Instituto de Mulheres Negras pede a prisão de acusado de xingar fotógrafa

O Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune) emitiu, nesta quinta-feira (3), uma nota de repúdio contra os ataques racistas sofridos pela fotógrafa Mirian Rosa, 32 anos. A entidade afirmou que cobrará, das autoridades responsáveis, a prisão do responsável pelas ofensas, além de medidas protetivas para a mulher, para evitar que ela sofra novas agressões.
Mirian Rosa registrou boletim de ocorrência na Polícia Militar por crime de racismo/ Foto: Reprodução – Facebook

Rosa foi ofendida por meio de mensagens de áudio no WhatsApp. O autor das ofensas foi identificado como Rafael André, de Várzea Grande. Nas gravações, o homem utilizou termos criminosos contra a mulher, a chamando de “criola maldita”, “mucama”, “carvão” e a comparou a um saco de lixo.

Por meio de comunicado, o Imune afirmou que permanecerá cobrando a prisão de Rafael André, juntamente com outros movimentos sociais. O instituto pretende que o homem responda pelo crime de racismo – quando o preconceito atinge todos os indivíduos da raça – e não como injúria racial – quando a ofensa ocorre à honra de alguém, por meio de elementos da raça.

“Conclamamos que as autoridades competentes não façam vistas grossas a esta clara manifestação de racismo, insistindo em taxá-la de ‘injúria racial’, pois fomos coletivamente agredidas. Em Mato Grosso, somos maioria entres as mulheres agredidas, e as mais frequentes vítimas dos feminicídios”, relatou trecho da nota.

O Imune pede que o Poder Público ofereça segurança à fotógrafa, por meio de medidas protetivas, “tendo em vista o eminente risco de novas agressões verbais e, quiçá, físicas”. A entidade argumenta que o risco enfrentado pela mulher aumenta em razão de eles viverem no mesmo bairro.

Conforme a entidade, Rosa também deve receber atendimento social e psicológico. Para o homem e sua família, o instituto pede que seja oferecida formação a respeito de temáticas como racismo, violência racial e de gênero.

“Este Senhor violentou não somente uma mulher negra, mas a coletividade destas mulheres que, como Miriam, são trabalhadoras e ganham a vida a duras penas, compondo, hoje no Brasil, a maioria entre as chefes de família”, narrou a entidade.

De acordo com o Imune, as mensagens do suspeito demonstram “a neurose, o ódio racial e de gênero que a ‘democracia racial’ teima em esconder, mas que tem cada vez mais mostrado as caras ultimamente”.

“Seu linguajar soa asqueroso, absurdo, revoltante, inaceitável e triste. Denota a existência de uma parcela da população brasileira que, mesmo sendo negra (com elementos de origem indígena, como se pode observar na foto do agressor) insiste em manter-se cega ao apoiar publicamente o conservadorismo e mesmo o retrocesso”, afirmou o comunicado.

“Fazemos parte da constituição da história e da memória deste país. Nossas raízes ancestrais, nossa riqueza intelectual e nossa capacidade afetiva, nossa força e nossa união garantiram a sobrevivência do povo negro no Brasil. Somos construtoras de história, ainda que muitos não gostem de admitir. Exigimos o mínimo (ou melhor, o máximo) respeito”, acrescentou.

Para a entidade, o caso envolvendo a fotógrafa demonstra a necessidade urgente de a população brasileira receber melhores esclarecimentos sobre sua origem, por meio da história do Brasil, sobre a política nacional e sobre a importância do povo negro para a história, “não querendo com isso dizer, que a falta de informação justifica a violência”.

“Falta informação e educação, falta debate sobre esta democracia racial em que convivem, simultaneamente, a discriminação racial e o elogio à raça. Triste contradição, que demanda urgente discussão, aqui em Cuiabá, onde compomos mais de 180 mil habitantes, sem a devida representatividade”, pontuou.

O crime
As mensagens ofensivas foram postadas por amigos da fotógrafa na terça-feira, no Facebook. O post tem uma montagem com foto de um homem, supostamente autor do áudio, e de Mirian. Além do preconceito de raça, o agressor também liga a situação de pobreza à escravidão. Na legenda do post do áudio em seu perfil, a fotógrafa diz que não conhece o autor das ofensas e que recebeu a mensagem de uma amiga. O boletim de ocorrência foi registrado na tarde de quarta-feira (2).

“Mirian, eu quero saber se você tem dono ou não. Porque é o seguinte, eu fui no mercado escravo no Porto e não achei nenhuma escrava com o seu valor. Qual é o seu valor? Eu quero comprar uma escrava, uma mucama para ser cozinheira, faxineira. Eu gosto de ver a criolada trabalhando pra mim. A única coisa que criolo sente na vida é ele no tronco e o chicote nas costas. Você pode tacar fogo, dar tiro, pode fazer o que quiser que ele não sente nada disso”.

O autor do áudio também faz referência à situação socioeconômica da fotógrafa e diz que a vítima faz não pertenceria a um provável “mundo” do agressor, pois “preto não é gente”. “Eu quero saber em que mundo você vive e desde quando preto é gente. Eu vou falar pra você quem é você na fila do açougue. E vou dizer pra você: pobre não tem lugar, por isso você nem entra na fila do açougue”.

A mensagem provocou revolta de pessoas no Facebook. Em apenas um post, o arquivo tinha mais de 300 compartilhamentos, com reação de 300 usuários da rede social. No perfil da fotógrafa, o post foi visto mais de 16 mil vezes.

+ sobre o tema

Começa hoje pagamento de R$ 200 da primeira parcela do Pé-de-Meia

A primeira parcela do programa Pé-de-Meia, no valor de...

Um país doente de realidade

O Brasil é um país "doente de realidade". A...

para lembrar

Escola em SP registra segundo caso de preconceito em poucos dias: ‘Retardado’

Menino de 11 anos, portador de deficiência intelectual leve,...

Teorias extremistas para ganhar votos na Europa

Algumas ideias de 'monstro' que matou 77 na Noruega...

Justiça condena escola que impediu garoto de dreads de assistir aulas

Chikayzea Flanders, de 12 anos, foi proíbido de assistir...

ONGs denunciam “sabotagem” a reunião contra o racismo

por Thalif Deen, da IPS   Nova York, Estados Unidos, 16/8/2011...
spot_imgspot_img

Quanto custa a dignidade humana de vítimas em casos de racismo?

Quanto custa a dignidade de uma pessoa? E se essa pessoa for uma mulher jovem? E se for uma mulher idosa com 85 anos...

Unicamp abre grupo de trabalho para criar serviço de acolher e tratar sobre denúncias de racismo

A Unicamp abriu um grupo de trabalho que será responsável por criar um serviço para acolher e fazer tratativas institucionais sobre denúncias de racismo. A equipe...

Peraí, meu rei! Antirracismo também tem limite.

Vídeos de um comediante branco que fortalecem o desvalor humano e o achincalhamento da dignidade de pessoas historicamente discriminadas, violentadas e mortas, foram suspensos...
-+=