Lançamento do livro de Nelson Mandela: Conquistando o Inimigo

Nelson Mandela se recusava a aceitar o apartheid, regime que durante décadas subjugou os negros na África do Sul. Tornou-se o maior líder popular na luta contra o governo racista. Acusado de subversão, foi preso e passou 27 anos numa cela minúscula. Poderia ter se entregado à loucura e ao suicídio, como ocorreu a muitos de seus companheiros. Mas Mandela deixou a prisão para assumir a presidência do país e ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Uma história tão iluminada e improvável que parece ter saído de um romance de ficção.

Na época dos fatos, o jornalista britânico John Carlin, que trabalhava como correspondente na África, começou a perceber que a realidade, às vezes, podia superar a literatura. Ele estava certo: Conquistando o Inimigo (Editora Sextante, 272 pp., R$ 29,90), livro que acaba de publicar, desperta os melhores sentimentos e os mais nobres valores nos seres humanos, independente de sua etnia ou nacionalidade. Muito do seu encanto está no fato de contar uma história real.

Não se trata exatamente da biografia de Nelson Mandela, que já é muito conhecida da maioria das pessoas. O livro se detém à sua incrível capacidade de dialogar com o inimigo e acabar com o apartheid sem fazer uso da violência. “Muito se escreveu sobre o milagre sul-africano; o que estava faltando era um livro sobre o fator humano deste milagre”, diz o autor, que elegeu como foco da narrativa a Copa do Mundo de rúgbi, disputada em 1995.

Pouca gente sabe, mas o rúgbi foi a principal arma de Mandela para implodir a ideologia racista e unir negros e brancos. As revelações contidas no livro de Carlin ressaltam a genial estratégia de Mandela para conquistar os africâneres – os mesmos que queriam condená-lo à morte. Durante as quase três décadas em que esteve preso, o líder negro estudou a língua do inimigo e aprendeu tudo o que pôde sobre rúgbi, esporte favorito dos sul-africanos brancos.

Mandela tinha o dom da palavra e um poder de sedução irresistível. Depois de forçar encontros com líderes racistas e conquistar a simpatia de membros importantes do governo, escapou da pena de morte e acelerou a sua libertação. Fora da prisão, convenceu os grupos rebeldes negros a abandonarem a luta armada e negociou com os brancos, diplomaticamente, a sua candidatura nas primeiras eleições livres do país. Em 1994, o mundo assistia comovido a vitória de Mandela nas urnas. O regime do apartheid chegava ao fim, uma nova África do Sul havia nascido, mas ainda faltava o principal: criar os sul-africanos.

John Carlin revela que o sonho de Mandela era uma nação multirracial. Para isto, precisava não apenas convencer os brancos de que os negros não iriam se vingar pelos anos de opressão; era necessário convencer os negros de que os brancos, agora, eram tão africanos quanto eles e tinham os mesmos direitos. Na tentativa de apressar este processo conciliatório, criou o slogan “um time, um país” para se referir ao time nacional de rúgbi e, em 1995, a África do Sul se tornava a sede deste esporte na Copa do Mundo.

(Foto: Divulgação/ Sextante)

A escolha do rúgbi como agente unificador parecia absurda. Por décadas, ele fora um símbolo do apartheid, praticado apenas por africâneres truculentos e intolerantes. Os negros simplesmente abominavam este esporte, mas Mandela era o otimismo em pessoa. Reuniu-se com a população, usou a TV e não perdeu uma só oportunidade de se dirigir aos jogadores de rúgbi como “nossos rapazes”. Era uma liderança tão carismática e flexível que acabou por conquistar a todos.

“Não falem para suas mentes, falem aos seus corações”, pediu, em um discurso grandioso, pouco antes da final da Copa, disputada entre África do Sul e Nova Zelândia – a seleção mais poderosa do planeta. Neste dia, o que aconteceu no estádio foi uma grande glória: misturados nas arquibancadas, negros e brancos proporcionaram ao mundo um espetáculo inesquecível de perdão e celebração.

Se a África do Sul ganhou a Copa do Mundo? Leiam o livro. O que ela conquistou naquele dia foi muito mais que isso.

 

 

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