Linguagem inclusiva de gênero em trabalho acadêmico

Algumas pessoas de nosso grupo se deparam com uma questão quando estão realizando seus trabalhos acadêmicos: como escrever usando linguagem inclusiva de gênero?

Bárbara Araújo levou as seguintes dúvidas para nosso grupo de discussão:

 

  • É bom usar “@” ou o “x”? O “x” pode ser uma opção melhor por que remete menos ao binarismo a+o? O uso desses símbolos prejudica a leitura e os diferentes usos que as pessoas podem dar aos textos?
  • Quando estou falando de um autor, nao sei se uso a linguagem inclusiva ou nao. Por exemplo, ‘Gramsci considera os escritores italianos…’, devo dizer os(as) escritores(as) italianos(as), se talvez ele tivesse se referindo mesmo a uma universalidade masculina?

 

A solução dada pela maioria das pessoas foi usar termos neutros. Infelizmente, o uso do “@” e do “x” truncam a leitura e prejudicam o acesso a deficientes visuais que utilizam equipamentos de leitura eletrônicos.

Juno, deu ótimos exemplos de como fazer isso, procurando sempre escrever textos de forma desgenerificada, sem o uso do “x”, da “@” nem “(a)”, nem “hífem”, nem nada, porque não é fluido e, principalmente, porque não é acessível a todas as pessoas leitoras.

Algumas formas de fazer isso:

 

  • Mudar a estrutura da frase, o que não é difícil de fazer, é acessível e não é incômodo para ninguém que lê;
  • Usar generosamente superlativos sem gênero: termos como “pessoa”, “indivíduo”, “sujeito” (esse está se começando a generificar, principalmente em círculos feministas), “gente”, “população”, etc., para poder generificar a palavra de acordo com essa, sem perder o sentido e a concordância. Por exemplo: ao invés de “todos os presentes concordaram”, usar “todas as pessoas presentes concordaram”;
  • Suprimir pronomes. Em muitas frases o pronome está lá meramente por costume. Por exemplo, em “A Maria nasceu dia cinco”, podemos dizer “Maria nasceu dia cinco”. Em “Todo mundo esperou até que ela chegasse”, podemos dizer “Todo mundo esperou até que chegasse”;
  • Usar alguns termos sem gênero que ignoramos. Na Bahia, por exemplo, usa-se muito o “de”. Nada impede usar essa linguagem em qualquer lugar do Brasil. Ao invés de dizer “Essa é a blusa dx Juno”, podemos dizer “Essa é a blusa de Juno”.

Para a questão das citações, Catarina Corrêa sugere:

Quanto ao exemplo de citação do Gramsci, acho que, se for constatado que ele fala de escritores homens na sua totalidade e não de um grupo misto, você pode colocar no masculino, caso contrário, eu colocaria no masculino, mas seguido de (sic). O que também chama atenção para a generalização que o pronome masculino tem e a invisibilidade do feminino no texto do Gramsci, por exemplo.

Karla Avanço contou como fez em seu trabalho de dissertação:

Tentei usar uma linguagem inclusiva na minha tese e usei um pouco de tudo, menos o “x” e o “@”, porque acho que não cabem nesse tipo de texto. Usei com frequência as duas formas “a/o”, separadas por barra ou escrevendo as duas palavras, por exemplo: “as leitoras e os leitores”. Quando usava a barra, intercalava, porque as pessoas tendem a colocar o masculino sempre na frente. Punha às vezes o feminino, às vezes o masculino. Usei termos tidos como neutros quando possível, como “pessoas”, mas dependendo da área não dá pra ficar usando “indivíduo” ou “sujeito” aleatoriamente.

Tentei suprimir artigos ou pronomes, mas às vezes eles existem por uma razão e muitas vezes são fundamentais e a simples exclusão pode prejudicar a compreensão do texto como um todo. No meu capítulo de análise, como tratei de um grupo majoritariamente feminino e minha bibliografia nessa parte também era majoritariamente de autoras (e feministas), resolvi usar só o feminino. E expliquei isso no texto.

Nas citações eu analisava: era citação de uma feminista? já tinha visto ela usar linguagem inclusiva, ou só o feminino? Se sim, fazia também. Num trecho citei um autor que fala “os homens” e fiz uma nota, dizendo ironicamente (mas nem tanto), que acreditava que ele estava se referindo só aos homens mesmo. Tentei fazer muitas citações indiretas também, pra poder reestruturar o texto e poder decidir que forma usar.

Não é um trabalho fácil e acho que o ideal é analisar caso por caso, ver o que cabe melhor em cada lugar e escolher suas estratégias. É só explicar no texto quais foram as suas estratégias e suas escolhas.

Exemplos

Barbara Araújo indicou como exemplo o texto ‘Gênero: uma categoria útil para a análise histórica’ (.pdf) de Joan Scott. A autora opta por usar “a(o) as(os)”. Porém, essa opção reforça o binarismo, que é algo que Barbara também quer desconstruir.

Catarina Corrêa indicou o artigo de Luis Felipe Miguel ‘Consenso e conflito na teoria democrática: para além do “agonismo”’ (.pdf) como exemplo de alguém que optou por colocar todo o texto no feminino, explicando no rodapé:

Optei, ao longo deste paper, por sempre usar o feminino para me referir a alguma categoria mista de pessoas. É uma tentativa de pôr em questão a naturalidade com que o masculino é entendido como sendo o genérico da humanidade. No caso da língua portuguesa, este esforço é bem mais custoso do que no inglês, já que é difícil produzir uma sentença sem que as marcas de gênero estejam presentes. Assim, o estranhamento é maior e, após certo momento, começa a parecer cansativo, correndo o risco de afastar a leitora. Mas me dispus a pagar este preço.

Barbara Lopes indicou o ‘Manual para o uso não sexista da linguagem’ (.pdf).

É importante lembrar que a linguagem inclusiva não deve ser referente só a gênero, mas a outros grupos identitários como negras/os, pessoas trans, etnias, etc. Não é necessário especificar toda vez, mas algumas de nós acham válido colocar no início, por exemplo: “Neste texto, me referi às mulheres brancas e negras, cissexuais etc”. Dependendo do assunto e abrangência do texto, claro. Precisamos pensar sobre isso para não correr o risco de invisibilizar grupos minoritários em um texto que tenta ser inclusivo.

Fonte: Blogueiras Feministas

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