Jornalista é vítima de racismo em ônibus

Karina Costa, 33 anos, relata caso de deboche e de preconceito contra seu cabelo por parte de um cobrador durante trajeto em São Paulo #EuTenhoDireito

Do  Claudia 

A jornalista Karina Costa (Reprodução/Reprodução)

“PRECONCEITUOSO, DEUS TE ABENÇOE” foram as únicas palavras que consegui pronunciar, tocando no ombro do cobrador, o mesmo gesto que ele fez acho que menos de um minuto depois de eu entrar no ônibus, na mesma parada diária rumo ao trabalho.

SIM, ele teve a moral de soltar uma gargalhada daquelas, tocar meu ombro e me perguntar, apontando, indignado, “O QUE TINHA ACONTECIDO COM MEU CABELO?????????” preso, afro puff, no topo da cabeça, como costumeiramente uso.

Eu, em resposta, disse: Qual o problema??? E ele: “Isso aqui!!”, apontando sem parar para minha cabeça, rindo, quase engasgando. Um riso que se foi quando eu respondi: “Não fala comigo, não te conheço”.

Eu só suportei ficar naquele ônibus durante uma parada. Queria continuar, mas, no impulso, saquei meu cartão da bolsa, atravessei a catraca sem nem enxergar ele, dei sinal e esperei o ônibus parar. E nos segundos que separaram a porta aberta ao seu fechamento, tomei coragem e disse isso: “Preconceituoso, Deus te abençoe”, com nó na garganta e sangue no olho, o mais alto que consegui. E ele respondeu com aquele ar de “noooossa que exagerada”: “Amémmmm”.

Desci e me senti aliviada. Nem consegui olhar pra frente. Vi de relance alguns passageiros me encarando, com cara de confusos. Comecei a chorar. Tudo o que eu não queria.

Já passei por isso um “sem número” de vezes, pessoas me apontando e abordando mesmo, por conta do meu cabelo e de tantas outras características minhas que geram desconforto no outro. Não deveria, mas isso se tornou normal e eu, de uma forma ou outra, tenho me defendido. Mas ouvir isso seis e pouco da manhã numa segunda-feira foi forte demais.

Não sou inocente, nem me iludo, infelizmente sou calejada nesse assunto, mas ainda me indigna a violência de pessoas como ele. O preconceito mascarado em uma piadinha ou mesmo escancarado, como aconteceu hoje. O quanto algumas pessoas acham isso normal. Tenho 33 anos e sempre espero que com o passar da idade isso jamais volte a acontecer, apesar de saber que vai se repetir e se repete. Muitas das vezes, inclusive, vem de quem nem se imagina.

Espero que o que aquele senhor fez e o que eu disse ecoe na cabeça dele o quanto for possível.

Espero que as pessoas que passam por isso continuem fortes. E as que propagam, que curem seu preconceito.

Passei mais de 20 anos usando o cabelo o mais preso que pude, envergonhada, para driblar essas coisas e não me chatear. Hoje, descobri beleza neles e que os fios são como são. Com cachos, sem cachos, crespos, frisados, armado, afro. Meu cabelo eu não vou mudar.”

Karina Costa é jornalista.

+ sobre o tema

Brancos, vamos falar de cotas no serviço público?

Em junho expira o prazo da lei de cotas nos...

Em junho, Djavan fará sua estreia na Praia de Copacabana em show gratuito

O projeto TIM Music Rio, um dos mais conhecidos...

O precário e o próspero nas políticas sociais que alcançam a população negra

Começo a escrever enquanto espero o início do quarto...

Estado Brasileiro implementa políticas raciais há muito tempo

Neste momento, está em tramitação no Senado Federal o...

para lembrar

Mackenzie expulsa estudante que gravou vídeo armado e ameaçou matar negros

Pedro Baleotti, eleitor de Jair Bolsonaro, divulgou um vídeo...

Meninos vítimas de racismo em hipermercado reconhecem mais um segurança suspeito de agressão

Outro funcionário do Extra já havia sido reconhecido em...

Shopping de área nobre de SP quer apreender crianças de rua e entregar para PM

Estabelecimento no bairro de Higienópolis, uma das regiões mais...

Anulação de provas do Enem gera ataques de xenofobia

OAB-CE vai analisar os comentários para decidir sobre a...
spot_imgspot_img

Quanto custa a dignidade humana de vítimas em casos de racismo?

Quanto custa a dignidade de uma pessoa? E se essa pessoa for uma mulher jovem? E se for uma mulher idosa com 85 anos...

Unicamp abre grupo de trabalho para criar serviço de acolher e tratar sobre denúncias de racismo

A Unicamp abriu um grupo de trabalho que será responsável por criar um serviço para acolher e fazer tratativas institucionais sobre denúncias de racismo. A equipe...

Peraí, meu rei! Antirracismo também tem limite.

Vídeos de um comediante branco que fortalecem o desvalor humano e o achincalhamento da dignidade de pessoas historicamente discriminadas, violentadas e mortas, foram suspensos...
-+=