‘Me disseram que eu era feio demais para ser gay’

“Você é feio demais para ser gay”.

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Problemas com imagem corporal afetam milhões de pessoas em todo o mundo e vêm se tornando cada vez mais disseminados na comunidade gay (GETTY IMAGES)

Foi o que Jakeb Arturio Bradea ouviu de um homem em um bar gay em Huddersfield, na Inglaterra.

Não era a primeira vez que ele escutava um comentário do tipo. Na verdade, foram várias vezes.

Bradea tentou, então, se matar.

Problemas com a imagem corporal afetam milhões de pessoas em todo o mundo e vêm se tornando cada vez mais disseminados na comunidade gay, segundo a ONG LGBT Foundation, sediada em Manchester, na Inglaterra.

A entidade diz que homens gays e bissexuais são “muito mais propensos” do que homens heterossexuais a enfrentar tais problemas.

A BBC conversou com vários homens gays que vêm fazendo de tudo para mudar seus corpos — incluindo o uso de esteroides e cirurgia plástica — apenas para serem “aceitos” por outros membros da comunidade LGBT.

Muitos dizem que redes sociais e aplicativos de namoro estão aumentando a pressão em busca do “corpo perfeito”.

“Pessoas com corpos impressionantes recebem todos os comentários e a atenção”, diz Jakeb. “Eu não saio para encontros porque tenho medo de que as pessoas me vejam na vida real. Honestamente, faria uma cirurgia plástica se pudesse pagar.”

Anabolizantes e quase morte
Em vez de cirurgia, alguns anos atrás, Jakeb recorreu ao uso de esteroides anabolizantes — sem acompanhamento médico — para aumentar a massa muscular.

“Malhava e ia à academia, mas chegou uma hora que não conseguia ficar mais musculoso. Na minha cabeça, precisava ser maior”, diz ele.

“Meu amigo disse que conhecia um traficante de esteroides, então pensei em tomar uma dose baixa para ver o que acontecia”, acrescenta.

Mas esteroides anabolizantes podem ser viciantes. De repente, Jakeb não conseguia mais parar.

“Cheguei ao tamanho que queria, mas não me senti bem o suficiente”, diz ele. “Continuei querendo mais. Era como se tivesse uma voz na minha cabeça dizendo que era muito magro.”

Jakeb chegou, então, perto da morte uma segunda vez. Foi em novembro do ano passado, quando sofreu insuficiência cardíaca após vários anos de uso intenso de esteróides.

“Não conseguia respirar, não conseguia dormir, estava a poucos dias de morrer”, diz ele. “O cardiologista disse que se eu tivesse tomado outra injeção ou tivesse ido à academia mais algumas vezes, teria caído morto.”

Meses depois, Jakeb parou de tomar esteroides e perdeu massa muscular, mas continua tendo problemas de saúde para os quais está recebendo tratamento médico. “Simplesmente não valeu a pena”, diz ele.

Jakeb Bradea chegou a ficar à beira da morte (Imagem retirada do site BBC)

Medidas arriscadas
O uso de anabolizantes e similares sem recomendação médica, dentro e fora do esporte de alto rendimento, não é uma prática restrita ao Reino Unido.

No Brasil, muitos homens, sobretudo jovens, vêm recorrendo a esses medicamentos para melhorar a aparência e o condicionamento físico, independentemente da orientação sexual.

Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, trata-se de um “problema de saúde pública”. No ano passado, a entidade lançou uma campanha chamada Bomba, Tô Fora com o objetivo de ampliar a conscientização sobre o assunto.

Esteroides anabolizantes são derivados sintéticos da testosterona, um hormônio sexual masculino. Seu uso só deve ocorrer em casos de deficiência hormonal e com supervisão médica, já que podem causar uma série de efeitos colaterais, desde aumento da pressão arterial até câncer.

Jakeb não é o único a tomar medidas drásticas para tentar chamar a atenção de outros homens.

James Brumpton, engenheiro de software em Lincoln, no Reino Unido, se viu “sugado para este mundo de culto ao corpo perfeito” depois de se encontrar com um homem em um bar gay.

Eles saíram juntos do local. Quando Brumpton chegou à casa do homem e tirou a camiseta, recebeu um olhar de desprezo acompanhado de um barulho de nojo. Mas você “tem belos braços”, ouviu.

Segundo ele, outros homens também o humilharam.

Depois de experiências similares, Brumpton decidiu se submeter a uma abdominoplastia.

“Permiti que outro homem me influenciasse a tal ponto que removi parte de mim”, diz ele.

Pressão e redes sociais
Segundo os dados mais recentes divulgados pela Associação Britânica de Cirurgiões Plásticos Estéticos (Baaps), 179 abdominoplastias foram realizadas em homens em 2018 — um aumento de 18% em relação ao ano anterior.

Afshin Mosahebi, da Baaps, diz que gays estão atualmente realizando mais procedimentos estéticos do que heterossexuais, embora ele observe que as mulheres ainda se submetam a mais cirurgias do que os homens em geral.

Mosahebi acredita que a pressão das redes sociais faz com que cada vez mais pessoas tomem decisões drásticas.

“Alguns pacientes não precisam de cirurgia, precisam de ajuda psicológica, e mesmo os pacientes que precisam de cirurgia precisam ser adequadamente informados de todos os riscos potenciais”, diz ele.

Brumpton decidiu se submeter à abdominoplastia após sofrer várias humilhações (Imagem retirada do site BBC)

Depois que a abdominoplastia de Brumpton deu errado, ele ficou com cicatrizes permanentes, o que o deixou ainda mais inseguro sobre seu corpo.

“Fui humilhado várias vezes desde então”, diz Brumpton. “Um cara com quem eu estava namorando disse uma vez que eu precisava encontrar jeans na seção de maternidade porque tenho quadris largos.”

Os aplicativos de namoro alimentam preocupações com a imagem corporal, acrescenta Brumpton. “Há pessoas que têm em seus perfis ‘zero gordura’, ou outras que gostam apenas de homens masculinos e musculosos, então não querem ninguém que seja super magro”, diz ele.

Imagens nas redes sociais e nas principais revistas gays também levaram James a sentir que ele é um “estranho no ninho”.

“Você fica com essa ideia na cabeça que, se você é gay, tem de parecer um modelo da Calvin Klein”, diz.

Fotos de “corpos sexy” impulsionam as vendas de revistas gays, de acordo com Matthew Todd, ex-editor de uma dessas publicações, a Attitude.

“Isso sempre foi um problema e eu tentei repetidamente colocar pessoas na capa que não eram assim: o primeiro homem trans, a primeira mulher trans, a primeira lésbica”, diz Matthew.

“Continuei fazendo esse tipo de coisa, mas nenhuma revista vendeu bem.”

Quando Matthew colocou uma foto de Stephen Fry, famoso comediante gay britânico, de 62 anos, na capa da revista em 2010, “foi uma das edições com pior vendagem de todos os tempos”, diz ele.

“Não estou criticando Stephen Fry, porque ele é incrivelmente popular”, diz ele. “Acho que diz mais sobre o que os leitores estão buscando nas publicações gays.”

Stephen Fry foi colocado na capa da Attitude, mas vendas foram baixas (HUW EVANS PICTURE AGENCY)

Baixa autoestima
Todd, autor de Straight Jacket: How to be Gay and Happy (Camisa de Força: Como ser Gay e Feliz, em tradução livre), diz que a homofobia alimenta problemas de autoestima de homens gays.

“É realmente importante lembrar que existe uma pressão sem precedentes sobre todos nós para nos apresentarmos assim ou assado”, diz ele.

“Mas não podemos esquecer que os LGBTs crescem sofrendo humilhação, impedidos de serem eles mesmos.”

“Acho que, para muitas pessoas, esse é um trauma gigantesco que se reflete em baixa autoestima. Se você não gosta de si mesmo, você não é feliz com a sua aparência.”

Segundo Todd, o resultado é que os homens gays sofrem mais pressão do que os homens heterossexuais para ter o corpo perfeito.

“Vendo alguns aplicativos de namoro gay, você pensa que a maioria dos homens ali é modelo”, continua ele.

“Se você é um homem gay, achar outro homem atraente é um autojulgamento também. Muitos homens gays confundem ‘Eu quero ficar com ele?’ com ‘Eu quero ser ele?’.”

‘Passei 10 anos destruindo meu corpo’
Jeff Ingold, da ONG LGBT Stonewall, voltada para os direitos LGBT, diz ser “crucial” que vejamos representações mais diversas de gays e bissexuais com diferentes tipos de corpo na mídia.

“Isso não apenas ajudaria gays e homens bissexuais a se verem refletidos, como também ajudaria a quebrar estereótipos prejudiciais que afetam a imagem corporal e a autoestima deles.”

Mas Jakeb diz que ainda recebe comentários online de pessoas dizendo que “não teriam coragem de sair de casa se tivessem a minha aparência”.

“Não participei de paradas gays e levei pedrada para construir a comunidade que temos agora”, diz ele.

“Temos igualdade, mas somos horríveis uns com os outros.”

Colaborou Harriet Agerholm

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