Justiça determina que estuprador registre a criança que foi gerada em decorrência do estupro

Se o título já assusta (pelo menos eu fico assustado), pior ficará quando eu te falar que o crime foi praticado pelo pai contra a filha e que a criança gerada desse estupro era, consequentemente, filha/neta dele.

Por Pedro Magalhães Ganem, do JusBrasil

Getty Images

Isso mesmo, o pai estupra a filha, a engravida, essa criança nasce e a Justiça determina que ela seja registrada pelo “pai”.

Tá pensando que leu errado? Sinto lhe informar que não, que esses fatos realmente aconteceram.

A história foi assim:

Era uma audiência criminal, a vítima prestava suas declarações e declarou que desde nova era assediada pelo pai o que culminou na sua gravidez, ainda aos 13 anos de idade.

Mesmo sabendo das complicações decorrente da situação (gestação gerada em decorrência de um estupro praticado pelo próprio pai), a vítima resolveu dar continuidade à gravidez e, assim, ter o filho.

Até aí “tudo certo”.

O “problema” começou quando a criança nasceu e a mãe tentou registrá-la.

Como não foi possível realizar o registro dessa criança no Cartório de Registro Civil, diante das complicações do caso, a vítima foi encaminhada para uma Vara de Registros Públicos, onde foi realizada uma audiência e foi determinado que a criança deveria ser registrada pelo “pai”, pois seria um direito seu saber quem é o seu genitor.

Tudo isso seria perfeito, desde que o genitor não fosse o próprio avô e a sua gestação tenha sido oriunda de uma violência.

Resultado da ópera, a criança (por ter o direito à paternidade [?!]) tem em sua Certidão de Nascimento as seguintes informações: filha de Maria de Tal e de João de Tal, tendo como avô materno a pessoa de João de Tal (a mesma pessoa que o pai).

Leia Também: PLP 2.0 – Aplicativo para coibir a violência contra a mulher

Isso mesmo! A própria “Justiça” foi responsável pela maior das injustiças.

O que será dessa criança que crescerá sem conseguir se desvencilhar do crime que a gerou? Como será a reação dessa criança quando souber que o seu pai, na realidade, é o seu avô e que esse fato estará marcado em sua vida, ou melhor, em sua Certidão de Nascimento?

Qual direito é mais importante: o de ter o registro de um “pai” ou de proteger a menor de traumas maiores?


Sabe o que eu concluo disso tudo? Concluo que o ser humano é imprevisível e que não há limites. Concluo, também, que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas por mim, de todas as imperfeições familiares, não temos noção dos problemas suportados pelos outros e das consequências geradas por eles no futuro.

E mais, qual é o papel da Justiça? Esse é que não é.

Por fim, apesar de todos os pesares, dificuldades e surpresas, percebo que realmente sou um profundo admirador do Direito e, principalmente, do Direito Penal, justamente por todas essas nuances que vão além do próprio Direito.

 

Pedro Magalhães Ganem

em busca da mudança de paradigmas

Capixaba, espírita, formado em Direito, atuante e sempre um estudante das áreas jurídicas. Pós-graduado em Processo Civil e pós-graduando em Ciências Criminais. O objetivo é levantar debates acerca das situações jurídicas (e da vida) que nos incomodam e tentar contribuir para a mudança de conceito…

+ sobre o tema

16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres

A partir desta semana, o Congresso Nacional realiza uma...

Não cabemos em um vagão

Comprar a ideia do vagão separado é partir do...

Adolescente apanha do namorado até morrer

Evelyn tinha apenas 17 anos. Entre idas e vindas,...

«Moonlight» – Uma luta em silêncio contra o bullying

Uma das grandes surpresas do ano. Um filme independente...

para lembrar

Não me deem flores no Dia Internacional da Mulher

Não me dêem flores no Dia Internacional da Mulher....

No Dia dos Namorados, viúva escreve carta para Marielle Franco

A arquiteta Monica Benício fez uma homenagem para Marielle...

Zezé Motta recebe Preta Gil, Sheron Menezzes e Aline Wirley no ‘Especial mulher negra’

Artista que acabou de completar 80 anos, Zezé Motta...
spot_imgspot_img

Disparidade salarial cresce, e mulheres ganham 20,7% menos do que homens no Brasil

A disparidade salarial entre homens e mulheres no Brasil aumentou no período de um ano, e mulheres receberam, em média, 20,7% menos do que...

Mulheres Negras: Encruzilhadas de Raça e Gênero

Encontro "Mulheres Negras: Encruzilhadas de Raça e Gênero" com Sueli Carneiro e Neon Cunha acontece amanhã, 19h on-line Sueli Carneiro e Neon Cunha, referências no...

Selo dos Correios celebra Luiza Bairros, ex-ministra e ativista negra

Os Correios e o Ministério da Igualdade Racial lançam nesta terça-feira (17) um selo em homenagem à socióloga gaúcha Luiza Bairros, ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção...
-+=