonte: Massive Reggae Brasil