Racismo no mercado de trabalho – Por: Aida Feitosa

 

Ao afirmar que a presença de pessoas negras na mídia brasileira é muito rara, seja em postos de trabalho na imprensa e na teledramaturgia, seja em cargos de chefia, apesar de serem metade da população, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, coloca em evidência um dos principais problemas do Brasil: o racismo no mercado de trabalho. O que o primeiro presidente negro do STF disse na Conferência Internacional em comemoração ao Dia Mundial pela Liberdade de Imprensa, promovida pela Unesco, na Costa Rica, é facilmente percebido no dia a dia dos profissionais brasileiros, sejam eles negros ou brancos.

Basta um olhar atento para as redações, as assessorias de imprensa ou para as bancadas dos telejornais para comprovar a veracidade de tal declaração. Tomemos o caso do telejornalismo. Quantas apresentadoras negras vemos na televisão, quantos comentaristas negros?

Em pesquisa de 2011 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístia (IBGE) sobre o impacto de características étnico-raciais na vida social, os entrevistados informaram que a cor ou raça influencia, em primeiro lugar, nas relações de trabalho (71%), seguido de Justiça/polícia (68,3%) e convívio social (65%). Outros estudos realizados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), pelo Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) fazem parte da farta literatura que aponta desigualdades de condições da população negra brasileira no ambiente profissional.

A população negra, considerando-se a desigualdade de gênero, apresenta as mais elevadas taxas de desemprego e os menores rendimentos, ainda que tenham o mesmo nível de escolaridade, especialmente à medida que se avança nos estratos superiores. O rendimento médio dos homens negros é 78,6% do total do rendimento dos homens brancos. E a taxa de desemprego das mulheres negras é de 12,6 %, comparada a de 9,3% de mulheres brancas.

Passados 10 anos desde que as primeiras instituições de ensino superior adotaram ações afirmativas raciais para seleção de estudantes, a utilização desse mecanismo para o ingresso no serviço público ou no privado pouco avançou. Segundo dados do Ipea, quatro estados e 33 municípios adotaram sistema de reserva de vagas para negros em concurso público. O Paraná é o estado pioneiro, com lei criada em 2003; seguido do Mato Grosso do Sul, em 2008, e do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, em 2011. Além disso, apenas algumas medidas pontuais ou transitórias por parte do governo federal e da iniciativa privada foram tomadas.

A constitucionalidade das cotas, tanto no ensino superior (Universidade de Brasília) quanto no serviço público (governo do Paraná), foi alvo de questionamento e, em ambos os casos, foi confirmada a perfeita adequação da medida ao ordenamento jurídico brasileiro. Como demonstra a ministra Cármen Lúcia: “Verifica-se, na Constituição de 1988, que os verbos utilizados na expressão normativa — construir, erradicar, reduzir, promover — são verbos de ação, vale dizer, designam um comportamento ativo. (…) Somente a ação afirmativa, vale dizer, a atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o direito, possibilita a verdade do princípio da igualdade que a Constituição Federal assegura como direito fundamental de todos”.

Nos 125 anos da abolição da escravidão, é importante publicizar o Artigo 39 do Estatuto da Igualdade Racial, que determina: “O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas”.

Diante desse cenário, torna-se imprescindível e urgente que o Estado brasileiro estabeleça cotas raciais no funcionalismo público federal, crie incentivos para as empresas contratarem mais pessoas negras e estabeleça medidas para impedir e punir a discriminação racial no trabalho. A construção de uma sociedade democrática e participativa passa, necessariamente, pela ampliação da atuação qualificada da população negra no mundo do trabalho. Reconhecer o quadro de desigualdades e adotar medidas desiguais para promover a igualdade é o primeiro e decisivo passo para a transformação social de que este país tanto precisa.

AIDA FEITOSA

Integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal

Fonte: Clipping

+ sobre o tema

Obama afirma que reanimar a economia é sua tarefa mais urgente

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, considera que...

Tribunais são enviesados contra mulheres e negros e não fazem justiça, diz advogada da OAB

Os Tribunais de Justiça são enviesados e, por isso,...

O tal “panelaço” tem cara, grife, cor e endereço, nobre, diga-se de passagem

O tal "panelaço", importado da Argentina, de que  grande...

O silêncio da mídia diante da denúncia de golpe do fotógrafo brasileiro ganhador do Pulitzer

Dez dias atrás, o fotógrafo Mauricio Lima foi festejado pelos grandes meios...

para lembrar

Escravidão e discriminação

Por Margareth Menezes     Neste momento, em...

Presidente Lula anuncia investimento em catadores de materiais recicláveis

Fonte: G1- Trabalhadores terão carros elétricos para coleta de...

Geração Z: antes mentíamos aos pais para sair, agora mentem aos amigos para ficar em casa

Saídas para bares, festas e encontros mudam de acordo...

Lula para Gaviões: ‘esta é uma das maiores homenagens que recebo em toda minha vida’

Presidente Lula, internado no Hospital Sírio Libanês, grava uma...

Fim da saída temporária apenas favorece facções

Relatado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o Senado Federal aprovou projeto de lei que põe fim à saída temporária de presos em datas comemorativas. O líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA),...

Morre o político Luiz Alberto, sem ver o PT priorizar o combate ao racismo

Morreu na manhã desta quarta (13) o ex-deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), 70. Ele teve um infarto. Passou mal na madrugada e chegou a ser...

Equidade só na rampa

Quando o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, perguntou "quem indica o procurador-geral da República? (...) O povo, através do seu...
-+=