Mãe mata filho, a namorada dele e depois se suicida: uma tragédia familiar sob a ótica do preconceito – por : Mauro Donato

Mãe mata o próprio filho e a namorada dele e depois enfia o cano do revólver 38 na boca e comete suicídio.

Na última sexta-feira, Elaine Munhoz, 56 anos, pediatra, atingiu a estudante de medicina Mariana Rodella no ouvido e no braço. Giuliano Landini tinha perfurações no braço, rosto e coração.

Um grande jornal paulista conta essa tragédia humana com detalhes, digamos, sórdidos. Não, não exagera na morbidez. Vamos lá:

Já no primeiro parágrafo, com os mesmos dados do primeiro parágrafo, o jornal acrescenta que o crime ocorreu em um “apartamento de alto padrão”.

Pausa para reflexão. O que isso teria de importância?

Dois parágrafos abaixo, o jornal volta à carga, informando que o apartamento está avaliado em R$ 1,4 milhão. Afinal, estávamos em uma tragédia ou no mercado imobiliário?

Por que histórias como essa precisam causar “estranhamento” com relação ao bairro e ao imóvel bem avaliado? Se fosse na periferia estaria adequado?

O bordão “acontece nas melhores famílias” parece ter contaminado corações e mentes e é repetido exaustiva e historicamente sem nenhuma reflexão. Aliás, se atualizado, talvez o bordão devesse ser alterado para “só acontece nas melhores famílias”. Afinal, pouco ou nada lemos acerca de matanças em família ocorridas entre as “piores famílias”. Pobres não matam o próprio pai, a própria mãe ou os próprios filhos? Talvez, mas se ocorrer, isso seria normal e sequer digno de notícia.

Ou, na verdade, nunca vemos esse tipo de calamidade shakespeariana fora dos dos imóveis de alto padrão pois elas não ocorrem? Famílias ricas são mais “doentes” que famílias pobres?

Ou seja, na verdade seria até desnecessário situar onde ocorreu pois só pode ter ocorrido onde o individualismo, a disputa por heranças, o consumismo desenfreado de futilidades resulta em desvios psíquicos. É isso?

Portanto, em vez de ficar destilando e eternizando preconceitos, os jornais deveriam se perguntar se isso ocorre muito mais frequentemente nas “melhores famílias” e questionar se por acaso não possuem nenhum grau de influência sobre isso. A grande mídia deveria estancar seu discurso carola e instigar o cidadão a fazer algo mais em prol da sociedade? Estar corretamente bem informado já seria um avanço.

O Notícias Populares se deleitava com esses casos. Dizíamos que se torcêssemos o jornal, pingava sangue. A atual grande mídia parece que chacoalha o cadáver para detectar se há moedas.

autor-dcm

Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.

Fonte: DCM

 

+ sobre o tema

para lembrar

APAN participa de audiência pública para debater futuro das políticas afirmativas no audiovisual

No próximo dia 3 de setembro, quarta-feira, a Associação...

Condenação da Volks por trabalho escravo é histórica, diz procurador

A condenação da multinacional do setor automobilístico Volkswagen por...

Desigualdade de renda e taxa de desocupação caem no Brasil, diz relatório

A desigualdade de renda sofreu uma queda no Brasil...

Relator da ONU critica Brasil por devolver doméstica escravizada ao patrão

O relator especial da ONU para formas contemporâneas de...

ECA Digital

O que parecia impossível aconteceu. Nesta semana, a polarização visceral cedeu e os deputados federais deram uma pausa na defesa de seus próprios interesses...

ActionAid pauta racismo ambiental, educação e gênero na Rio Climate Action Week

A ActionAid, organização global que atua para a promoção da justiça social, racial, de gênero e climática em mais de 70 países, participará da Rio...

De cada 10 residências no país, 3 não têm esgoto ligado à rede geral

Dos cerca de 77 milhões de domicílios que o Brasil tinha em 2024, 29,5% não tinham ligação com rede geral de esgoto. Isso representa...