por Luís Augusto Farinatti
Na primeira vez em que estive em Paris, em 2006, fiquei impressionado com a composição multi-étnica da cidade. Esperava magrebinos, imigrantes da África Negra tocada pelo antigo imperialismo francês, asiáticos da Indochina, antilhanos. Porém, o número de todos esses, bem como a presença de chineses e indianos em profusão, e ainda a quantidade de portugueses e gregos me espantou.
Pois agora, retornando mais de seis anos depois, essa característica parece estar potencializada ao extremo. Basta uma volta em qualquer linha do metrô para constatar o fato. Africanos negros com suas longas vestes e barretes à cabeça. Mulheres negras com véus coloridos, carregando os filhos amarrados às costas. Africanos negros pobres, chegados à pouco, pegando o metrô para o trabalho, de manhã cedo. Africanos negros bem sucedidos, estudando nas universidades. Mali, Senegal, Costa do Marfim, Benin, Congo, Camarões. Grupos de negros jovens da “banlieue”, filhos de imigrantes, vestindo moleton com capuz e andando juntos. Grupos de jovens de origem argelina, marroquina, tunisiana, começando as frases em francês e terminando em árabe. Mulheres muçulmanas do Magreb e seus véus discretos. Vietnamitas, cambojanos. Chineses que abrem restaurantes japoneses, chineses em toda parte. A China está ali, como de resto está em muitos lugares pelo mundo. Indianos no metrô. Indianos vendendo miniaturas da Torre Eiffel. Portugueses, gregos, russos, romenos. Em Paris se fala todas as línguas. E se fala francês com todos os sotaques.
Também é perceptível a ampliação dos grupos e casais multi-étnicos. Grupos de adolescentes e de crianças de todas as cores andando e brincando juntos são mais visíveis. Casais de diferentes origens também. Contudo, os ataques racistas sofridos pela Ministra da Justiça e pela recém-eleita Miss França não deixam esquecer que, junto com a diversidade e a integração, crescem círculos de ódio e intolerância. A Ministra Christiane Taubira, nascida na Guiana Francesa, foi comparada a um “símio” por dois políticos do partido de ultra-direita, a “Frente Nacional”. Os autores das ofensas foram sumariamente expulsos do partido. Esse fato traz alguma esperança porque, se o ódio pode prosperar, pelo menos é um bom sinal o fato de que, ao menos por enquanto, alguns limites ainda são colocados. Por sua vez, a Miss França, Flora Coquerel, nascida na Normandia, mestiça filha de pai francês e de mãe do Benin, sofreu diversos insultos nas redes sociais. Por outro lado, muitos foram os que sugeriram que ela deveria mover processos contra os agressores. Ela apenas respondeu, em tom elegante mas bem posicionado, que tem orgulho de representar a França cosmopolita.
Algumas noites atrás, eu estava na linha 6 do metrô. Ao meu lado, um grupo de jovens conversando animadamente. Um negro, um magrebino e dois franco-europeus. Lá no fundo do vagão, separado de onde eu estava por vários assentos, começou uma discussão. Um sujeito branco, cabelo claro, nitidamente bêbado, dedo em riste, gritava com um senhor mais velho, de aparência magrebina. Dizia “Sua cara, o problema é a sua cara”. Não era possível ouvir o que o outro respondia. O bêbado insistia “Como assim você é francês? Com essa cara? Você é francês ou é árabe?” Aí sim se pode ouvir a resposta do outro, que perdeu a paciência “E você quem pensa que é? O presidente?” Quando desci do vagão, o bêbado tinha se agarrado aos ombros do outro, parecendo que queria tirá-lo do trem. Não vi mais porque estava longe e o trem partiu, mas os seguranças do metrô foram chamados, embora tenham chegado tarde.
A diversidade cultural que existe em Paris, como de resto em muitos lugares do mundo, é um gerador de tensões, mas é também um manancial de belas possibilidades. As gerações de franceses filhos de imigrantes chegaram à idade do voto e, tal como em vários outros países europeus, têm um peso importante nas eleições. Tudo temperado pelos efeitos da crise econômica que atinge quase toda a Europa.
Como integrar tudo isso é um dos grandes desafios que os franceses de todas as cores, de todas as origens, têm diante de si de agora em diante. Afinal, o que são os franceses ou qualquer povo deste mundo que não um arranjo histórico de longa data de outros tantos povos: gauleses, romanos, francos, bretões, vikings, gregos, judeus? Uma das questões é agora escolher a forma como vão lidar com o fato de que eles também são árabes, negros e asiáticos.
Fonte: Terra dos Muitos