Feminino. Masculino. Diverso. Além da virada do ano, a sociedade alemã teve dessa vez mais um motivo para celebrar: a partir do dia 1 de janeiro de 2019, é possível registrar-se com um “terceiro gênero” na certidão de nascimento e documento de identidade na Alemanha. Essa legislação pioneira na Europa tem como intenção a inclusão, proteção e respeito para com as pessoas que não possuem características biológicas e sexuais que se encaixam totalmente no conceito tradicionalmente conhecido como “feminino” ou “masculino” – ou seja, os intersexuais. Agora, além dessas duas alternativas costumeiras, é possível preencher formulários com a opção “diverso”.
Por Nathalia Vitola, no Brasileiras Pelo Mundo</a
Feminino. Masculino. Diverso. Além da virada do ano, a sociedade alemã teve dessa vez mais um motivo para celebrar: a partir do dia 1 de janeiro de 2019, é possível registrar-se com um “terceiro gênero” na certidão de nascimento e documento de identidade na Alemanha. Essa legislação pioneira na Europa tem como intenção a inclusão, proteção e respeito para com as pessoas que não possuem características biológicas e sexuais que se encaixam totalmente no conceito tradicionalmente conhecido como “feminino” ou “masculino” – ou seja, os intersexuais. Agora, além dessas duas alternativas costumeiras, é possível preencher formulários com a opção “diverso”.
O Tribunal Constitucional Federal Alemão, mais alta instância jurídica do país, decidiu aprovar essa mudança no fim de 2017. No entanto, desde o ano de 2013 já era possível optar por deixar em branco o espaço referente ao gênero em documentos locais – medida que ainda não era considerada suficiente pela comunidade defensora dos direitos dos intersexuais. De fato, o termo “intersexual” é um tanto complexo, pois é uma condição que pode ser identificada tanto no momento do nascimento, através da formação do órgão sexual, quanto posteriormente, como durante a puberdade.
Para uma introdução ao assunto, é bom lembrar alguns conceitos básicos: Gênero é uma construção social que atribui a alguém normas culturais masculinas ou femininas de acordo com seu sexo biológico. Por sua vez, o sexo biológico refere-se ao órgão sexual de uma pessoa. Por último, a orientação sexual indica por qual gênero alguém sente atração. Essas coisas são independentes umas das outras.
Como tudo começou
A campanha pela mudança da lei começou em 2016, quando um grupo em nome dos intersexuais na Alemanha apresentou pela primeira vez uma reclamação constitucional para a introdução de uma categoria de gênero legal além de “masculino” e “feminino”. Há cerca de 80 a 120 mil pessoas com essa condição no país. A organizadora do grupo, chamada Vanja, conhece o problema em primeira mão, pois foi registrada como mulher no seu nascimento em 1989. Entretanto, de acordo com uma análise cromossômica apresentada, ela possui um único cromossomo X. Consequentemente, não é biologicamente de sexo masculino nem feminino e por esse motivo queria modificar seus documentos.
A partir desse momento, foi discutido com cada vez mais frequência uma questão que já era abordada nas últimas décadas: como registrar os bebês que não conseguem ser claramente identificados pelos médicos como meninos ou meninas no momento do nascimento? São cerca de 150 casos por ano na Alemanha. Enquanto a situação era tratada como um “distúrbio de formação”, as consequências eram as quase 2 mil operações anuais em todo o país, além dos tantos problemas físicos e psicológicos acarretados na vida dessas pessoas. Afinal, não eram aceitas a partir do momento que chegaram ao mundo.
Apesar do fracasso inicial da campanha, o grupo não se deixou abater. A reclamação constitucional era justificada com a violação do direito geral à privacidade e à discriminação de gênero – uma vez que deixar simplesmente em branco a lacuna de sexo nos documentos era como não perceber ou não enxergar a situação dessa minoria. Por fim, o Tribunal considerou que o direito geral de proteção à personalidade, previsto na Constituição alemã, também inclui de fato a proteção à identidade de gênero. Por isso, faltando apenas um voto para a unanimidade, os juízes decidiram em 2017 estabelecer uma nova legislação para permitir “designações positivas de gênero” como a opção “diverso”. Uma linguagem que inclua o terceiro gênero também já está sendo discutida.
Polêmica
Os grupos favoráveis e que lutaram pela inclusão legal do terceiro gênero contam com o Instituto Alemão de Direitos Humanos, a Sociedade Alemã de Pesquisa Sexual e a Sociedade Alemã de Psicologia. Porém, mesmo a nova legislação ainda é considerada insuficiente para alguns. O termo “diverso” é também interpretado de maneira não-representativa, como uma solução simplista que inclui de maneira desprimorada qualquer um que não se encaixe nos padrões tradicionais de gênero. Além disso, não apenas questões biológicas como os cromossomos deveriam ser tomadas em conta, mas também o fator psicológico.
Por outro lado, é claro que existem também opiniões diferentes e polêmicas em relação ao assunto. Por exemplo, alguns políticos conservadores e o Comitê Central dos Católicos Alemães consideram a medida exagerada. Entretanto, não há um movimento grande que se posicione e lute contra esse desenvolvimento. A Alemanha é um país com estilo de vida e políticas progressistas, onde mulheres contam com o direito de abortar legalmente desde os anos 70 e a Igreja Evangélica não apenas apoia, como também participa ativamente da Parada do Orgulho Gay. Com certeza muitas melhorias ainda deveriam vir, mas de maneira geral é confortante saber que o respeito a todos, inclusive às minorias, não é deixado para o segundo plano.
Os intersexuais representam pouco menos de 1% da população alemã. A nível mundial, de acordo com as Nações Unidas, esse número pode chegar a 1,7%. Outros países que já contam com a possibilidade de registro com um terceiro gênero são Austrália, Índia, Nepal e Nova Zelândia.