Jornalismo e Sensacionalismo : Entrevista – Wanda Chase

Fonte: Fazendo Jornalismo

Por Leia Celestino & Elaine Adriana


É evidente a distinção entre mulheres e homens no mercado de trabalho, principalmente em relação à mulher negra. Esse preconceito tem suas raízes na escravidão, que, apesar de ter sido abolida a décadas, exatos 121 anos, ainda têm influência nas relações sociais, no modo de pensar e de ver o outro e a si mesmo.

O preconceito contra a mulher sempre foi tão incutido na sociedade, que gerou nas mesmas uma visão auto-depreciativa de sua posição nas relações sociais e como tal no mercado de trabalho.
Com a criação do movimento feminista e depois de muitas lutas, as mulheres conquistaram alguns direitos e de certa forma algumas barreiras sociais foram quebradas, porém a mulher ainda hoje é inferiorizada dentro da sociedade.

No mercado de trabalho as mulheres ainda ocupam cargos inferiores em relação aos homens, isto se comprova através de estudos recentes, revelando que para elas alcançarem os mesmos cargos que os homens, em empregos formais, necessitam de uma vantagem de cinco anos de escolaridade. Esses dados agravam-se quando relacionados à mulheres negras, que necessitam de oito a onze anos de estudo a mais em relação aos homens.

Para ascender profissionalmente, as negras superam humilhações e inúmeras dificuldades econômicas. Cada uma das que venceram aponta dezenas de colegas que tentaram e não conseguiram.

Carla Bispo Duarte, 33 anos chegou lá. É Sargento da Polícia Rodoviária e Assistente Social da cidade de Ilhéus. Com o pai vigilante e a mãe professora primária, é a mais velha de quatro filhos. Sobre as dificuldades comentou “Por dez anos meus pais, eu e meus irmãos convivemos em apenas três cômodos. Na época meus pais eram assalariados e eu ainda estudava, hoje conseguimos superar as dificuldades e posso dizer que vivemos dignamente”.

Minha mãe era criativa em fazer comidas variadas com ovo, o que por muito tempo foi o nosso alimento, já que comer carne, frango ou peixe para nós era luxo. Meu pai era vigilante na época, em um supermercado de renome em Salvador e por muitas vezes os alimentos resfriados que estavam com validade próxima, eram jogados no lixo, o mesmo recolhia várias embalagens de iogurtes, bebidas lácteas, dentre outros, para nos alegrar, pois não tínhamos condições de comprar. Quando eu conclui o 2º grau, abriu pela primeira vez concurso para Soldado Feminino, entendi que essa era a minha oportunidade de mudar a minha vida e a vida da minha família.

Enquanto todos dormiam, eu estudava… e estudei bastante, fiz o concurso sem contar a ninguém e para surpresa de todos, passei em 3º lugar. Dai para frente, nada foi fácil, mais a minha sede de vitória e de ascensão, era cada vez maior. Após a conclusão do curso de Soldado, casei-me e fui morar em Brumado, uma cidade do sertão baiano.Moramos lá por dois anos, só que a seca castigava muito então, vendemos nossa casa e fomos morar em Ilhéus. Ali tudo mudou, meus sonhos se firmavam cada vez mais, foi quando surgiu à oportunidade para o curso de Sargento, árduo, cansativo, venci essa etapa também. Hoje meus pais vivem com tranquilidade, numa casa confortável graças aos nossos esforços, ele foi promovido a Conferente da maior rede de Supermercados do Nordeste, onde trabalha a mais de 20 anos, passando por todas as mudanças de empresas e transformações do mercado. “Minha irmã segunda faz Faculdade de Jornalismo, diz ter compromisso social com o povo negro e isso nela é muito forte, a caçula é casada e tem uma filha, meu irmão ainda não sabe o que quer ser e eu sou Sargento da Polícia Rodoviária e Assistente Social” diz.

Precisamos nos unir, não é a cor da pele que irá determinar onde podemos chegar e o que somos capazes de fazer. Precisamos estudar, nos dedicar cada vez mais e nos comprometer com a mudança da vida deste povo negro que temos por ai. A posse do 1º Presidente Negro da História do Estados Unidos reafirmou que podemos chegar mais longe do que imaginamos; deixarmos de ser marginalizados, excluídos, para fazermos parte da história de um povo que emergiu apesar de muitas dificuldades.

 

Entrevistamos um grande exemplo de mulher negra bem sucedida, a jornalista Wanda Chase.

Ela contou sobre a sua trajetória no jornalismo com o intuito de 14 mostrar que a negritude não pode ser tratada como empecilho para o crescimento profissional, nem para a elevação da auto-estima de nenhum cidadão.

WANDA QUAL O PAPEL DO NEGRO NO JORNALISMO?
Wanda Chase – É o papel de todo e qualquer jornalista, o compromisso com a verdade e com a informação, só que eu acho também que nós podemos separar o que nós somos. Sou negra, sou jornalista e tenho compromisso como cidadã, como pessoa, e como negro; sei também que não podemos desassociar isso. Ontem mesmo estava num debate na reitoria da UFBA, ali havia uma mesa em que se encontrava Mauricio Pestana, Gelzinho Araújo além de um cineasta da UNICAMP. Discutimos muito isso, e eu acho como negra, que cada um de nós negros, jornalistas e cidadãos temos uma importância muito grande de como somos tratados. Então acredito que isso deveria ir bem além, eu faço o meu papel e sei que vários colegas fazem como Clediane do jornal A Tarde e da coluna social; são muitos que fazem, mas acima de tudo é preciso que agente se articule mais, que os negros em geral se articulem. Acho que isso aí começava com Mauricio Pestana que é jornalista publicitário, desenhista cartunista e que a mais de 20 anos vem trabalhando com isso das mais variadas formas, então o que nós conversávamos é que nisso os homossexuais e os judeus estão muito a frente, também há a necessidade de que fiquemos atentos o tempo todo apesar de tudo, eu acho que hoje mudou muito porque se não tivesse mudado eu e outros companheiros seriamos incompetentes, então nós que viemos militando de movimentos negros a muitos anos com nossa pressão, com nossa palavra, já conseguimos muita coisa.

 

QUAL A REALIDADE DO NEGRO NO MERCADO DE TRABALHO? VOCÊ ACHA QUE AINDA EXISTE PRECONCEITO OU VOCÊ ACREDITA QUE ISSO TENHA MUDADO?
Wanda Chase – Olha, todas as vezes que vou a uma faculdade de jornalismo, fico muito feliz em ver o número de negros. Não sei se é porque estou na Bahia, mas fico muito feliz assim mesmo, eu sou de Manaus e quando me formei em jornalismo na cidade só tinha eu como negra, e hoje vejo uma imensidão de alunos negros no jornalismo. Estou sempre dizendo para eles – vocês precisam ocupar os espaços das redações, dos jornais de televisão, pois esse é o dever de vocês.

 

E O MERCADO, AINDA É RACISTA?
Wanda Chase – O mercado é ceticista, racista e preconceituoso com mulheres, negros, homossexuais, índios e etc… Entendo, mas ninguém vai chegar aqui na TV Bahia e vai deixar de ser contratado porque é negro. Muita gente critica a TV Bahia mas ela é uma emissora que tem e já teve vários negros no seu quadro como Ricardo Mendes, Gil Santos, Cristina Costa e hoje tem eu e Georgina Maynard. É a emissora que já teve o maior número de negros no seu quadro, porque antes de sermos negros somos profissionais e muito competentes por sinal.

 

VOCÊ ACREDITA QUE FALTA ESPAÇO NO TELEJORNALISMO PARA OS NEGROS?
Wanda Chase – Eu acho que deveria ter mais espaço. É por isso que eu quero que todos vocês ocupem esses espaços, eu quero mais; quero ver o negro apresentando o BA TV, quero ver o negro apresentando o Bahia Meio Dia. Acho que essa garotada que vêm aí é quem vai fazer esse papel.

 

JORNALISMO E SENSACIONALISMO. COMO VOCÊ VÊ A TV BAIANA HOJE?
Wanda Chase – A TV baiana tem um monte de produtos que não deveria está no ar, a gente não precisa citar 15 nomes, não é o nosso caso, nós temos um jornalismo de qualidade, fazemos um jornalismo padrão, com a ética que é fundamental no exercício do jornalismo.

 

POR QUE ESCOLHER JORNALISMO?
Wanda Chase – É por amor mesmo. Na verdade quem descobriu minha vocação para o jornalismo foi uma professora de português, Fátima Folhadela, lá em Manaus. Quando eu era pequena eu queria ser professora, depois quando fui crescendo mudei meu foco para Direito e foi através de uma redação que essa professora começou a me influenciar, dizendo que eu tinha que fazer jornalismo, ela sempre dizia: você escreve muito bem, você deveria ser repórter. Aí eu comecei a despertar interesse pela profissão, adorava ligar para as rádios para participar de programas de ouvintes para concorrem a prêmios, então foi por amor mesmo que cheguei ao jornalismo, pois toda e qualquer profissão tem que ser por amor.

DURANTE TODOS ESSES ANOS DE TRABALHO VOCÊ JÁ SOFREU ALGUM PRECONCEITO?
Wanda Chase – O negro que disse que nunca sofreu preconceito está mentindo, a gente sofre todo tipo de preconceito, todos os dias a gente é discriminado de uma forma ou de outra, e o preconceito está cada dia mais sutil, agora como no meu caso, que já era assumida como negra e que as pessoas já sabiam da minha postura, é diferente. As pessoas podem não gostar uma das outras, mas o respeito é algo único e fundamental para que se possa viver em sociedade. No meu local de trabalho nunca fui discriminada ao contrário todos me respeitam e muito.

 

WANDA DEIXE UMA MESANGEM FINAL PARA NÓS, FUTUROS JORNALISTAS.
Wanda Chase – Não desistam nunca, pois jornalismo é ousadia. Não fiquem esperando acontecer, façam acontecer, não fiquem com o discurso de que – para mim é mais difícil porque sou negra (o) – tem que ir atrás, tem que fazer acontecer isso vale para todos independente da raça.

 

Matéria original: Jornalismo e Sensacionalismo

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