Mais que vuvuzelas

por: Ney Lopes

Por cerca de um mês, por força do futebol, o mundo se voltou para a África, o que propiciou uma saudável revisão de ideias preconcebidas e opiniões aceitas sem discussão. Nesse quadro, vuvuzelas e outros ruídos à parte, a musicalidade africana e seus desdobramentos não poderiam deixar de ser revistos e analisados.

Continente onde música e dança não se dissociam, fazendo-se presentes em todas as situações da vida social e cotidiana, do nascimento à morte, a África foi decisiva na formatação da arte musical nas Américas.

Desde o século 17 os sons das fazendas e das senzalas, já ecoavam nos salões das casas-grandes e nas ruas citadinas, do sul dos Estados Unidos ao Prata. Na segunda metade do século 19, essa irradiação já ensejava inclusive o nascimento de formas musicais que acabaram por se tornar marcas de vários países, como foi a rumba cubana, do merengue haitiano, da bomba porto-riquenha, do candombe platino e dos batuques bantos que geraram o samba no Brasil. E no sul dos Estados Unidos, os hinos protestantes e as marchas militares, alimentados pelos cantos de trabalho das plantations fizeram surgir o jazz.

Essas formas, de nítidas origens ou influências africanas sobreviveram como indiscutíveis marcas até a época da Segunda Guerra, a partir da qual se instaurou o domínio cultural de padrões norte-americanos de cultura e comportamento em grande parte do mundo ocidental. Então, esses padrões, somados a outros componentes e interesses, foram submetendo a música gerada no ambiente do escravismo colonial a um nítido processo de perda de identidade e de desafricanização.

Desafricanizar, como sabemos, é tirar ou procurar tirar de algo ou de alguém os conteúdos que o identificam como de origem africana; e isso vem de longe. A principal estratégia do escravismo nas Américas era fazer com que os cativos esquecessem o mais rapidamente sua condição de africanos e assumissem a de “negros”, marca de subalternidade, a fim de se prevenir o banzo (saudade mórbida das origens) e o desejo de rebelião ou fuga. Então, o processo de desafricanização começava já no continente de origem, com conversões forçadas ao cristianismo, antes do embarque, seguindo-se a adoção compulsória do nome cristão, bem como do sobrenome do dono, numa trágica amputação da personalidade. Depois vinham as distinções clássicas entre “da costa” ou “de nação” e “crioulo”; entre “boçal” e “ladino”, estimulando a desunião e a rivalidade.

Processo altamente desagregador, a desafricanização estendeu-se às manifestações culturais, da religiosidade à música; e chega até nossos dias.

No ambiente transnacionalizado em que vivemos, quanto menos identidade melhor. E nesse universo sem fronteiras, raça, etnicidade, gênero e ideologia constituem apenas entraves. A não ser que se possa fazer de um ou mais desses elementos itens de mercado – e foi aí que nasceu o rotulo world music.

Com relação ao samba, que é a nossa praia mais ampla, desde pelo menos as Cenas Africanas – conjunto de obras de Pixinguinha e parceiros, no qual se incluem clássicos como Iaô, Benguelê etc. – que o samba de mercado deixou de ser africano. As escolas de samba volta e meio evocam a Mãe África, mas quase sempre de maneira muito pouco convincente; quase do mesmo modo que (achando que todo negro tinha voz grossa e que a música africana era sempre lamentosa e soturna) alguns compositores semieruditos, até a década de 50, compunham “músicas de escravo” para o teatro de revista.

Vale lembrar aqui que a diversificada arte musical africana compreende diversos padrões melódicos. E que o fato de um samba ser composto em tom menor, triste, grave, e falar de orixás, não faz dele um afro-samba.

Fonte: Estadão

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