ITAMAR SILVA: O PROJETO DAS UPPS ESTÁ NO CTI

 

 

Itamar Silva, liderança histórica do Santa Marta e diretor do IBASE, analisa as UPPs seis anos após a sua primeira reflexão sobre o projeto, quando estava sendo instalada a primeira Unidade de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro. Em entrevista ao canal Ibase ele afirma: “O projeto das UPPs está no CTI. Digo infelizmente, pois não faço coro com aqueles que desejam acabar com as UPPs”.

 

Na última quinta-feira, 26, o Canal Ibase publicou entrevista comItamar Silva, liderança do Santa Marta e diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). O surgimento das UPPs, seu objetivo inicial, o atual momento que vive – após seguidos ataques – e pedidos de ajuda ao Governo Federal são alguns dos pontos discutidos por Itamar.

Para o diretor do Ibase, as UPPs nascem como um projeto similar ao de atuação comunitária, voltado para ações estratégicas em pequenas favelas. Porém, devido ao seu sucesso, a população de outras regiões pressionou o Governo para te-lo nas suas localidades: “O projeto foi pensado para pequenas favelas. Ele começou nas comunidades menores, no entorno do cinturão olímpico. Só que a ‘grita’ de moradores de zonas onde há favelas no Rio foi grande. A Tijuca gritou fortemente por UPPs nas favelas da região. São Conrado também exigiu uma unidade na Rocinha. A UPP se tornou, assim, um desejo de consumo do carioca”, comenta.

A conjuntura nas favelas após as pacificações também é analisada por Silva, que afirma ser uma realidade o convívio do tráfico e da polícia nessas áreas: “Fica claro que a UPP e o tráfico convivem hoje no mesmo território. O próprio secretário de segurança já falou que as UPPs iriam retirar os armamentos e não acabar com o tráfico. O armamento visível se consegue retirar, mas isso não significa que o Estado conseguiu algum controle sobre o território. O tráfico não saiu, continua presente”.

Ao encerrar, Itamar aponta que as UPPs vivem o seu pior momento desde a primeira unidade instalada, em 2008, no Santa Marta. Na época, o diretor do Ibase apontava falhas no projeto e previa um futuro duro, já que, segundo ele, os problemas prioritários e fundamentais das favelas não são tratados. Passados seis anos dessa análise, ao ser questionado se o projeto se perdeu, ele afirma: “Infelizmente está no CTI. Digo infelizmente, pois não faço coro com aqueles que desejam acabar com as UPPs”.

Confira abaixo a entrevista completa com Itamar Silva.

Por Martha Neiva Moreira para o Canal Ibase

“O projeto das UPPs está na UTI”

No próximo dia 4, o Complexo da Maré será ocupado com o maior efetivo policial desde o início da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, em 2008. Serão 4 mil homens, perfazendo a assustadora proporção de um militar para 55 habitantes. Para se ter uma ideia do que isso representa, em todo o Estado a proporção é de um policial para cada 369 habitantes. O que deixa claro que a opção é pelo uso da força bruta e não pelo enfrentamento, na raiz, das questões que realmente afetam os moradores de favelas cariocas.

Há seis anos, quando a primeira UPP foi implantada na favela Santa Marta, em Botafogo, Itamar Silva, liderança histórica local e atual diretor do Ibase, já fazia um reflexão neste sentido. Na época, um grupo de 120 policiais chegou a UPP da favela, que contava com cerca de 6 mil habitantes. Caso fosse necessário expandir o efetivo para uma favela com 60 mil habitantes, por exemplo, o projeto seria sustentável? – perguntava-se Itamar. Hoje ele tem certeza de que não.

O projeto da UPP foi criado para favelas pequenas, com uma inspiração nas ações de policiamento comunitário. Mas, em função de ter sido incensado pela mídia e abraçado imediatamente pela sociedade, acabou tornando-se uma bandeira política do governo Cabral e adotado, também, para favelas grandes como Complexo da Maré, Manguinhos, Alemão e Rocinha. Uma irresponsabilidade, como deixa claro Itamar, que é também jornalista, nesta entrevista para o Canal Ibase.

Canal Ibase – O projeto das UPPs foi vendido como uma inovação em termos de segurança pública….

Itamar Silva – O projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foi pensado para pequenas favelas. Ele começou nas nas comunidades menores, no entorno do cinturão olímpico. Só que a ‘grita’ de moradores de zonas onde há favelas no Rio foi grande. A Tijuca gritou fortemente por UPPs nas favelas da região. São Conrado também exigiu uma unidade na Rocinha. A UPP se tornou, assim, um desejo de consumo do carioca. Ele viria resolver todos os problemas da violência. E o Estado bancou isso. Mas foi uma irresponsabilidade, pois eles fragilizaram uma proposta que tinha um potencial de se transformar num modelo de polícia com respeito aos direitos humanos. Por outro lado, desde o início o projeto das UPPs não tinha uma definição clara. A estrutura inicial era de policiamento comunitário, experiência que o Rio de Janeiro já havia tido no Pavão-Pavãozinho e Cantagalo. Na medida que foi sendo implantado foi se construindo e, rapidamente, foi abraçado pela mídia e pela sociedade. Isso tem uma explicação também. O Rio tem um déficit histórico de iniciativas positivas em segurança pública. Nossas referências sempre foram muito doídas. Exemplos como ‘gratificação faroeste’ e ‘licença para matar’ não faltam. A única experiência positiva foi o policiamento comunitário, que reuniu um efetivo pequeno na polícia, não teve apoio do executivo, e teve muito problema de corrupção. Mesmo assim, inspirou o projeto da UPP. Além disso, de dez anos pra cá o tema da segurança pública tem sido bem estudado na academia. Há, inclusive, comandantes da polícia nas universidades dando aula e frequentando os bancos escolares. Há, então, todo um interesse no tema e uma produção de conhecimento também. O projeto das UPPs nasce neste contexto, em meio a várias iniciativas que buscam um caminho para uma política de segurança pública, com respeito aos direitos humanos.

Canal Ibase – Mas não foi isso que aconteceu na prática, certo?

Itamar Silva – Este experimento (a UPP) se tornou uma bandeira política muito rapidamente. O que foi, na verdade, um grande prejuízo. Se a sociedade tivesse duvidado mais do projeto, se houvesse um período de críticas, não estaria em uma patamar tão intocável quanto está agora. Não houve tempo e nem disposição para críticas, o que resultaria em ajustes necessários. A UPP foi lançada em dezembro de 2008 no Santa Marta. Em janeiro já era o projeto mais importante do governo do Estado. Não houve tempo para maturação. O próprio Estado embarcou nesta canoa, incensado pela mídia a uma experiência exitosa. Começou a aparecer para o país e para o mundo como uma alternativa de enfrentamento a violência e ao tráfico nas favelas do Rio.

Canal Ibase – E por que não deu certo?

Itamar Silva – Ainda não posso dizer que não deu certo, mas tenho sérias críticas.

Canal Ibase – Quais são?

Itamar Silva – Como o projeto da UPP estava previsto, exigiria um efetivo policial muito grande. No Santa Marta, o primeiro grupo era de 120 policiais. Lá havia cerca de 6 mil moradores na época. O que ficou claro é que esta dimensão da policia anunciada ali não suportaria a expansão do projeto. Para uma favela de 60 mil habitantes, por exemplo, seria necessário multiplicar por dez este efetivo. E isso não ocorreu. Uma outra questão é que os policiais que foram para o Santa Marta eram novos e, portanto, não viciados na corrupção. Só que o Estado também não conseguiu sustentar isso durante muito tempo, pois não formou uma quantidade de novos policiais suficientes. Em decorrência disso, surgiu uma outro problema: se construiu uma imagem, na mídia, de bons policiais (os novos) e maus policiais (os antigos). O que resultou em uma disputa interna dentro da corporação. De um lado os novos e conhecidos como bons policiais, e de outro lado os antigos e chamados de corruptos. Só que os antigos policiais estão em toda a cidade. São eles que têm controle sobre a rede do tráfico, conhecem a dinâmica que alimenta a corrupção. Para eles, ser policial é ter uma arma na mão e partir para o enfrentamento. O que estava colocado para a UPP era bem diferente disso. Li em algumas reportagens falas desses policiais dizendo que policial de UPP não era policial. E esta visão foi alimentada pelo próprio Estado, na medida que o policial de UPP era meio mediador de conflito, agente comunitário que ocupou espaço da associação de moradores. Ou seja, na prática, os policiais da UPP cumprem um papel meio dúbio e, mesmo com o projeto da UPP Social, que nasceu no âmbito do Estado e depois passou para a prefeitura, não se conseguiu ainda construir uma política de segurança diferenciada nos territórios de favela.

Canal Ibase – E qual é hoje a situação real nas favelas ocupadas?

Itamar Silva – Fica claro que a UPP e o tráfico convivem hoje no mesmo território. O próprio secretário de segurança já falou que as UPPs iriam retirar os armamentos e não acabar com o tráfico. O armamento visível se consegue retirar, mas isso não significa que o Estado conseguiu algum controle sobre o território. O tráfico não saiu, continua presente. A dinâmica agora é outra, mais intensa. No Santa Marta, até pelo tamanho, há algum controle. Há pactos que funcionam. Rocinha, Alemão e Manguinhos são maiores. Há outros interesses, outra geografia, outras disputas. Os últimos acontecimentos em Manguinhos deixam claro isso. Houve uma ocupação de um prédio (por uma dinâmica própria dos moradores locais, que demandam moradia) e os policiais da UPP lidam com eles (os moradores) como se estivessem lidando com bandidos. Aí vem o tráfico, se mistura, e vira um caldeirão. Onde podemos concluir que os policiais da UPP começaram a atuar nos territórios sem entender as dinâmicas locais, as demandas. Não há clareza, portanto, qual o papel que devem cumprir, para respeitar as lutas que estão sendo travadas nesses locais, e como devem agir. Isso é grave e demonstra que não houve uma construção de diálogo com as organizações locais, com as lutas locais. Os policiais entendem que tudo é dinâmica do tráfico. E o tráfico está respondendo, nesses locais, peitando a policia.

Canal Ibase – O projeto da UPP se perdeu, então?

Itamar Silva – Infelizmento está no CTI. Digo infelizmente, pois não faço coro com aqueles que desejam acabar com as UPPs. Tenho sim um medo do que pode se tornar a vida nessas favelas. Pode ficar muito pior que antes. A polícia está presente, sem autoridade, o tráfico está fortalecido. Este é o pior cenário. A quebra das UPPs, neste contexto, pode significar um tipo de controle do território que nunca vimos. Uma mistura que não sabemos nomear ainda. Algo como uma milícia em campo minado que pode gerar um tipo de comportamento no território que não reconhece a polícia, corrompe alguns e faz ponte com o tráfico. É preciso repensar a entrada do Estado na favela.

 

 

 

Fonte: Brasil 247

 

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