Mapeamento enumera desafios e boas práticas do afroturismo

04/11/25
  • Diagnósticos também indicam oportunidades, com Rio, Bahia e SP na mira dos turistas
  • Documentos traçam um panorama do estado desse tipo de turismo no Brasil

O momento atual do afroturismo no Brasil, com seus desafios e boas práticas, é o eixo central de um mapeamento de negócios geridos por empreendedores negros. O objetivo é não só preservar e transmitir tradições a todo tipo de viajante mas também levar desenvolvimento para suas comunidades e gerar oportunidades de trabalho local.

Afroturismo é um termo que passou a ser utilizado formalmente no mercado brasileiro em 2018, a partir de uma tendência observada ainda no início daquela década: a de oferecer roteiros não só relacionados à cultura negra mas também a partir de iniciativas administradas por pessoas que a vivem e a mantêm no dia a dia.

Nesse sentido —em uma perspectiva que ganha relevo no Brasil, mas que já é medular entre populações afro-norte-americanas, por exemplo—, um documento da Embratur desenvolvido com o CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe) traça um panorama do estado desse tipo de turismo em território nacional e como ele deve ser feito.

Com base em literatura especializada, a participação de instituições que atuam junto ao setor e recomendações de profissionais que impulsionam o afroturismo, o guia destaca entre as boas práticas fundamentais: o protagonismo comunitário e negro nos negócios —entendido por propriedade, gestão e execução dos serviços prestados—, propostas com foco na cultura afro, agência com sede local e autenticidade dos produtos oferecidos que contribuam para a valorização do patrimônio e da memória negras.

Outros aspectos que fazem a excelência na área são letramento racial da equipe, acessibilidade, aproveitamento de recursos naturais de forma sustentável, utilização de mão de obra e matéria-prima locais, impacto do lucro na comunidade local, protocolo de atenção ao turista definido e valorização das manifestações culturais de forma contextualizada, “evitando sua transformação em commodity”, aponta o guia.

O material traz ainda uma análise de entrevistas feitas com empreendedores destacados de afroturismo no Brasil, na Colômbia, no Panamá, nos Estados Unidos e em Portugal.

Esses agentes apontam entre os principais desafios a falta de vias para acesso a lugares incluídos nos roteiros —localidades por vezes distantes dos grandes centros e onde se encontram projetos de afroturismo rural, quilombola e ecológico— e o baixo nível de capacitação profissional (incluindo a falta de idiomas), o que abre uma desvantagem imediata em relação a grandes agências que trabalham com turismo tradicional. Também mencionam a ausência de políticas públicas que regulem e estimulem a atividade. Tais fatores são essenciais para que “as comunidades locais se beneficiem diretamente do turismo”, como definiu um dos entrevistados.

Países como Estados Unidos e Colômbia —eleito o melhor destino de afroturismo em encontro internacional do setor no ano passado— são alguns dos lugares que se destacam nesse nicho. Outros, como Angola, começam a trabalhar para se tornar atrativos para viajantes que buscam vivenciar e conhecer melhor as raízes africanas que unem a diáspora negra pelo mundo.

Integrantes da comunidade Nomadness durante viagem à Índia
Integrantes da comunidade Nomadness durante viagem à Índia – Divulgação

Rio, Salvador e São Paulo são os preferidos nos EUA

Outro diagnóstico, voltado ao turismo centrado em empreendimentos afro e em viajantes negros, foi feito recentemente nos Estados Unidos. O país é pioneiro no chamado “turismo de raízes”, que busca conectar integrantes da diáspora africana a destinos na África que tenham relação com sua história ancestral.

No estudo Traveling in Color (turismo em cores), as autoras observam as principais preferências e mudanças no comportamento dos viajantes “Bipoc” (black, indigenous, and people of color), sigla que nos EUA se refere a pessoas negras, indígenas e “de cor” (pertencentes a outras etnias ou culturas minoritárias).

O documento ganhou versão atualizada depois de uma análise anterior (feita em 2020, em meio à pandemia de Covid-19), em razão do crescimento das políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI), a partir da eclosão de movimentos como o Black Lives Matter, há uma década.

“Hoje os cinco principais destinos de viagem dos entrevistados são EUA, México, Gana, África do Sul e Tailândia. Embora o Brasil não tenha entrado no top 10 geral, ainda apareceu com 2% dos entrevistados, que o identificaram como um dos três principais destinos”, conta à Folha Evita Robinson, uma das pesquisadoras e fundadora da Nomadness Travel Tribe, comunidade com mais de 30 mil viajantes “Bipoc” ao redor do mundo. “Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo foram as cidades mais mencionadas, apontando para uma base sobre a qual se pode trabalhar”, afirma.

Evita Robinson, fundadora da Nomadness Travel Tribe, comunidade com mais de 30 mil viajantes
Evita Robinson, fundadora da Nomadness Travel Tribe, comunidade com mais de 30 mil viajantes – Divulgação

Com base em respostas de mais de 1.500 entrevistados maiores de 18 anos que fizeram pelo menos uma viagem de lazer no ano passado, o relatório aponta que 95% deles buscam “segurança física e emocional” acima de tudo quando saem de casa e 60% consideram o clima político atual nos Estados Unidos um fator que impacta significativamente suas decisões e experiências de turismo.

Com a “administração Trump e turbulência política permanente, o compromisso público parece refletir uma sensação ampla de desilusão e saturação do discurso relacionado com a diversidade”, uma “fadiga coletiva”, define Stefanie Benjamin, da Universidade do Tennessee em Knoxville, uma das autoras da pesquisa.

O relatório se concentra em cinco temas: razões para viajar; pertencimento e representação no campo do turismo; como emoções e intenções se conectam ao ato de viajar e à identidade; economia da inclusão; e futuro da viagem inclusiva.

Diversidade “em evolução”

“Embora muitas empresas tenham reduzido seus esforços públicos de DEI em resposta ao clima sociopolítico atual, o desejo por equidade e representação não desapareceu. Nossa pesquisa deixa isso bem claro: 90% dos entrevistados se identificaram como pessoas de cor, 88% como mulheres, 20% como LGBTQ+ e 32% como deficientes ou neurodivergentes. Essas vozes, muitas vezes sub-representadas nos dados de viagens tradicionais, têm a chance de moldar ativamente o futuro das viagens”, diz a também coautora Alana Dillette, da Universidade de San Diego, na Califórnia.

“Além da demografia, os números mostram um comprometimento real: os viajantes estão dispostos a gastar US$ 215 adicionais por semana quando um destino ou marca não apenas apoia a diversidade, a equidade e a inclusão, mas também destaca atrações culturais que refletem história e identidade autênticas. Isso nos diz que o movimento não está diminuindo, mas evoluindo”, analisa.

Integrantes da comunidade Nomadness durante viagem à Índia
Integrantes da comunidade de viagem Nomadness durante visita à Índia – Divulgação

O estudo aponta ainda cenários quanto ao futuro das viagens inclusivas e recomendações feitas após conversas com líderes no setor. As chaves são “autenticidade, responsabilidade e mudanças sistêmicas reais, e não soluções superficiais”, afirma Dillette, em consonância com as boas práticas do documento brasileiro.

“Os viajantes desejam mudanças estruturais profundas, narrativas baseadas em experiências vividas e transparência em relação às tensões éticas no turismo. Segurança, representatividade e pertencimento são inegociáveis, e as organizações de marketing de destino devem passar das campanhas à ação com uma liderança diversificada. Por fim, investir em vozes marginalizadas significa não apenas convidá-las, mas deixá-las liderar.”


Denise Mota – Jornalista especializada em diversidade, escreve sobre quem vive às margens nada plácidas do Ipiranga, da América Latina e de outras paragens

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