Liberdade, liberdade… Racismo algorítmico no Brasil

FONTEECOA, por Anielle Franco
Anielle Franco (Foto: Bléia Campos)

“Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós, e que a voz da igualdade seja sempre maior que o algoritmo sobre nós”. (sic)

Foi na terça passada (31) que, junto com dona Elcy Leopoldina, mãe do produtor cultural Angelo Gustavo Nobre, o Gugu, e toda sua família, respiramos aliviadas depois do julgamento que definiu sua liberdade. Gugu passou mais de um ano preso por supostamente ter cometido um crime à mão armada na Zona Sul do Rio de Janeiro, e as provas? Um reconhecimento fotográfico informal da vítima a partir de fotos no Instagram de Gugu.

Começo esse texto evidenciando o quanto essa história deveria ganhar todas as manchetes de jornal do país, o que é a trajetória de Gustavo, senão um retrato fiel dos séculos de racismo e sofisticação de tecnologias de aprisionamento e morte da população negra? Gugu para os amigos é um rapaz negro de 28 anos produtor cultural, cuja liberdade foi arrancada por uma combinação do crivo de algoritmos de reconhecimento racial seletivos operados por agentes do estado.

Nosso país tem a terceira maior população carcerária do mundo e também arrasta nos porões de suas masmorras chamadas de cárcere milhares de histórias como a de Gustavo. Em reportagem do portal Metrópoles, foi divulgado o relatório da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, elaborado em 2020, que aponta erro em pelo menos 58 casos de reconhecimento fotográfico, que resultaram em “acusações injustas e mesmo na prisão de pessoas que nada tinham a ver com o crime que lhes era imputado”. Do total de casos, 70% dos acusados injustamente eram negros, como Gugu.

Em reportagem exclusiva no portal Intercept em 2019, Pablo Nunes, coordenador adjunto do Centro de Estudos da Segurança e Cidadania (CeSec), evidenciou que a Rede de Observatórios da Segurança — no monitoramento de casos de prisões e abordagem com o uso de reconhecimento facial — descobriu que, dos casos em que havia informações, 90,5% das pessoas presas porque foram flagradas pelas câmeras eram negras. A Bahia liderou o número de abordagens e prisões com a nova técnica: 51,7% das prisões, seguida do Rio, com 37,1%, Santa Catarina, com 7,3%, Paraíba, com 3,3% e o Ceará, com 0,7%.

De março a outubro de 2019, de acordo com a Rede de Observatórios de Segurança, 151 pessoas foram presas por meio dessa tecnologia nos cinco estados. O monitoramento da Rede foi feito com base nas matérias publicadas por dezenas de veículos de imprensa e usa as informações veiculadas nas contas oficiais das polícias e de outros órgãos nas redes sociais.

Enquanto a discussão do racismo algoritmo ganha o mundo e desperta a produção de movimentos e pesquisas que denunciam a utilização da tecnologia para o aprofundamento das violência raciais, no Brasil, vemos o Estado mergulhar em suas estratégias de controle, vigilância, aprisionamento e mortes de corpos como os nossos. Se o futuro é tecnológico e automatizado, se seremos guiados pela combinação de probabilidades em nossas telas, e tendências de consumo, o que fazer para que o alimento dos sistemas de inteligência artificial deixe de ser nossa pele e sofrimento?

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