Letra machista de Emicida levanta polêmica

Trepadeira, do novo álbum do rapper, diz que mulher “biscate” deve tomar uma surra de espada-de-são-jorge

por Nádia Lapa

O rapper paulistano Emicida acabou de lançar o álbum independente O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui. Entre as faixas, levantou polêmica a batizada de Trepadeira. Como já é possível imaginar pelo nome, a “trepadeira” é uma mulher que (oh!) faz sexo.

As redes sociais se dividiram. Muita gente criticou o rapper, outras tantas o defenderam. Emicida emitiu hoje uma nota pública sobre o caso (leia aqui). Segundo o cantor, trata-se de uma história ficcional e, portanto, as críticas seriam infundadas. Ele menciona que outros artistas também compuseram e cantaram músicas machistas. Ele tem razão neste ponto, mas a crítica feita a ele hoje não ignora aquelas feitas no passado e no presente a todos os outros que produziram discursos semelhantes. Por isso a primeira justificativa – a de que é apenas ficção – simplesmente não cola. Não dá mais para falar como se a produção cultural caísse do céu e se propagasse no vácuo, contrariando até as leis da física, porque não é assim que funciona. Discursos são criados a partir de uma realidade opressora (no caso, machista) e normalizam essa mesma opressão.

Isso não quer dizer que Emicida é o grande culpado pela misoginia no mundo. Claro que não, mas não dá para “deixar passar” uma letra que sugere que uma mulher ativa sexualmente – biscate, segundo o autor – mereça uma surra (Merece era uma surra de espada de São Jorge).

A canção inteira é no sentido de desmerecer a mulher que faz sexo:

Você era o cravo e ela era a rosa,
e cá entre nós gatinha, quem não fica bravo
dando sol e água, e vendo brotar erva daninha.
Chamei de banquete era fim de feira,
estendi tapete mas ela é rueira.
Dei todo amor, tratei como flor,
mas no fim era uma trepadeira.

O recado de Emicida é que não se deve tratar bem (regar, cuidar) uma mulher trepadeira. Esse discurso é desumanizante, diminuindo a mulher apenas à vida sexual, desconfiando da dignidade em razão da quantidade de parceiros, julgando como não confiável uma mulher só porque ela não se submete a ser o “amuleto da sorte” do personagem (ele também usa a expressão “trevo de três folhas”).

O músico tentou comparar Trepadeira com uma canção do disco anterior, Vacilão, em que o personagem não tratava bem uma mulher, saía com outras, e acabou sozinho. Bom, mais uma vez, basta olhar o nome da música: Vacilão. Quem vacila é bobo, se deu mal… só. Não existe julgamento de caráter baseado na vida sexual do tal “vacilão”. Já o castigo da “trepadeira” não é ficar sozinha – é tomar uma surra.

E isso diz muito sobre como encaramos a sexualidade da mulher.

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Fonte: Carta Capital 

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