Memorial do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá reabre na quarta-feira

Após passar por requalificação física e concepção de um novo projeto expográfico, o Museu Ilê Ohum Lailai (Casa das Coisas Antigas, em Yorubá) volta à atividade, nesta quarta-feira (16/2), a partir das 11h, no bairro de São Gonçalo do Retiro, em Salvador. Composto por mais de 750 peças, que fazem parte da história do centenário terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, o acervo reflete a riqueza da tradição e o prestígio de uma das casas de santo mais importante do Brasil.


As atividades de readequação, realizadas pela Secretaria de Cultura do Estado (Secult), por meio da Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Dimus-Ipac), compreendem ainda higienização e restauro. “O museu é um depósito de recordações do Axé e das cinco senhoras que estiveram à sua frente. Mas tudo precisa ser renovado, até o Axé. Por isso, a importância de realizarmos sempre reformas e variações no museu que conta a nossa história. Eu gosto de movimento e meus filhos de santo também”, afirma Mãe Stella de Oxossi, ialorixá responsável pelo terreiro, que completou 100 anos em 2010.

No acervo estão insígnias dos orixás (objetos utilizados durante o culto), utensílios usados no preparo das oferendas, plantas litúrgicas e terapêuticas, instrumentos musicais e documentos do Afonjá, todos eles ligados ao culto, além dos objetos de culto das iyalorixás da casa, em especial, de Mãe Stella. Para o diretor de museus do Ipac, Daniel Rangel, a atuação da Dimus na reabertura do memorial é diferente das realizadas em outros prédios museológicos. “Por estar dentro de um espaço sagrado é preciso um cuidado diferenciado, tanto na realização da exposição quanto na condução de todo o processo”.

O projeto do museu é de Mãe Stella Ode Kayodé, criado por ela e pela psicóloga Vera Felicidade, Oni Kówé, após a visita da iyalorixá à Nigéria, onde conheceu três museus que inspiraram a criação do Lailai. “Um dos museus tinha uma proposta bem simples, contava a história da cidade por meio de objetos do dia a dia. Lembrei de todo o material que possuíamos, das roupas de Mãe Aninha, dos objetos de Mãe Senhora, tudo meio espalhado. Começamos a criar o Lailai a partir desta idéia – mostrar a evolução do candomblé a partir de nossa própria história”, conta Mãe Stella, ela própria guardiã de muitas memórias do Opô Afonjá.

O diretor da Dimus explica que a exposição pretende salientar a importância do valor imaterial dessas peças, a partir do valor que elas têm para esta comunidade. “Os óculos de uma iyalorixá aqui têm tanta importância quanto uma estatueta ou talvez até mais, pelo valor a ele agregado. Além disso, a palavra final é sempre de Mãe Stella”. A visitação, gratuita, ao museu será de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h, e aos sábados, das 8h às 12h.

Terreiro

O Ilê Axé Opô Afonja foi fundado em 1910 por Eugênia Anna dos Santos, Mãe Aninha, Oba Biyi, responsável, em 1937, pela liberação do culto afro brasileiro, muito perseguido pela polícia brasileira nos primeiros anos do século XX. “A resistência do negro foi a fé”, ressalta Mãe Stella. Em 1984 o terreiro foi considerado uma entidade pública. Em 2000, tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Ao todo, cinco Iyalorixás estiveram à frente do Ilê Axé. Cada uma, ao seu modo, perpetuou a religião tradicional dos Yorubá e Benin, ao mesmo tempo em que introduziram mudanças. Depois de Mãe Aninha foram Iyás da Casa de Culto, Mãe Bada, Mãe Senhora, Mãe Ondina e, atualmente, Mãe Stella, que assumiu o posto supremo da liderança religiosa do Opô Afonjá em 1976.

Museu

Criado em 1982, o Ilê Ohum Lailai acompanha a evolução do Candomblé no Brasil por intermédio do registro de uma das suas principais casas de culto, o Ilê Axé Opô Afonjá. Em 2000, o Lailai foi reformado e reaberto em uma nova sede, com apoio da Fundação Palmares. Passados onze anos, a Secult, por meio Dimus, realiza uma nova reforma, readequando o espaço físico e criando uma nova concepção expográfica.

O Lailai é o primeiro museu criado dentro de um terreiro de candomblé. Sua fundação teve como objetivo a proteção, difusão e dinamização do patrimônio e do acervo do Ilê Axé Opô Afonjá, constituindo um espaço vivo, onde são preservadas a memória e as tradições seculares da casa de culto. Desta forma, utilizando a própria história, o Opô Afonjá abre a possibilidade de acesso à informação e pesquisa sobre a religião afro-brasileira a estudantes e estudiosos da Bahia, do Brasil e de todo o mundo, tornando-se também um espaço privilegiado para educadores explorarem conteúdos vinculados à Lei 10.6391/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica.

Mãe Stella

Filha de uma família de professores, com um vida dedicada à religião, Mãe Stella é enfermeira aposentada (a única negra formada em sua turma, na Universidade Federal da Bahia) e responsável por implementar diversas iniciativas voltadas ao social dento do terreiro. A mãe de santo se preocupou com a criação de uma escola fundamental, uma biblioteca e um espaço para oficinas no Ilê Axé Opô Afonjá, além do próprio museu e de outras atividades culturais que fazem parte das programações realizadas por lá.

Para Mãe Stella, se o candomblé focasse apenas no lado religioso, ficaria estático. “É preciso estar atento ao social, à educação dos filhos de santo também para que tudo possa evoluir junto”. Ela relembra a máxima de Mãe Aninha, fundadora do Afonjá em 1910, que repetia que queria que todo filho dela servisse a Xangô com um anel no dedo (uma referência à formatura).

A vontade da iyalorixá do Afonjá de contar a história e a evolução dos procedimentos de culto ao longo dos anos resultou na possibilidade de oferecer aos visitantes um exercício de revisitar o passado, sem que para isso precisem retirar os olhos dos dias atuais. “Quando fiz minha obrigação, em 1939, não tínhamos aqui luz elétrica, água encanada e, muito menos, transporte. Por isso, ao recontar estas histórias, o Lailai vai mostrando como o próprio mundo mudou, além do próprio candomblé”.

 

Fonte: Vermelho

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