Em São Paulo, o bairro em que uma mulher mora é determinante nas chances de ela ser vítima de feminicídio, o assassinato motivado por razões de gênero. De acordo com dados da edição 2021 do Mapa da Desigualdade, divulgado hoje, o distrito de Guaianases, na zona Leste da capital, é o que traz dados mais alarmantes sobre o crime.
O indicador é calculado com base no número total de mulheres vítimas de feminícidio para cada dez mil mulheres residentes do distrito entre 20 e 59 anos. Assim, o coeficiente para Guaianases ficou em 9,5. Enquanto em outros 65 distritos, mais centrais, foi de zero.
A partir desses dados, é calculado o “desigualtômetro”, relação entre o maior e o menor número, que para o crime de feminicídio é alarmante: de 42 vezes (neste caso, é considerado o primeiro valor não-zerado para estabelecer matematicamente a relação). Ou seja, dentro da mesma cidade, algumas mulheres são 42 vezes mais vulneráveis a serem vítimas de feminicídio do que outras, a depender de onde moram.
Em relação aos dados de 2019, o índice mais do que dobrou. O aumento foi de 2,6 vezes, impulsionado justamente pelo aumento expressivo dos números em Guaianases. O levantamento leva em conta dados referentes a 2020 da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e da Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).
O sociólogo Igor Pantoja, assessor de mobilização da Rede nossa São Paulo e um dos responsáveis pela pesquisa, explica que a violência é uma questão multidimensional e que, portanto, não possui uma única razão para existir.
Ele pondera que a concentração de feminicídios e violência doméstica em determinadas regiões deve-se fundamentalmente pela ausência de políticas públicas.
“Os índices de violências são maiores em regiões mais periféricas, o que tem a ver com a ausência de equipamentos públicos, de estruturas de garantias de direitos para essa população de modo mais geral. Tanto para evitar que o agressor faça isso, quanto para que a vítima consiga denunciar e que o próprio sistema de Justiça consiga corrigir esse problema.”
Já nos distritos centrais, Igor afirma que o elevado número de registros de violência pode ser explicada por uma maior presença de delegacias, o que facilitaria a denúncia.
E também considera a alta concentração de pessoas em condições de extrema vulnerabilidade, como aquelas em situação de rua ou mesmo moradores de cortiços, que são invisibilizadas pelo poder público

Realizado desde 2012 e divulgado anualmente pela Rede Nossa São Paulo, o Mapa da Desigualdade reúne dados públicos e oficiais sobre os 96 distritos a fim de identificar prioridades e necessidades da população e fomentar a criação de políticas públicas. O assunto, diz a publicação, torna-se mais urgente por a pandemia de covid-19 ter acentuado desigualdades estruturantes, como em outras crises, reforçando custos ambientais, sociais e econômicos.
A edição deste ano conta com indicadores dos seguintes temas: população; meio ambiente; mobilidade; direitos humanos; habitação; saúde; educação; cultura; esporte; trabalho e renda; e infraestrutura. Foram incluídas, ainda, agressões por intervenção policial e mortes por intervenção policial.
Já o mapa de violência contra a mulher considera tipificações da Lei Maria da Penha (violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial) e o local de ocorrência do crime. A partir dessa categorização, é calculado o coeficiente de mulheres vítimas de violência para cada dez mil residentes de 20 a 59 anos por distrito.
Nesse caso, o melhor valor, de 49,4, foi identificado na Vila Formosa, na Zona Leste da capital. Já o pior, é o da Sé, no centro, de 750,5. Assim, o cálculo do “desigualtômetro” ficou em 15 vezes.
O “desigualtômetro” é ainda maior quando se consideram os crimes de violência racial (57 vezes) e LGBTQIAP+ (56 vezes).