Mestrado de major diz que PM é racista

Pesquisa aponta que 51% dos negros no Brasil declararam que já sofreram discriminação durante abordagens policiais

 

Quando o motoboy Eduardo Luiz Pinheiro dos Santos foi morto dentro de um quartel na Zona Norte, sua mãe não teve dúvidas em dizer que o filho foi morto por ser negro. Duas semanas depois, a conclusão da mãe do entregador de pizza Alexandre Menezes dos Santos foi a mesma: a abordagem policial terminou em assassinato devido ao racismo.

 

Uma dissertação de mestrado feita por um membro da própria corporação afirma que a discriminação é um traço marcante dos policiais militares. O estudo foi elaborado pelo major Airton Edno Ribeiro, chefe da divisão de ensino do Centro de Altos Estudos de Segurança (CAES), espécie de escola de pós-graduaçao da PM para oficiais com altas patentes.

 

O major, que é negro, se tornou mestre em Educação das Relações Raciais após a dissertação “A Relação da Polícia Militar Paulista com a Comunidade Negra e o Respeito à Dignidade Humana: a Questão da Abordagem Policial”, apresentada no final de 2009 na Universidade Federal de São Carlos, a 255 quilômetros da capital. O trabalho, de 129 páginas, elenca diversos livros sobre o tema, pesquisas de institutos e levantamentos próprios do major. Foram ouvidos 50 cabos e soldados, que admitiram que, antes de entrarem na PM, achavam que havia preconceito contra negros. Após o ingresso, tiveram certeza.

 

Para o major, uma das principais razões para o preconceito nas abordagens é a “cultura organizacional” da instituição. “Não foram poucos os relatos dos participantes da pesquisa sobre a herança histórica de perseguição aos negros pela polícia”, disse .

 

De acordo com Ribeiro, o racismo só irá diminuir, lenta e gradualmente, quando a formação do policial mudar. “É preciso dar ênfase no respeito à dignidade humana dos negros nas abordagens, o que exige mudança do modelo conceitual de gestão educacional”, afirmou.

 

Para atestar o racismo na PM, Ribeiro citou o último estudo de abrangência nacional sobre o tema, a pesquisa “Discriminação racial e preconceito de cor no Brasil”, realizada em 2003 pela Fundação Perseu Abramo, instituição ligada ao PT. O estudo mostrou que 51% dos negros declararam que já sofreram discriminação da polícia. O percentual caiu para 15% quando a mesma pergunta foi feita aos brancos. Dos negros vítimas de preconceito, 78% disseram que foram discriminados por policiais brancos. Foram ouvidas 5.003 pessoas com 16 anos ou mais em 266 municípios. As entrevistas foram feitas nas residências dos consultados, com duração média de 60 minutos.

 

Outro índice que relaciona violência e racismo é o Mapa da Violência 2010, em que foram analisados homicídios entre 1997 e 2007. Com base no estudo, é possível projetar que, em nível nacional, um negro tem 107,6% mais chance de morrer do que uma pessoa branca. Em São Paulo, segundo último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, feito em dezembro de 2009, os negros são maioria nas prisões, com o índice de 50,46%. Para efeitos estatísticos desta pesquisa, os pardos (mulatos, caboclos, cafuzos, mamelucos ou mestiços de negro com pessoa de outra raça) são considerados negros.

 

‘Pobreza diz mais que raça’
Para o sociólogo e doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), Demétrio Magnoli, ainda não há evidências de racismo nos últimos casos de violência em São Paulo. “A questão econômica é mais forte do que a racial. Os pobres sofrem mais com a polícia do que os ricos. Ninguém comenta os crimes cometidos contra brancos pobres”, avaliou o sociólogo e geógrafo.

 

De acordo com Magnoli, o Brasil não tem um Estado racista nem uma nação com preceitos racistas, pois não há leis com conceitos segregacionistas. “O preconceito contra negros existe no país, assim como temos outros tipos de discriminação envolvendo homossexuais e pessoas gordas, por exemplo. Não podemos dizer que a questão racial é predominante”, argumentou o intelectual.

 

A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Íris Rodrigues de Oliveira, especializada em questões raciais, afirma que o problema está na violência policial.

 

“Considero que a polícia, em vez de racista, padece mais de falta de educação. Diversas pessoas brancas são tratadas de forma brutal durante as operações, assim como os negros. No Brasil, o racismo dissimulado pode ser mais grave do que o declarado”, afirmou Íris.

 

Defendendo uma posição oposta à de Magnoli, o antropólogo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Acácio Almeida dos Santos afirmou que o Brasil tem um Estado racista e, por consequência, a polícia também é igual. “Existe racismo embutido em todas as esferas de poder no país. Historicamente, conceitos de purificação racial tomaram força no Brasil e contaminaram diversos setores da sociedade”, afirmou.

 

Negro, corregedor diz que tese exagera
Para o novo corregedor da PM, coronel Admir Gervásio Moreira, a corporação não é racista. “É um exagero e seria leviano afirmar que os policiais abordam de maneira diferente as pessoas negras. Isso não existe. Se isso ocorrer, é errado e fora das instruções e treinamentos dados”, diz Gervásio.

 

O oficial, ele próprio negro, acredita ser “hipocrisia” afirmar que não há racismo no país. “Racismo existe, mas isso depende das pessoas, não das instituições”, afirma o corregedor.

 

O coronel entende que não houve racismo no caso em que um motoboy que foi morto agredido por PMs na Zona Sul da capital. “Ele estava usando capacete e era noite. Não o perseguiram porque era negro. Não vejo uma escolha direcionada de postura de racismo. Foi uma coincidência”, acredita.

 

Gervásio diz desconhecer o estudo do major Airton Edno, mas afirma não concordar com a visão de que os policiais maltratam ou abordam de maneira diferente negros. “Só pela possibilidade de ser abordado por uma viatura, estando cometendo um crime ou não, um negro pode se sentir constrangido. Muitos podem reclamar até mesmo se o PM for um irmão de cor”, diz o coronel. Nos casos recentes dos motoboys mortos pela PM em SP, as famílias denunciaram racismo.

Fonte: Diário SP

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