Lembrar de esquecer

Quem acompanhou a série de TV Mad Men, além de curtir a história de personagens interessantes, foi apresentado à brilhante pegada da publicidade nova-iorquina nos anos 1960. De bônus, o público jovem passeou por uma época politicamente incorreta. Na qual todo mundo fumava tabaco, bebia durante o expediente, atirava pela janela do carro lixo na rua, desrespeitava a capacidade de mulheres e negros no trabalho criativo. Mas teve mais do que isso. Mad Men ensinou sobre redação publicitária. Cito uma passagem preciosa quando o redator Don Draper – protagonista da série – aconselha a novata Peggy Olson às voltas com seu primeiro texto de propaganda: Peggy, pense profundamente. Depois esqueça. Uma ideia surgirá de repente.

Por Fernanda Pompeu, do Yahoo

Recordo que Clarice Lispector (1920-1977) também tratou do esquecimento como fonte de inspiração, ao dizer que no momento que ia para a máquina de escrever tentava esquecer tudo o que sabia. Creio que esse é o endereço da questão: conhecer para depois se olvidar. George Moura, autor da minissérie Amores Roubados, em recente entrevista tascou: Para escrever é preciso ter técnica, mas é necessário se esquecer dela também. Don Draper, Clarice Lispector, George Moura usaram palavras diferentes para narrar o mesmo sentimento. Afinal, antes de produzir aprenda tudo o que der e puder, mas na hora de se expressar se esvazie ao máximo.

Encher e esvaziar o copo não ajuda apenas publicitários, roteiristas, escritores. Serve para qualquer um, seja qual for a atividade. Por exemplo, jogador de futebol brilha exatamente quando consegue ser maior do que a técnica. Ele se torna craque ao realizar além da decoreba, além das preleções do treinador. Cozinheiras também levam nosso paladar ao paraíso depois que engavetam cadernos de receitas. Foi o que contou a Kiki, cozinheira de largo costado: Eu leio as receitas, mas na hora de cozinhar esqueço tudo e a coisa sai bem.

Parece paradoxo. Mas não é. Se seguimos a ferro e fogo o que pesquisamos e aprendemos, não deixamos pulmões para a inspiração respirar. Nos tornamos meros repetidores da tradição, apertadores de botão. Comigo rola assim: antes de escrever sobre um tema, penso bastante nele, fuço no São Google, converso com amigos. Mas na horinha de começar a redação, fecho livros e blocos de anotação. O que guardei está guardado, o que não lembro está esquecido. Funciona.

imagem: Régine Ferrandis

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