Marcha Internacional de Mulheres: vozes do mundo por direitos e contra violência

Por Ângela Bastos Do DC

O abre-alas que eu quero passar
O abre-alas que eu quero passar
Sou feminista, não posso negar… 

A marchinha de Chiquinha Gonzaga, compositora que na virada dos séculos 18 e 19 escandalizou a sociedade carioca pelos ideais libertários, ajudou a inspirar. Quando a Marcha Mundos de Mulheres por Direitos saiu dava para imaginar o mosaico multicultural que ocuparia o centro histórico de Florianópolis. À frente da multidão que seguia pela Avenida Paulo Fontes havia negras, brancas, indígenas, quilombolas. Seguidas de campesinas e urbanas. Trabalhadoras do sexo, trans, não-binárias, lésbicas, bissexuais. Pesquisadoras e acadêmicas. Estudantes e imigrantes. Autônomas, informais, sindicalistas.

Homens e crianças em menor número, mas também presentes. E mais gente chegava para ser juntar ao que parecia um formigueiro. Por citar o inseto símbolo de uma sociedade sustentável, teve esquenta com as palavras de ordem:

Pisa ligeiro, pisa ligeiro
Quem não pode com as mulheres
Não atiça o formigueiro.

Aos poucos a área do Ticen foi sendo esvaziada. Mas ainda dava para ver as paredes amareladas do Mercado Público testemunhando como moldura de fotos e vídeos para alimentar as redes sociais. Manifestantes desconheciam, mas os pés caminham em um lugar que já foi mar. Até 1930, era comum ver embarcações descarregando produtos. Do interior da Ilha chegavam peixes, leite, frutas. Por falar nisso as feministas apostam na força das palavras:

A nossa luta é todo dia
Somos mulheres e não mercadoria.

A marcha avança. Enquanto isso, na Praça Fernando Machado, a estátua do coronel morto na Guerra do Paraguai, mantinha-se igualmente como em todos os dias: servindo de pista de pouso para os pombos. Uma moça com cabelos curtos e tingidos de rosa e azul desgrudo-se das amigas para brincar com a posição do general, o comandante da tropa Barriga-Verde. Bate continência e repete uma das palavras de ordem mais ouvida ao longo da na manifestação:

– Fora Temer!

Temer ficou. A pomba voou. A marcha seguiu.

Primeira parada: uma agência bancária na esquina da Rua João Pinto. Mulheres indígenas assumem o megafone, pedem a titulação das terras e denunciam que bancado pelo capital, o agronegócio ameaças as terras. A quilombola Maria da Graça, a Gracinha, recebe uma saudação. Gracinha perdeu a guarda de duas filhas, as quais permanecem em um abrigo por decisão do judiciário.

O ritmo segue democrático. Tal qual aquele que tentaram sufocar, em novembro de 1979, quando na visita do ex-presidente João Figueiredo uma multidão de 4 mil gritou contra o regime militar. Da Novembrada à Marcha Mundos de Mulheres por Direitos. A praça pode não ser a Castro Alves, mas é do povo. É palco. Moradores de rua formam a plateia.

– Todo mundo devia se juntar e botar pra quebrar. Nenhum ser humano é melhor do que o outro pelo sexo, conta no banco, cor da pele_ opina um deles, curioso sobre o significado da marcha.

A manifestação sobe pela Felipe Schmidt. Na descida da Álvaro de Carvalho, um grito ecoa:

Sou feminista, não abro mão
Do socialismo e da revolução.

Segunda parada: O lugar é estrategicamente escolhido, a agência do INSS. Mulheres campesinas e urbanas se revezam nas críticas contra a Reforma da Previdência e denunciam as perdas trabalhistas. Um grito ecoa: A Previdência é nossa. Da porta do prédio, o vigilante Wagner Gomes Antunes espia para as manifestantes:

– Se eu apoio? Claro que sim. Sou trabalhador e sei muito bem do que significa a retirada dos direitos_ responde.

Foi, conforme o coronel PM Marcelo Pontes, a manifestação mais tranquila dos quase dois anos em que ele é comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar na Capital. Pontes calculou em 5 mil os presentes e informou que não houve registro de ocorrências graves envolvendo a marcha. Ainda assim, em alguns momentos ouviu-se a manifestação “não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”.

Quem também escutou o apelo foram as mulheres do Movimento das Esposas e Familiares dos Praças, participantes do evento:

– Não temos nenhum problema com os gritos, pois assim como nossos maridos queremos a desmilitarização da PM, que deve servir à segurança da sociedade- explicou Edileuza Garcia Fortuna, casada com um praça.

Quase duas horas depois, a Marcha Mundos de Mulheres por Direitos chegava ao fim. A próxima será no ano de 2020, em Maputo, capital de Moçambique. Aos tambores do Cores de Aidê, mulheres africanas, latino-americanas, indígenas, quilombolas, campesinas e urbanas continuavam a dançar. Assim como muitos outros que estiveram nas calçadas, portas de lojas, bancos das praças. Pareciam encantadas pelo ritual da índia Vangri Kaingang que durante toda a marcha iluminou e perfumou as ruas da cidade.

*Ângela Bastos é repórter especial do DC e Especialista em Políticas Públicas e em Metodologias para o Atendimento de Criança em Situação de Vulnerabilidade Social

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