Maria Rita Kehl: Voto contra o retrocesso

A presidenta Dilma Rousseff criou a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Em maio de 2012, a primeira presidenta do Brasil, ex-presa política torturada, conseguiu aprovar no Congresso a criação da CNV. Entre os países latino-americanos que sofreram ditaduras, fomos o último a criar uma comissão da verdade.

Por Maria Rita Kehl*

Antes tarde do que nunca. Ainda que os militares remanescentes do estado de exceção não cooperem com nossas investigações. Ainda que adeptos da linha-dura, hoje na reserva, recusem “colaborar com o inimigo” (todos nós) –e não revelem o paradeiro dos cerca de 150 desaparecidos políticos (sem contar indígenas e camponeses).

Ainda assim, o trabalho da CNV representa um avanço efetivo na consolidação da nossa democracia.

Avanço que exige, ainda, a erradicação da continuada prática de violência de agentes do Estado contra cidadãos detidos. A presidenta criou o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que começará a atuar para coibir os maus tratos a pessoas detidas em presídios, delegacias e hospitais psiquiátricos.

Nosso atraso em termos de direitos humanos, além de envergonhar o país, multiplica a insegurança na sociedade inteira. Já se comprovou que a violência da criminalidade no Brasil é diretamente proporcional à violência das PMs e de outros agentes de segurança contra os cidadãos.

Voto em Dilma Rousseff porque tenho vergonha de nossa desigualdade social. Nunca compreendi como se podia viver com tranquilidade em um país rico onde parte da população passava fome. Problema que, aliás, foi reconhecido como extinto em função dos programas sociais dos governos Lula e Dilma. Iniciados por FHC, sim, mas por que, então, eleitores do PSDB ainda desqualificam o programa Bolsa Família como “Bolsa Esmola”?

Não faltam notícias sobre municípios onde a entrada dessa renda mínima impulsionou a economia local nem sobre cidadãos que cancelaram sua inscrição para recebimento da bolsa tão logo conseguiram ganhar o suficiente para seu sustento.

Depois das gestões Lula e Dilma, a vulnerabilidade dos mais pobres diminuiu em função da expansão de seus direitos. Voto pela continuação do Bolsa Família, do programa Luz para Todos, do Minha Casa, Minha Vida, maior programa de habitação popular já criado no Brasil. Voto também por uma política econômica que, em tempo de crise do capitalismo internacional, preservou o valor dos salários e o pleno emprego.

Os governos de Lula e de Dilma impulsionaram o acesso dos jovens às universidades no país e no exterior. Proporcionaram atendimento médico gratuito em cidades afastadas dos grandes centros.

Suponho que a maioria da classe médica tenha se envergonhado das vaias contra os cubanos contratados com transparência pelo Ministério da Saúde. Afinal, os brasileiros sempre acharam chique a importação de tecnologia. Ninguém vaiou a participação da Alstom, hoje suspeita de corrupção, nas obras de ampliação do Metrô de São Paulo.

Por fim, voto em Dilma pela continuação do combate à corrupção em todos os níveis, inclusive os que atingem setores de seu governo. Desde o governo Lula, a Polícia Federal investiga com transparência crimes de colarinho branco, sem poupar autoridades, empresários e ministros. Melhor o risco de penas injustas, como no caso de alguns mensaleiros, do que a impunidade.

Do outro lado: onde foram parar as investigações de corrupção no Metrô paulista, no mensalão mineiro, as denúncias sobre o aeroporto de Cláudio e o helicóptero da família Perrella que transportava cocaína?

Por que os paulistas não foram informados, até a reeleição do governador Alckmin, da calamidade pública na gestão da água que, desde 2012, era mantida em segredo entre governo e acionistas da Sabesp?

Sei que a erradicação da corrupção depende da independência dos meios de comunicação. Voto na candidata que não tem a grande mídia a seu favor.

* Publicado originalmente na Folha de S.Paulo de 16/10/2014.

 

Fonte: Boitempo

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