Mandela, direitos humanos e a luta contra o racismo

A maior homenagem que o Senado pode prestar ao grande líder sul-africano é a instalação de uma CPI para investigar as causas do extermínio da juventude negra, uma chaga que, assim como o apartheid, ofende a humanidade, diz senadora

A Declaração Universal dos Direitos Humanos completou 65 anos na semana em que Brasília sediou o Fórum Mundial dos Direitos Humanos, evento organizado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, sociedade civil e organizações internacionais, e que reuniu mais de 10 mil participantes de 80 países para debater o rumo da luta dos direitos humanos no mundo. Mas o fato mais marcante das comemorações de aniversário desse importante documento, promulgado quando o mundo ainda vivia o impacto dos horrores da II Grande Guerra, é que coincidiu com as homenagens fúnebres ao grande líder africano Nelson Mandela. Num momento histórico, em que tanto se reclama por ética na política em todo o mundo, o sorriso largo de Madiba parece nos iluminar com a esperança e a força de seu exemplo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem sido de capital importância para a aplicação desses direitos e a condenação às suas violações. Consolida-se mundialmente a ideia de que o respeito aos seus princípios é um marco civilizatório e condição básica para a construção de um mundo mais justo e igual para todos. Mesmo depois de mais de seis décadas, permanece como um dos mais importantes instrumentos produzidos visando o reconhecimento e a observância dos direitos fundamentais da pessoa humana.

No Brasil, apesar dos insistentes esforços de diversos governos na área dos direitos humanos, ainda persiste um grande número de pessoas que encontram dificuldades no exercício de sua cidadania e de seus direitos fundamentais. Superar essa situação exige a participação, não só do Estado – a quem cabe à responsabilidade primordial -, como também de toda sociedade, por suas entidades e organizações, para que se possa garantir mais do que um marco legal e de cidadania, uma cultura de tolerância, solidariedade e de paz.

Apesar de não estabelecer obrigações jurídicas aos Estados signatários, a força da Declaração Universal dos Direitos Humanos está fundada em uma visão ética e política de construção de uma nova humanidade com liberdade, igualdade e dignidade.

Neste mês de dezembro, ao assistirmos às unânimes manifestações de pesar de líderes de todos os governos do planeta, certamente ficaria difícil para um jovem, que não tenha vivido aqueles turbulentos anos de 1970 e 1980, compreender como pode reunir tanto consenso aquele que foi um dia o mais antigo prisioneiro político do mundo. Líder da resistência armada organizada pelo Congresso Nacional Africano (CNA), Mandela foi preso por uma operação partilhada entre a CIA norte-americana e a polícia política do apartheid, condenado à prisão perpétua em 1964, acusado de subversão e alta traição ao seu país. Seguiram-se 27 anos de confinamento nos cárceres sul-africanos. Durante todo esse período, foi taxado como terrorista pelas autoridades governamentais da África do Sul e das principais potências ocidentais. Por diversas vezes, esses países, em nome da guerra fria, obstaculizaram na ONU moções de condenação ao regime da apartheid e de sanções econômicas aquele governo.

Mas as cenas dos constantes massacres das populações negras nas favelas e guetos da África do Sul foram provocando um crescente clamor na opinião pública mundial que, somado às fortes pressões do partido CNA, em luta permanente, levaram finalmente ao fim do regime racista. Nelson Mandela “Madiba” foi libertado em 11 de fevereiro de 1990. E é nesse momento que Mandela surpreende o mundo: a voz que se escuta não é a de rancor ou de vingança. Numa história cheia de exemplos, em que os discursos mudam conforme a posição do líder político quanto ao poder, ele prega coerentemente os princípios da democracia, da igualdade, da fraternidade e da justiça social. Ele propõe um futuro de conciliação e paz para o seu povo.

Quatro anos depois de sua libertação, eleito presidente, afirmou em seu discurso de posse, de 10 de maio de 1994: “Esta união espiritual e física que partilhamos com esta pátria comum explica a profunda dor que trazíamos no nosso coração, quando víamos o nosso país despedaçar-se num terrível conflito; quando o víamos desprezado, proscrito e isolado pelos povos do mundo, precisamente por se ter tornado a sede universal da perniciosa ideologia e prática do racismo e da opressão racial”.

Ao findar dezembro, quando os povos se preparam para celebrar a chegada de um novo ano no Dia da Confraternização Universal e também Dia Mundial da Paz, é esse Mandela lutador, destemido e exemplo de integridade ética e política, que queremos homenagear. É esse genuíno combatente pelos direitos humanos que reverenciamos, na coincidência das datas de sua passagem e do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No Senado, acredito que a maior homenagem que se possa prestar a esse grande homem é a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que propusemos para investigar e determinar as causas do extermínio de nossa juventude negra, essa chaga cotidiana que, assim como o apartheid no passado, ofende nossa humanidade e nosso status civilizatório entre as nações. O exemplo de Mandela nos anima de que será possível um dia que tenhamos em nosso país uma sociedade igualitária, sem ódios ou preconceitos; um país de justiça e de paz, portanto um país sem racismo. Essa CPI, certamente, poderá dar uma contribuição essencial para esse futuro.

Lídice da Mata

* Formada em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), é senadora pelo PSB da Bahia, eleita em outubro de 2010, e líder do seu partido no Senado. Foi prefeita de Salvador e deputada federal.

Fonte: Congresso em Foco

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