Jesus, o menino do Alemão

Jesus, o Cristo, venceu a morte. Jesus, o Eduardo, não. Um foi entregue a morte pelo seu próprio discípulo. O Outro foi entregue a morte por quem deveria protegê-lo ou até quem sabe lhe servir de exemplo

Por NÊGGO TOM

O domingo de páscoa sempre tem um sabor especial. Não só de chocolate, mas também de paz, de vitória, de ressureição. Simboliza a passagem da morte para a vida. Vida essa que tem se tornado cada vez mais difícil de se levar em função da violência que nos tira a paz e nos remete a morte. Não apenas a morte física, mas a morte da alma. A morte do amor nos corações. A morte da esperança em dias melhores. A morte do respeito pelo próximo.

A morte do valor da vida. A morte do principal mandamento que o Cristo Ressurgido nos deixou: Amai-vos uns aos outros. O mundo carece de amor. Ágape. O mundo padece por tantos egos, eros e erros. Erros de estratégia de quem tem o ego por demais inflado e não admite que o problema é maior do que a sua capacidade para resolvê-lo.

Um menino Jesus, não o Cristo, o Eduardo, morreu e não vai ressuscitar. Pelo menos nesta vida. Vítima de uma bala perdida durante um confronto entre policiais e traficantes no complexo do alemão no Rio de Janeiro, Eduardo de Jesus teve a sua vida interrompida aos 10 anos de idade, tudo por conta da ineficiência da segurança pública. Esse Jesus também era um filho de Deus. Não era filho de carpinteiro, mas era filho de um pedreiro. Filho do complexo do alemão. Filho do complexo estado de insegurança no qual nós estamos sitiados.

Um cálice de sangue que transborda a cada dia, afogando o nosso coração num mar de desespero e dor. Um sangue jorrado do alto de uma cruz, onde estão sendo crucificados bandidos e inocentes. Barrabazes e Cristos. Tudo isso diante dos olhos de um Estado que lava as mãos e não assume a responsabilidade por todo esse sangue derramado. É como se o nosso Secretário de segurança fosse Poncio Pilatos e do alto do seu esconderijo inquirisse ao povo carioca: “O que vocês querem que eu faça? Quem vocês querem que eu prenda? A polícia ou os bandidos?”. E como há dois mil anos atrás, corremos o risco do povo escolher novamente os bandidos. Por questões de segurança pessoal e porque a polícia, ao contrário de Cristo que era a outra opção na época, não está merecendo a nossa confiança.

Jesus, o Cristo, venceu a morte. Jesus, o Eduardo, não. Um foi entregue a morte pelo seu próprio discípulo. O Outro foi entregue a morte por quem deveria protegê-lo ou até quem sabe lhe servir de exemplo. Ambos foram crucificados de forma vil e covarde. Um por ter se proclamado filho de Deus. E realmente o era. O outro porque foi proclamado filho de vagabundo. E realmente não o era. As mães de ambos choraram a perda. Maria chorou por dois dias, mas no terceiro teve o seu filho de volta. Ressurgido. Terezinha irá chorar até o seu último dia, sabendo que nunca mais terá a vida do seu filho de volta. Abatido. E tantas outras Marias e Terezinhas choram a perda de seus filhos. E quantas mais, Marias e Terezinhas ainda irão chorar sobre os corpos de seus “Cristos”?

Nossa polícia, assim como os soldados romanos que conduziram Cristo a crucificação, age primitivamente. Conduz o povo a um calvário e o sentencia a morte sem a menor piedade. Não conseguem separar o joio do trigo. Acredito sim, que o joio esteja bem misturado ao trigo, mas é preciso habilidade e preparo para saber fazer essa separação. É necessário que se distingua um do outro ou perderemos a plantação inteira. Não é justo que inocentes ainda sejam crucificados junto aos ladrões. Já vimos esse filme em fatos reais e sabemos que o seu final não é nada bom. É preciso que o estado encontre uma direção. É urgente que essa direção leve a uma ação, eficaz e definitiva. É preciso querer solucionar o problema. O facão tem que bater na raiz. O mal tem que ser cortado na origem. É difícil, mas não é impossível.

Jesus sempre estará entre nós. Ou pelo menos entre os que nele acredita e dentre os quais eu me incluo. O menino Jesus, o Eduardo, não estará mais entre nós. Mas estará para sempre guardado no coração de sua mãe, de seu pai e de sua familia. Seu nome estará para sempre gravado na viela do morro onde ele foi assassinado. A polícia e os traficantes sempre estarão no meio do povo da comunidade. O som de seus fuzis e seus rastros de sangue, sempre ficarão marcados para sempre na lembrança dos familiares de suas vítimas. E a sociedade sempre estará no meio do fogo cruzado, sem saber de onde partiu a bala, que perdida, sangrou mais um corpo e crucificou mais um cristo.

 

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