Hoje na História, 1798, Revolta de Búzios ou Conjuração Baiana

Enviado por / FonteDo Efecade

A Revolução Francesa (1789 a 1799) promoveu uma grande transformação política e social naquele país, estabelecendo a soberania burguesa sobre as ruínas do sistema feudal e do regime monárquico, exercidos em favor da classe dos nobres. Esse movimento revolucionário proporcionou avanços sociais que beneficiaram as camadas populares – como o ensino gratuito, a abolição da escravidão nas colônias francesas, e o sufrágio universal – inspirando e fortalecendo, por causa disso, o sentimento de independência em diversos outros países, especialmente na América Latina. Anteriormente, a promulgação da Constituição norte-americana em 1776, consagrando o nascimento da nova nação, já havia influenciado a ação mal-sucedida dos inconfidentes mineiros (1789) em busca da emancipação política, cujos ideais, apesar de aparentemente sufocados pelos colonizadores portugueses, permaneceram latentes em grande número de patriotas.

No final do século 18, os sonhos de liberdade e igualdade tornavam-se a cada dia mais fortes diante das precárias condições de vida da população, forçada não só ao pagamento dos pesados impostos exigidos pela metrópole, mas também castigada pela escassez de alimentos. Essa situação melindrosa provocou, em 1797, a ocorrência de uma série de motins e ações violentas realizadas por elementos das camadas mais pobres da população baiana, que saqueavam estabelecimentos comerciais portugueses instalados em Salvador. Nessa mesma época, surgiu na capital baiana a “Academia dos Renascidos”, uma associação literária criada pela loja maçônica “Cavaleiros da Luz”, de cujo programa de atividades constavam discussões que incluíam temas como a abolição da escravatura, o fim dos privilégios políticos e sociais, o aumento do soldo dos militares, a liberdade do comércio, protestos contra os altos tributos cobrados pela coroa e outros mais.

Dessas discussões participavam pequenos comerciantes, militares sem patente, artesãos alfaiates, negros libertos, mulatos e outros cidadãos marginalizados pelo sistema e sem qualquer perspectiva de ascensão social. Todos se mostravam profundamente descontentes com as condições de vida a que se sujeitavam, e por isso mesmo defendiam com veemência a proposta de uma nova sociedade igualitária e democrática. Daí ter sido a idéia da conspiração uma conseqüência natural desse posicionamento de insatisfação exacerbada, que por ter sido revestida de caráter popular, e não elitista, caracterizou-se como um dos primeiros movimentos populares da História do Brasil. Entre os líderes dessa maquinação secreta destacaram-se João de Deus Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira, além dos soldados Lucas Dantas do Amorim Torres e Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, todos mulatos, além das escravas alforriadas Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento.

No romper do dia 12 de agosto de 1798, as paredes, muros das casas, igrejas e lugares públicos de Salvador mostravam manifestos anunciando à população a chegada da Liberdade e da Revolução. Diziam eles: “Animai-vos, povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que todos seremos iguais”. Um outro, intitulado “Aviso ao clero e ao povo bahiense”, apresentava o programa da revolução: igualdade de todos perante a lei; independência da Capitania; proclamação da “República Bahiense”; abolição da escravidão; liberdade de comércio; aumento do soldo da tropa; e protestos contra os altos tributos. Os responsáveis por essa distribuição tinham sido Luis Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas, que com a panfletagem procuravam obter maior apoio da população. Os panfletos difundiam pequenos textos e palavras de ordem, com base naquilo que as autoridades coloniais chamavam de “abomináveis princípios franceses”.

Nessa época o governador da Bahia era D. Fernando José de Portugal e Castro (1788-1801), que ordenou a imediata repressão ao movimento, encarregando o coronel Alexandre Teotônio de Souza dessa missão. Este prendeu inicialmente o escrevente Domingos da Silva Lisboa, cuja letra era semelhante à dos panfletos, mas como novos manuscritos apareceram, as suspeitas passaram a se concentrar no soldado Luis Gonzaga das Virgens e Veiga, do qual se sabia que gostava de ler e escrever, que enviava ofícios às autoridades, e que era ativo pregador revolucionário. Ele foi preso, e em sua casa as autoridades encontraram documentos revolucionários e cartas comprometedoras. Preocupados, seus companheiros elaboraram um plano para libertá-lo, mas como foram delatados, também acabaram presos, sendo alguns deles torturados.

Das seiscentas e sessenta e nove (669) pessoas que se dizia estarem envolvidas na conjuração, quarenta e nove (49) foram parar na prisão, a maioria composta por jovens alfaiates, sapateiros, soldados e escravos, mas poucos foram os membros da loja maçônica ou conspiradores de melhor nível social, que sofreram a mesma desdita. Dos aprisionados, trinta e quatro acabaram sendo indiciados e punidos severamente por ordem expressa de D. Maria I, rainha de Portugal: os líderes João de Deus Nascimento, Manuel Faustino dos Santos Lira, Lucas Dantas do Amorim Torres e Luís Gonzaga das Virgens e Veiga, enforcados e esquartejados em 9 de novembro de 1799, e os demais continuando presos ou condenados ao degredo.


Revolta de Búzios ou Conjuração Baiana de 1798: uma chamada para a liberdade

Marli Geralda Teixeira

Foto em destaque: Reprodução/ Midia4p

 

 

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