Lula no “Le Monde”: “Porque eu quero voltar a ser presidente”

O espaço que a chamada mídia tradicional brasileira nega ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em uma tentativa frustrada de mantê-lo fora da disputa presidencial, ele está recebendo de jornais sérios e isentos em outros países. Como o francês Le Monde, que hoje publica o artigo abaixo, no qual Lula explica os motivos que lhe levam a querer voltar a presidir o Brasil.

Por Marcelo Auler em seu blog 

A iniciativa, do jornal desagradará os “golpistas”, tal e qual desagradou a carta assinada por seis líderes políticos europeus – os ex-presidentes da França François Hollande, da Espanha José Luis Rodrigues Zapatero, o ex-primeiro ministro da Bélgica Ellio Di Rupo e os ex-presidentes do Conselho de Ministros da Itália Massimo D’Alema, Enrico Letta e Romano Prodi, Eles solicitam “solenemente” e defendem que “o presidente Lula possa se submeter livremente ao sufrágio do povo brasileiro“. No mesmo diapasão foi a carta assinada por mais de 30 parlamentares europeus divulgada na quarta-feira (16/05) como mostra a edição brasileira do El País – Lula e o Brasil: uma situação alarmante:

Nós, políticos europeus de diversas tendências, estamos particularmente inquietos com a prisão arbitrária do ex-presidente Lula da Silva, detido desde 7 de abril último, na cidade de Curitiba-PR. Após o Golpe de Estado institucional contra Dilma Rousseff, em 2016, a recente prisão de Lula, sem provas, não pode deixar nenhum democrata indiferente. A quantas anda o respeito ao Estado de Direito no Brasil ?

Levando-se em conta que as eleições presidenciais devem acontecer em outubro de 2018, Lula representa uma alternativa para numerosos brasileiros e brasileiras face à crise que o país atravessa atualmente. Sob esse ponto de vista, ele é incômodo para aqueles que tomaram o poder e que não pretendem abandonar seus cargos”.

Aloysio Nunes Ferreira a incoerência com seu passado político. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

Todo este apoio internacional não deixa de ser uma pressão para que o Brasil retorne ao leito democrático e cumpra o que está previsto na sua Constituição. Claro que os mais apressados esbravejarão. Como fez o ministro das Relações Exteriores deste governo ilegítimo, Aloysio Nunes Ferreira, em nota na qual acusa os seis líderes políticos europeus – ele ainda não deveria saber da carta dos 30 parlamentares – de cometerem “um gesto preconceituoso, arrogante e anacrônico contra a sociedade brasileira e seu compromisso com a lei e as instituições democráticas.”

O hoje ministro de um governo golpista e ilegítimo, certamente esquece que quando era tratado por seus companheiros da Aliança Libertadora Nacional (ALN) pelo codinome de Mateus. Naquele período em que empunhou armas na defesa das suas ideias, via com bom grado a mesma pressão externa com a qual democratas de todo o mundo tentavam derrubar a ditadura civil-militar brasileira. Ditadura que ele corajosamente combateu até fugir para a França.

Condenado pela Justiça Militar, o ministro das Relações Exteriores do governo ilegítimo só não conheceu o cárcere – e, consequentemente, as torturas e todas as demais mazelas submetidas à época aos presos políticos – por ter se exilado. Hoje, condena quem critica uma condenação que a cada dia mostra-se mais claramente política, cujo objetivo é somente o de retirar Lula da disputa eleitoral. Condenação e prisão determinadas por um Judiciário cada vez mais desacreditado junto à população brasileira, tal como Arnaldo César Ricci mostrou aqui em Mídia esconde desaprovação do Judiciário. Ou seja, falta a Nunes Ferreira um mínimo de coerência com seu passado político.

Coerência que não falta a Lula que no artigo do Le Monde lembra:

Tenho 40 anos de vida pública. Comecei no movimento sindical. Fundei um partido político com companheiros de todo o nosso país e lutamos, junto com outras forças políticas na década de 1980, por uma Constituição democrática. Candidato a presidente, prometi, lutei e cumpri a promessa de que todo o brasileiro teria direito a três refeições por dia, para não passar fome que passei quando criança (…) Voltei depois do governo para o mesmo apartamento do qual saí, a menos de 1 quilômetro do Sindicato dos Metalúrgicos do da cidade de São Bernardo do Campo, onde iniciei minha vida política“;

O que a cada dia fica mais claro para os golpistas que depois de retirarem do poder a presidente Dilma Rousseff, legitimamente eleita e sem nenhuma mácula que a condenasse, completaram o golpe com a condenação apressada e sem provas de Lula, é que não será tão fácil mantê-lo distante das próximas eleições. Como explicou aqui no Blog o monge beneditino Marcelo Barros na postagem Lula vítima de armação política até pela esquerda:

“Não querem o Lula nem como candidato, nem como eleitor, nem como alguém que mesmo não sendo candidato,  lá fora, vai influir demais na eleição. É burrice, porque não estão vendo que de dentro da cadeia ele está influindo tanto quanto. Ou até mais, simbolicamente”.

Abaixo, o artigo de Lula no Le Monde:

Porque eu quero voltar a ser presidente

Luiz Inácio Lula da Silva

 

Lula nos braços daqueles que continuam apoiando sua candidatura, mesmo ele estando preso. Foto de Francisco Proner Ramos

 

“Sou candidato a presidente do Brasil, nas eleições de outubro, porque não cometi nenhum crime e porque sei que posso fazer o país retomar o caminho da democracia e do desenvolvimento, em benefício do nosso povo. Depois de tudo que fiz como presidente da República, tenho certeza de que posso resgatar a credibilidade do governo, sem a qual não há crescimento econômico nem a defesa dos interesses nacionais. Sou candidato para devolver aos pobres e excluídos sua dignidade, a garantia de seus direitos e a esperança de uma vida melhor.

Na minha vida nada foi fácil, mas aprendi a não desistir. Quando comecei a fazer política, mais de 40 anos atrás, não havia eleições no País, não havia direito de organização sindical e política. Enfrentamos a ditadura e criamos o Partido dos Trabalhadores, acreditando no aprofundamento da via democrática. Perdi 3 eleições presidenciais antes de ser eleito em 2002. E provei, junto com o povo, que alguém de origem popular podia ser um bom presidente. Terminei meus mandatos com 87% de aprovação popular. É o que o atual presidente do Brasil, que não foi eleito, tem de rejeição hoje.

Nos oito anos que governei o Brasil, até 2010, tivemos a maior inclusão social da história, que teve continuidade no governo da companheira Dilma Rousseff. Tiramos 36 milhões de pessoas da miséria extrema e levamos mais de 40 milhões para a classe média.  Foi período de maior prestígio internacional do nosso país. Em 2009, Le Monde me indicou “homem do ano”. Recebi estas e outras homenagens, não como mérito pessoal, mas como reconhecimento à sociedade brasileira, que tinha se unido para a partir da inclusão social promover o crescimento econômico.

Sete anos depois de deixar a presidência e depois de uma campanha sistemática de difamação contra mim e meu partido,  que reuniu  a mais poderosa imprensa brasileira e setores do judiciário, o momento do país é outro: vivemos retrocessos democráticos, uma prolongada crise econômica, e a população mais pobre sofre, com a redução dos salários e da oferta de empregos, o aumento do custo de vida e o desmonte de programas sociais.

A cada dia mais e mais brasileiros rejeitam a agenda contra os direitos sociais do golpe parlamentar que abriu caminho para um programa neoliberal que havia perdido quatro eleições seguidas e que é incapaz de vencer nas urnas. Lidero, por ampla margem, as pesquisas de intenções de voto no Brasil porque os brasileiros sabem que o país pode ser melhor.

Foto: Ricardo Stukert

Lidero as pesquisas mesmo depois de ter sido preso em consequência de uma perseguição judicial que vasculhou a minha casa e dos meus filhos, minhas contas pessoais e do Instituto Lula, e não achou nenhuma prova ou crime contra mim. Um juiz notoriamente parcial me condenou a 12 anos de prisão por “atos indeterminados”. Alega, falsamente, que eu seria  dono de um apartamento no qual nunca dormi, do qual nunca tive a propriedade, a posse, sequer as chaves. Para me prender, e tentar me impedir de disputar as eleições ou fazer campanha para o meu partido, tiveram que ignorar a letra expressa da constituição brasileira, em uma decisão provisória por apenas um voto de diferença entre 11 na Suprema Corte.

Mas meus problemas são pequenos perto do que sofre a população brasileira. Para tirarem o PT do poder após as eleições de 2014, não hesitaram em sabotar a economia com decisões irresponsáveis no Congresso Nacional e uma campanha de desmoralização do governo na imprensa. Em dezembro de 2014 o desemprego no Brasil era 4,7%. Hoje está em 13,1%.

A pobreza tem aumentado, a fome voltou a rondar os lares e as portas das universidades estão voltando a se fechar para os filhos da classe trabalhadora. Os investimentos em pesquisa desabaram.

O Brasil precisa reconquistar a sua soberania e os interesses nacionais. Em nosso governo, o País liderou os esforços da agenda ambiental e de combate à fome, foi convidado para todos os encontros do G-8, ajudou a articular o G-20, participou da criação dos BRICS, reunindo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e da Unasul, a União dos países da América do Sul. Hoje o Brasil tornou-se um pária em política externa, que os líderes internacionais evitam visitar, e a América do Sul se fragmenta, com crises regionais cada vez mais graves e menos instrumentos diplomáticos de diálogo entre os países.

Mesmo a parte da população que apoiou a queda da presidenta Dilma Rousseff, após intensa campanha das Organizações Globo, que monopolizam a comunicação no Brasil, já percebeu que o golpe não era contra o PT. Era contra a ascensão social dos mais pobres e os direitos dos trabalhadores. Era contra o próprio Brasil.

Tenho 40 anos de vida pública. Comecei no movimento sindical. Fundei um partido político com companheiros de todo o nosso país e lutamos, junto com outras forças políticas na década de 1980, por uma Constituição democrática. Candidato a presidente, prometi, lutei e cumpri a promessa de que todo o brasileiro teria direito a três refeições por dia, para não passar fome que passei quando criança.

Governei uma das maiores economias do mundo e não aceitei pressões para apoiar a Guerra do Iraque e outras ações militares. Deixei claro que minha guerra era contra a fome e a miséria. Não submeti meu país aos interesses estrangeiros em nossas riquezas naturais.

Voltei depois do governo para o mesmo apartamento do qual saí, a menos de 1 quilômetro do Sindicato dos Metalúrgicos do da cidade de São Bernardo do Campo, onde iniciei minha vida política. Tenho honra e não irei, jamais, fazer concessões na minha luta por inocência e pela manutenção dos meus direitos políticos. Como presidente, promovi por todos os meios o combate à corrupção e não aceito que me imputem esse tipo de crime por meio de uma farsa judicial.

As eleições de outubro, que vão escolher um novo presidente, um novo congresso nacional e governadores de estado, são a chance do Brasil debater seus problemas e definir seu futuro de forma democrática, no voto, como uma nação civilizada. Mas elas só serão democráticas se todas as forças políticas puderem participar de forma livre e justa.

Eu já fui presidente e não estava nos meus planos voltar a me candidatar. Mas diante do desastre que se abate sobre  povo brasileiro, minha candidatura é uma proposta de reencontro do Brasil com o caminho de inclusão social, diálogo democrático, soberania nacional e crescimento econômico, para a construção de um país mais justo e solidário, que volte a ser uma referência no diálogo mundial em favor da paz e da cooperação entre os povos”.

Artigo originalmente publicado pelo jornal francês Le Monde. Acesse a versão original.

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