Ironides Rodrigues: A volta por cima de um quase esquecido

por Carlos Guimarães Coelho

Preto, pobre e filho de mãe solteira. Assim foi Ironides Rodrigues, nascido em Uberlândia na década de 1920, em um tempo quando não era fácil estar nestas condições em uma cidade conhecida pela segregação racial. No mês da consciência negra, em meio às atividades que celebram anos de luta pela igualdade racial, nem todos que fizeram parte dessa história têm nela a imagem perpetuada. Vale a pena lembrar essa figura quase esquecida de nossa história que deu expressiva contribuição à cultura brasileira.

Ironides Rodrigues, além do mérito pessoal de dar uma guinada na vida em um contexto totalmente desfavorável, foi, ao lado do criador do Dia da Consciência Negra em 20 de novembro, o político carioca Abdias Nascimento, um dos fundadores e importante colaborador do Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro. A história de Ironides Rodrigues é uma das várias relatadas na obra de minha autoria, “Nau à deriva, a história do teatro em Uberlândia (1908-2011)”, já no prelo.

Aos 24 anos, acreditando na possibilidade de um mundo melhor, para si e para os outros, ele mudou para o Rio de Janeiro, com o intuito de estudar em um dos melhores colégios do Brasil na época, o Pedro II. Não só conseguiu, como se tornou um dos seus principais professores. Ele também se graduou em Direito e escreveu várias peças teatrais, além de ser escritor, crítico e ativista do movimento negro.

Ao TEN, no Rio de Janeiro, de onde saíram famosos ícones das artes cênicas brasileiras, como a atriz Ruth de Souza, entre outros, é atribuído o título de primeiro grupo de teatro negro do país. Antes disso, porém, ainda em Uberlândia, Ironides Rodrigues, com o irmão de Grande Otelo, Chico Pinto, fundou o jornal “A Raça” e também por aqui manteve um grupo de teatro negro, o que leva a crer que esse título talvez seja de Uberlândia e não do Rio.

Para se manter no Rio de Janeiro ele foi morar em uma pensão, trabalhando com serviços domésticos. A dona do local, ao percebê-lo ajudando a filha nas tarefas de francês, enxergou sua erudição e soube de sua intenção de ingressar na Faculdade Nacional de Direito. Retirou-o do trabalho pesado de limpeza na pensão e o contratou como professor particular da filha e dos demais estudantes que se hospedavam ali. Quando concluiu seu curso de direito, dedicou o diploma “aos negros, operários, gays marginalizados, às prostitutas perseguidas e ao índio brasileiro”. Ironides Rodrigues teve uma grande jornada artística e política, até falecer, em 1987. Deixou em testamento o desejo de que o apartamento em que residia no Bairro de Bento Ribeiro fosse transformado em um centro de estudos, com os quatro mil livros servindo de “consulta aos pesquisadores ou para os alunos pobres, que não podem comprar os compêndios indicados pelo professor”. Uma história ímpar, de alguém que trabalhou pela arte e pelos excluídos.

Fonte: Correio de Uberlandia

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