Lisboa: O Estado Social como solução – Por: JOSÉ SOEIRO

 

O Estado Social não é a causa da crise. Pelo contrário, e como se salienta no título da Conferência que amanhã terá lugar em Lisboa, organizada pelo Congresso Democrático das Alternativas, precisamos de “vencer a crise com o Estado Social e a democracia”.

Em outubro de 2012, o Governo anunciava, na sequência da avaliação da troika, a sua intenção de cortar 4 mil milhões de euros no Estado Social. Depois de um número parlamentar falhado para criar uma comissão sobre a “reforma do Estado”, cujos resultados e objetivos estavam determinados à partida, o Governo passou a utilizar o álibi da decisão do Tribunal Constitucional para avançar com a sua agenda de sempre: arrasar os direitos que se inscreveram no Estado sob a forma de proteção social e de serviços públicos universais.

Não é por isso um acaso que o Congresso das Alternativas organize amanhã a Conferência em defesa do Estado Social, depois da primeira grande assembleia ter insistido na denúncia do memorando, na necessidade imperiosa de renegociar a dívida e de derrubar este governo para pôr fim à austeridade. Na verdade, uma e outra iniciativa estão umbilicalmente ligadas: não há defesa do Estado Social enquanto não rompermos com a troika e as suas receitas, enquanto não pararmos a austeridade e a máquina dos cortes.

É certo que o corte avassalador que se pretende agora fazer merece, segundo vários estudos de opinião, a oposição de uma larga maioria do país. Mas a ideia de um Estado “gordo” foi fazendo caminho. Recorrendo a uma retórica “dietética”, a direita no poder – a que se instalou no aparelho do Estado, mas também a que ocupa o espaço público e mediático – foi tentando fazer passar a ideia de que era preciso “emagrecer” o Estado. Não o Estado dos poderosos, que garante rendas aos privados, paga juros abusivos ou realiza maus investimentos para benefício de poucos. Sob este discurso, pelo contrário, aquilo que está a ser proposto é a desagregação do Estado Social que pode combater as desigualdades e assegurar bens púbicos fundamentais.

Nunca é de mais lembrar que a construção do Estado Social resulta de um processo histórico longo e duro, através do qual aqueles que não tinham propriedade (a maioria das pessoas que vive do seu trabalho) se transformaram em “proprietários de direitos”. O Estado Social foi um esforço notável, pago pelos nossos impostos. Com eles fizeram-se escolas, centros de saúde, hospitais, asseguraram-se cuidados na velhice e na doença, desenvolveu-se a segurança social, garantiu-se a proteção no desemprego. Em quatro décadas, Portugal fez extraordinários progressos em qualquer um destes domínios. É certo que se mantêm níveis inaceitáveis de desigualdade social e que qualquer um destes campos enfrenta hoje debilidades importantes. Mas por isso mesmo, vencer a crise implica reforçar o Estado Social e não destrui-lo ou pô-lo à venda, transformando direitos humanos básicos em puro negócio.

A propalada “reforma do Estado” que as direitas no poder querem fazer é afinal uma desconstrução do Estado Social: um sistema público para os pobres, degradado e limitado, e um serviço pago para as classes médias, clientes potenciais de um mercado entregue aos privados. O pano de fundo desta “reforma” passa pelo argumento segundo o qual a causa da crise é a excessiva despesa do Estado, isto é, no fundo a crise explicar-se-ia por termos vivido “acima das nossas possibilidades” e termos desbarato dinheiro nos serviços públicos. Ora, é exatamente na visão oposta que é preciso insistir. A causa desta crise e as dificuldades de financiamento do Estado Social são precisamente a austeridade, o desemprego, a recessão, a fuga fiscal, as rendas aos privados e a transferência do dinheiro dos impostos para o capital financeiro, nomeadamente sob a forma de juros.

O Estado Social não é a causa da crise. Pelo contrário, e como se salienta no título da Conferência que amanhã terá lugar em Lisboa, organizada pelo Congresso Democrático das Alternativas, precisamos de “vencer a crise com o Estado Social e a democracia”. Mobilizando de forma abrangente académicos, ativistas sindicais, políticos e sociais, fazendo convergir a inteligência crítica e múltiplas vontades transformadoras, esta Conferência é um passo da maior importância para construir uma aliança social em defesa do Estado Social. Um Estado Social capaz de promover o emprego, reduzir as desigualdades e redistribuir a riqueza, de assegurar o direito à habitação, de promover um envelhecimento com proteção e qualidade. Mas também uma aliança que reinvente e democratize o Estado Social, na sua gestão participada e na criatividade das respostas aos novos problemas sociais.

 

 

Fonte: Esquerda

+ sobre o tema

Dilma critica “viúvos da estagnação”

Por: SIMONE IGLESIAS e LARISSA GUIMARÃES   Em discurso...

Moro diz que sistema prisional está sob controle, mas não testa presos

Se descontarmos o incentivo ao distanciamento social, o governo...

Você concorda? Receber presentes caros de empregadora mais velha não comprova estelionato

Por Maria Augusta Carvalho “A mulher não pode mais ser tratada,...

Preciso comprar sapatos – Por Fernanda Pompeu

Com tanta oferta de calçados - genéricos, de...

para lembrar

Vamos com calma

Por: Wagner Moura Estamos todos muito contentes com...

Pobres meninos ricos

A pobreza não é boa para a saúde física...

Complexo de vira-lata

"Complexo de vira-lata" é uma expressão criada pelo dramaturgo...

Governo antecipa Bolsa Família e aluguel social para cidades fluminenses atingidas pela chuva

O governo federal vai antecipar o pagamento do benefício...

Em 20 anos, 1 milhão de pessoas intencionalmente mortas no Brasil

O assassinato de Mãe Bernadete, com 12 tiros no rosto, não pode ser considerado um caso isolado. O colapso da segurança pública em estados...

CPMI dos Atos Golpistas: o eixo religioso

As investigações dos atentados contra a democracia brasileira envolvem, além dos criminosos que atacaram as sedes dos três Poderes, políticos, militares, empresários. Um novo...

Como pôr fim ao marco temporal

A tese do marco temporal, aprovada na Câmara nesta terça-feira (30), é ancorada em quatro pilares: genocídio, desinformação, atraso e inconstitucionalidade. Dos dois últimos, deve-se dizer...
-+=