por : Kiko Nogueira
A jornalista Megyn Kelly, âncora da Fox, se sentiu ultrajada com um bom artigo no site da Slate. A autora, Aisha Harris, negra, contava como a representação de Papai Noel com um velhinho branco a confundiu na juventude. Megyn não gostou.
“Eu ri e pensei: ‘Oh, isso é ridículo. Mais uma pessoa dizendo que é racista ter um Papai Noel branco’. E, por falar nisso, para todas vocês, crianças, nos vendo em casa, Papai Noel é simplesmente branco. Papai Noel é o que é.”
Ela estendeu suas considerações a Jesus Cristo. “Jesus era branco, também. Ele era uma figura histórica, isso é um fato verificável — como Papai Noel. Só porque algo faz você se sentir desconfortável, não significa que deva mudar. Como você revisa a história e muda Noel de branco para negro?”.
Bem, noves fora o detalhe de que — parem de ler aqui, meninos — Papai Noel não existe, a diatribe de Kelly acabou causando uma certa comoção. O comediante Jon Stewart estranhou o fato de ela se dirigir a crianças num programa de notícias que passa depois das 10 da noite. “Crianças inocentes o suficiente para achar que Papai Noel existe e racistas o bastante para ficar horrorizadas”, disse.
Mas sua assertividade com relação à cor da pele de Jesus lembrou alguns bons momentos da nossa Rachel Sheherazade, a musa da direita evangélica. Especialmente porque há um consenso entre historiadores, hoje, de que, como JC era um judeu do Oriente Médio de 2 mil anos atrás, ele tinha, provavelmente, compleição escura.
O que isso muda? Nada. Deveria?
Em 2001, a BBC produziu um documentário chamado “Filho de Deus”, baseado na descoberta, na Palestina, de um crânio do século I. O estudioso do Novo Testamento Mark Goodacre foi o responsável pelas pesquisas a respeito da aparência do cabelo e da cor da pele daquela pessoa.
“As representações artísticas ao longo dos séculos têm uma variação total de Jesus e nenhuma é acurada”, diz ele. De acordo com Goodacre, o cabelo foi fácil. “Há uma referência em Paulo que diz que é vergonhoso para um homem usar cabelo comprido, de modo que parece quase certo que as pessoas desse período tinham de ter cabelo razoavelmente curto. As representações tradicionais de Jesus com uma longa cabeleira dourada são completamente imprecisas”.
As primeiras pinturas retratando judeus, que datam do século III, mostram pessoas de pele escura. “Na linguagem contemporânea, é mais seguro falar de Jesus como um ‘homem de cor’, o que significa cor de ‘azeitona’”.
Com o passar dos séculos, surgiu a imagem de JC como um europeu típico. Leonardo da Vinci e Michelangelo consagraram uma figura atlética e vencedora, coerente com o tempo em que igreja conquistava o mundo. Em 1941, o artista Warner Sallman pintou JC como um legítimo americano.
As descobertas da equipe do professor Goodacre, que resultaram num “retrato falado”, foram ignoradas pela igreja católica. No Brasil, qualquer minissérie sobre JC feita pela TV Record tem um ator branco no papel principal — o que é compreensível num país em que não há protagonista negro nem na novela das 6. Neste Natal, o lindão Robert Powell, com seus olhos da cor do Mediterrâneo, estará na TV de novo na velha cinebiografia de Zeffirelli que passa todo Natal.
Uma coisa é certa: se o Jesus histórico aparecesse por aqui, provavelmente seria mal atendido nas lojas do shopping Iguatemi, teria dificuldade de pegar um táxi à noite e a polícia pararia seu carro num cruzamento.
Fonte: DCM