Em 2025 o Brasil pode dar um passo histórico na incorporação de princípios de justiça climática e combate ao racismo ambiental nas suas políticas públicas. A proposta de uma nova resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que define, de maneira clara, diretrizes e instrumentos para que órgãos ambientais e demais entidades do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) considerem desigualdades sociais, raciais e econômicas na formulação e implementação de políticas climáticas está em sua tramitação final e pode ser aprovada ainda esse ano.
A resolução parte de um princípio fundamental: a crise climática não é apenas ambiental, mas também social e de direitos humanos. Seus impactos não são distribuídos de maneira uniforme. Populações historicamente marginalizadas — como povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, populações negras nas periferias urbanas, mulheres, crianças, idosos e trabalhadores em condições precárias — sofrem de forma desproporcional. Ao reconhecer essa realidade, o Conama propõe que a justiça climática seja entendida como a promoção de equidade e a garantia de direitos fundamentais na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Entre os conceitos centrais da resolução estão o racismo ambiental e a pobreza energética. O racismo ambiental é definido como a discriminação institucionalizada que gera impactos ambientais e climáticos diferenciados, muitas vezes invisíveis, sobre grupos racializados e comunidades tradicionais. Já a pobreza energética descreve o acesso precário ou oneroso a energia limpa e segura, que afeta diretamente o bem-estar, a saúde e a segurança de famílias vulneráveis.
A resolução estabelece princípios e diretrizes robustos. Dentre os princípios, destacam-se o combate à discriminação, a valorização dos saberes ancestrais e tradicionais, a transparência na gestão ambiental e a participação social ampla, especialmente de grupos prioritários. As diretrizes, por sua vez, vão desde a criação de mecanismos de fiscalização e controle social garantindo o acompanhamento dos projetos socioambientais, até a implementação de medidas emergenciais de reparação para territórios afetados por eventos climáticos, passando pela promoção de empregos decentes, transição justa, educação antirracista e valorização de catadores de materiais recicláveis como atores essenciais da justiça climática.
Um ponto inovador é o reconhecimento explícito de populações e grupos prioritários, incluindo não apenas indígenas e quilombolas, mas também mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, trabalhadores informais, moradores de periferias urbanas, acampados e assentados da reforma agrária, refugiados, migrantes e pessoas em situação de rua. Essa ampla abrangência busca garantir que políticas climáticas não reproduzam desigualdades históricas, mas atuem como instrumentos de transformação social e reparação.
A resolução também identifica instrumentos estratégicos para sua execução, como planos municipais, estaduais e federais de adaptação e mitigação climática, incentivo à agroecologia, reflorestamento, fomento à pesquisa científica e tecnológica, mecanismos de participação social e integração com políticas de desenvolvimento sustentável. Tudo isso reforça a visão de que justiça climática não é apenas uma questão ambiental, mas um projeto de cidadania e inclusão social diante uma realidade de crise climática que assola populações no país.
Ao estabelecer essas diretrizes, o Conama sinaliza um compromisso com a interseccionalidade, reconhecendo que raça, gênero, idade, condição econômica e localização territorial influenciam de forma decisiva os impactos da crise climática. A resolução busca corrigir desigualdades históricas e criar políticas públicas que garantam segurança, dignidade e participação plena para todos, especialmente para os mais vulneráveis.
No contexto internacional, a iniciativa brasileira se alinha a tendências globais de integração de direitos humanos e justiça social nas estratégias climáticas. Países e organismos internacionais vêm reconhecendo que políticas climáticas eficazes e sustentáveis precisam abordar as desigualdades sociais, protegendo populações vulneráveis e fortalecendo comunidades tradicionais e trabalhadores.
A implementação, no entanto, apresenta desafios significativos. Garantir que os princípios da resolução sejam efetivamente aplicados requer monitoramento contínuo, articulação intersetorial e federativa, capacitação de agentes públicos e participação real das comunidades impactadas. A eficácia da norma dependerá também da alocação de recursos financeiros e técnicos adequados, bem como de mecanismos de reparação e de prevenção de impactos climáticos em territórios historicamente negligenciados.
A proposta de resolução do Conama representa um marco no reconhecimento de que justiça climática e combate ao racismo ambiental são questões centrais para o combate à crise climática e a defesa das populações. Ao integrar direitos humanos, saberes tradicionais e proteção ambiental, ela abre caminho para políticas climáticas mais equitativas, inclusivas e transformadoras. Com o conjunto de novas políticas estruturais apresentadas em 2025, como por exemplo, o Plano Clima, faz-se necessário garantir que essa resolução seja o instrumento orientativo para a implementação da justiça climática nas políticas públicas. Em um país marcado por desigualdades profundas, essas diretrizes oferecem uma oportunidade de alinhar justiça social e ambiental, promovendo um futuro mais seguro, digno e resiliente para todos.
Mariana Belmont é jornalista e pesquisadora, nascida em Parelheiros (extremo sul da cidade de São Paulo), trabalha com articulação e comunicação para políticas públicas. Atuou em cargos no governo sobre questões ambientais. Escreve mensalmente para o portal Gênero e Número. Também é ativista, parte de movimentos ambientalistas e periféricos. Recentemente foi editora convidada da Revista “Diálogos Socioambientais: Racismo Ambiental” da Universidade Federal do ABCD. É organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023). É Assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra.
Thaynah Gutierrez Gomes, 26 anos, nascida e criada no extremo leste da cidade de São Paulo. É administradora pública formada pela FGV-EAESP, pós-graduada em Transição Energética e Direitos Humanos pela CLACSO Equador e mestranda em Administração Pública e Governo na FGV-EAESP. Atua como assessora de Clima e Racismo Ambiental em Geledes – Instituto da Mulher Negra e secretária executiva da Rede por Adaptação Antirracista. Pesquisa o legado do movimento negro na luta socioambiental e climática focando nos saberes das matrizes africanas e suas práticas culturais.