Integrantes de redes e organizações participam de formação com foco na saúde das mulheres negras, políticas públicas e orçamento

Quem somos nós enquanto sujeitos políticos? De quais modos podemos qualificar ainda mais as nossas ações para a promoção e efetivação dos direitos das mulheres, em especial o direito humano à saúde, os direitos reprodutivos? Essas foram algumas das perguntas que os/as participantes da formação “Interseccionalidades de raça, gênero e geração nas políticas e no Orçamento Público, com foco na saúde das mulheres negras”, responderam durante os seis dias de atividade, quando puderam compartilharam suas experiências.

De 26 a 31 de março, os/as ativistas puderam ser subsidiados/as com informações estratégicas sobre as etapas de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas para melhor uso do Plano Plurianual (PPA) como instrumento de controle social e defesa do direito à saúde das mulheres e de seus direitos reprodutivos. Lúcia Xavier (Criola) e Fernanda Lopes (UNFPA) foram as responsáveis pela sessão onde se fez um resgate do contexto histórico das grandes conquistas por direitos – conferências mundiais, Constituição brasileira, criação do Sistema Único de Saúde, instituição da Política Nacional de Saúde Integral das Mulheres, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – compromissos assumidos pelo mundo com o desenvolvimento sustentável, a redução da pobreza e da miséria -, instituição da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, entre outras, que compuseram uma linha do tempo construída com o apoio dos/as ativistas participantes.

SUS, orçamento público e saúde da mulher negra

Para Jurema Werneck, conselheira nacional de Saúde, que falou sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) como política de Estado, a política pública é a forma do Brasil “se comportar, como Estado, como Nação, como população”, mas para entender e inflluenciar as políticas públicas é preciso entender de que modo funciona o Brasil do ponto de vista socioeconômico. “Pagamos mais de R$ 600 bilhões por ano em juros, amortizações e refinanciamento da dívida interna do Brasil. Enquanto estamos dando dinheiro para os bancos, sobra pouco para todo o resto. De todo o dinheiro que circulou em 2010 no Brasil, quase 45% foi destinado só pra isso. Enquanto para a saúde foi menos de 4%. E educação? Considerado ‘grande problema’ do país (recebeu)… Menos de 3% de investimento (…) A gente quer que esse “agente” que é a população brasileira, que esse território, essa nação, funcione de um jeito correto… Na educação, saúde, até na TV ou no rádio. E, para garantir que o funcionamento seja correto, para tudo tem uma política pública. Criada com a cara do que o nosso país é. E o que é esse país?”, questionou a médica.

Werneck destacou que existem diferentes sujeitos/as e grupos que lutaram e lutam pelo direito à saúde e ainda assim continuam com seus direitos violados. Na mesma linha, Maria Inês Barbosa ressaltou que “é preciso ter nítido onde quero chegar e quais serão as estratégias que eu vou adotar para alcançar o meu propósito. As ações afirmativas, por exemplo, são estratégias. Hoje, o debate sobre as desigualdades raciais está na sala, à mesa do jantar (…) mas ainda assim, quando escalamos um morro, descobrimos que existem outros morros a serem escalados”.

A atividade possibilitou que os/as integrantes das Redes e Organizações tivessem, além do reforço teórico/conceitual, oportunidades de diálogo com o governo: participaram como palestrantes Angela Nascimento e Monica Oliveira, secretária e diretora da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas da SEPPIR; Beth Saar, pela Secretaria de Políticas para Mulheres – SPM; e Esther Vilela, coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde (MS). Elas participaram de uma mesa de debates mediada pela médica e professora Wilza Vilella, da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. A epidemiologista Raquel Lima, da Coordenação de Vigilância de Óbitos da Secretaria de Vigilância em Saúde do MS, também esteve na formação e apresentou dados desagregados por raça/cor sobre saúde e mortalidade das mulheres em idade fértil no Brasil. De acordo com a expositora, cerca de 65 mil mulheres com idade entre 10 e 49 anos morrem por ano no Brasil, sendo que as mulheres negras têm três vezes mais chances de irem a óbito por causas relacionadas à gravidez, parto e pós-parto. A epidemiologista destacou ainda que, entre os anos 2000 e 2010, o número de óbitos notificados entre mulheres jovens brancas teve redução, enquanto que, entre as negras, houve um aumento expressivo.

foto-mesa

Alaerte Martins, enfermeira, doutora em saúde pública na área de materno e infantil e membro fundadora da Rede de Mulheres Negras do Paraná, enfatizou que a morte materna é uma violação dos Direitos Humanos. “Não queremos que nenhuma mulher morra. Por isso a nossa luta, mesmo que não consigamos diminuir todos os óbitos. As mulheres têm de ter efetivado o direito à assistência digna e de qualidade. (…) Temos muitas coisas escritas, várias normas, várias pesquisas. Precisamos saber, na prática, como vamos fazer para mudar o quadro”.

No quarto dia de formação, os/as participantes construíram uma “árvore de problemas” para auxiliar na identificação das causas imediatas, subjacentes e estruturais da Mortalidade Materna. “Saber mais sobre esta cadeia de causas que leva a um problema possibilita o desenho e a implementação de iniciativas orientadas para o alcance de resultados sustentáveis, com mais eficiência, eficácia e efetividade”, explicou Luís Fujiwara, que apresentou os princípios fundamentais da gestão por resultados orientada por princípios de Direitos Humanos também como instrumentos para aprimorar o exercício do controle social das políticas públicas.

Além de ter acesso a informações sobre a lógica da gestão por resultados e suas implicações em todas as fases do trabalho programático (formulação, planejamento, implementação, monitoramento e avaliação) os/as presentes tiveram ainda informações qualificadas sobre orçamento público, Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e seus mecanismos para promoção da igualdade. De acordo com Sarah Reis, assistente do UNFPA para o Programa Interagencial de Promoção da igualdade de Gênero, Raça e Etnia, o objetivo das sessões sobre este tema era “ampliar o acesso às informações sobre o histórico de Planejamento Governamental no Brasil, incluindo as reformas de Estado e o modelo atual (com foco no PPA Federal 2012-2015), promovendo a compreensão das conexões entre a lógica de gestão por resultados, o planejamento e o processo orçamentário do setor público”.

Seguindo esta mesma linha, Alexandre Ciconello, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), compartilhou seus conhecimento sobre Direitos Econômicos, Sociais Culturais e Ambientais e sobre o papel do orçamento público como porta de entrada para o debate sobre a correlação de forças/poder dentro da sociedade; como os recursos públicos são arrecadados e distribuídos e como isto impacta negativamente no acesso aos direitos e no alcance da igualdade de fato; sobre os desafios da construção de políticas públicas sustentáveis e de uma legislação que promova os Direitos Humanos e reduza as desigualdades. Também foi expositora a bacharel em direito e em ciências sociais Lidiane Gonçalves, que, ao ampliar o acesso às informações sobre direitos humanos, focou na construção socio-histórica dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos e na incorporação destes no marco legal nacional.

 

acesso

O evento contou ainda com diversas dinâmicas de integração, como o jornal “Bom Dia Ativistas”, em que participantes voluntárias/os faziam pequenas apresentações, em que contavam notícias do mundo a cerca das temáticas abordadas na formação e acontecimentos “dos bastidores”. Momentos como esse, em que a comunicação esteve em maior destaque, serviram como um das bases para a sessão intitulada “Comunicação para o exercício do controle social das políticas públicas de saúde das mulheres, com foco na saúde sexual e reprodutiva das mulheres negras” facilitadas pelas jornalistas Juliana Nunes e Kelly Quirino. As palestrantes falaram sobre a baixa concentração de matérias jornalísticas da grande mídia, com foco na saúde da população negra, e sobre os marcos regulatórios nacionais e internacionais sobre direito à comunicação, combate ao racismo e promoção da diversidade. A jornalista e consultora do UNFPA, Midiã Noelle Santana, também participou da sessão destacando caminhos para estabelecer uma comunicação mais eficaz, como meio de garantir que os/as participantes mais uma vez se situassem como sujeitos políticos e pudessem tornar ainda mais explícito como se vêem, como acreditam que o mundo os vê e qual a imagem que gostariam de transmitir. Esse exercício reflexivo, baseado nos princípios da comunicação para mudança de atitudes e para a promoção do desenvolvimento, foi considerado essencial para ampliar o escopo e a efetividade das ações de advocacy.

Participaram da atividade de formação membros das seguintes organizações e redes: Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra, RNAJVHA – Rede de Jovens Vivendo com HIV/Aids, Articulação Negras Jovens Feministas, CEAFRO – Educação para Igualdade Racial e de Gênero da Universidade Federal da Bahia, Odara – Instituto da Mulher Negra, Associação Cultural de Mulheres Negras – ACMUN, Rede Lai Lai Apejo: População Negra e Aids, Núcleo de Jovens de Criola em Magé, Fórum Nacional de Juventude Negra, Fórum de Ações Afirmativas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rede de Comunidade Saudável, Movimento Nacional das Cidadas Posithivas, Rede Mulheres Negras do Paraná, Núcleo de Jovens de Criola-Magé, Rede Nacional Afro-Atitudes, Sapatá – Rede Nacional de Promoção e Controle Social das Lésbicas Negras, Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde.

 

 

Fonte: Unfpa

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