Meu filho é gay, e agora?

Reflita sobre como os pais podem lidar com essa descoberta

Por: Alexey Dodsworth

O título deste artigo reproduz a pergunta angustiada que muitos pais e mães se fazem quando eventualmente descobrem que seu filho ou filha é homossexual. Seu filho pode ter te contado, ou você pode ter descoberto que ele é gay ao espionar sua vida privada. O fato é que saber que o filho é gay é algo em geral chocante. Cada vez menos chocante, é verdade, em virtude do fato de que vivemos numa época mais esclarecida no que diz respeito a questões sexuais. Informação é que não falta para que as pessoas compreendam melhor coisas que seriam muito mais difíceis de serem compreendidas décadas atrás.

Mas vamos lá. Seu filho é gay. E agora? A resposta é simples na teoria, mas será preciso esforço consciente para incorporá-la: e agora, o fato é que ele continua a ser seu filho. Nada mudou neste quesito e, acredite, fazer chantagem emocional ou discurso religioso não fará seu filho deixar de ser homossexual. No máximo, ele aprenderá a mentir para você, o que, convenhamos, sai completamente do projeto de um relacionamento familiar saudável.

Alguns pais expulsam seus filhos de casa ou realizam reprimendas em graus variados. Há até quem bata no filho adolescente, ou lhe tolha a liberdade. No fundo, atitudes deste tipo derivam da fantasia mais absurda. Tem pai e mãe que acha que se impuser castigos variados aos filhos, eles “deixarão de ser” aquilo que efetivamente são. Desculpe, mas se você pensa assim, é engano seu. No máximo, você conseguirá criar um mentiroso. E isso se ele quiser continuar perto de você, porque há filhos que simplesmente somem da vida de seus pais chantagistas, tão logo conseguem se virar sozinhos. Na comunidade “Homofobia Já Era”, no Orkut, há incontáveis relatos de pessoas homossexuais que perderam totalmente o contato com seus pais e foram viver suas vidas. Se para eles isso é triste, imagine para os pais… De que maneira então você pode evitar a destruição de seu relacionamento com seu filho querido?

Entendendo a homossexualidade

Em primeiro lugar, esqueça “opção sexual”. Você ouvirá esta expressão corriqueiramente na mídia e até mesmo em livros aparentemente especializados. Em geral, quem usa tal expressão não o faz por maldade, mas um olhar mais apurado demonstra quão infeliz é esta frase. Se preferência sexual fosse uma opção, ninguém optaria por ter um gosto que converte a pessoa quase que automaticamente numa vítima do preconceito social. Pense: você optou por gostar do sexo oposto? Não foi assim, não é mesmo? Você paulatinamente foi descobrindo que se interessava pelo sexo oposto. Adivinhe? Com homossexuais é a mesma coisa! Eles gostam do mesmo sexo, pela mesma razão misteriosa que faz com que a maioria das pessoas prefira o sexo oposto.

O fato é que ninguém, absolutamente ninguém sabe o que faz uma pessoa se interessar pelo mesmo sexo ou pelo oposto. Não existe nenhuma comprovação científica de que a causa seja genética ou psicológica. Até mesmo Sigmund Freud, pai da psicanálise, a quem erroneamente se atribui a idéia de que a homossexualidade tem origem na criação, escreveu claramente em sua obra: o mais provável é que a sexualidade humana, como tudo no ser humano, seja multicausal. Não há uma causa, mas sim várias, e elas provavelmente são diferentes para cada ser humano. De todo modo, independentemente de quais sejam as causas, o filósofo francês Michel Foucault disse certa feita – e muito bem dito – que mais do que uma explicação para os gostos sexuais, o que os seres humanos mais precisam é de uma arte do bem-viver. A arte do cuidar de si. E “cuidar de si” é uma prerrogativa para todos os seres humanos, sejam eles homo, hetero ou bissexuais.

O lado dos pais

Aí você pode argumentar e dizer: “não quero que meu filho sofra neste mundo preconceituoso”. Vou te contar uma coisa que não é segredo algum e deveria ser óbvio: é impossível impedir as pessoas de sofrerem. É inviável eliminar a possibilidade do sofrimento da vida de um filho. E digo mais: é doentio fantasiar uma proteção paterna ou materna que ultrapasse as fronteiras da vida adulta de seu filho. Isso não apenas infantiliza seu filho, como cria uma relação patológica entre vocês. Além disso, você já parou para olhar ao redor do mundo hetero? As pessoas deixam de sofrer por serem heterossexuais? E se você acha que no caso dos homossexuais há mais sofrimento, eu lhe digo que isso só é verdade enquanto a maioria das pessoas pensar como você.

Outro sofrimento comum é pensar “ai meu Deus, não vou ter netos!”. Bem, seu filho ou filha é homossexual e não estéril. Homossexuais podem perfeitamente se reproduzir, seja através da inseminação artificial, seja por intermédio do sexo desprazeroso, cuja finalidade é unicamente reprodutiva, ou podem até realizar um dos atos mais generosos e belos, que é adotar uma criança. Há milhões de crianças sem família à espera de pais sem filhos. E mesmo que seu filho fosse heterossexual, quem garante que ele seria pai? E se ele for um heterossexual que detesta a ideia de cuidar de crianças? Ter ou não ter netos não deveria ser um argumento de chantagem contra o desejo amoroso verdadeiro de seu filho ou filha. Se você quer cuidar de crianças novamente, que tal adotar uma ao invés de impor seu sonho aos outros?

Você também pode achar – e isso é muito comum – que seu filho ou filha pensa que é homossexual porque nunca experimentou o sexo oposto. Em primeiro lugar, como é que você sabe que ele nunca experimentou? E ainda que nunca tenha experimentado, é falso supor que tal coisa seja necessária. Se ele tiver que fazê-lo, o fará por livre e espontânea vontade, no dia que sentir o desejo. Sexualidade como obrigação é a via direta para o sofrimento.

Por fim, há a questão religiosa, que é parte importante na vida de muitas famílias. Religiões diferentes abordam a questão da homossexualidade das formas mais distintas: há as que aceitam, as que condenam e as indiferentes ao tema. Alguns autores, como o padre Daniel Helminiak, autor do livro “O que a Biblia realmente diz sobre a homossexualidade”, mostram que podem existir interpretações diferentes para este assunto.

O Brasil é um país onde ser homossexual gera bem menos problemas do que em outros lugares. Em nosso país, uma pessoa homossexual pode deixar pensão para seu companheiro ou companheira, pode adotar crianças, pode realizar união civil… Os homossexuais têm muitos direitos conquistados e, muito embora ainda faltem tantos outros, grandes passos já foram dados e continuarão a ser.

Deste modo, se você realmente se preocupa com a possibilidade de seu filho “sofrer mais” por ser homossexual, esforce-se para não ser você mais uma razão para sofrimento na vida dele. Em geral, pessoas homossexuais aprendem a não ligar para eventuais manifestações de preconceito. Alguns até reagem e ensinam grandes lições aos preconceituosos. Mas quando o preconceito vem da própria família, principalmente dos pais, este tipo de sofrimento é quase irrecuperável. Gera mágoas profundas e feridas difíceis de cicatrizar. Não é à toa que a incidência de tentativas de suicídio é maior entre gays – não é porque eles são gays que tentam se matar, é por causa dos pais que não os aceitam como são! Você, que deu a vida a seu filho, pense no horror que seria tornar-se provável colaborador da causa de sua morte. Você, que deu a vida a seu filho, pense em como será maravilhoso colaborar para sua felicidade. E não há maior felicidade do que poder ser aquilo que se é, com o apoio daqueles que dizem nos amar.

Deste modo, eu lhe digo: e agora? E agora, aceite. Acostume-se. Seu filho é o que é, e o que ele é vai muito além de uma extensão sua. Ele não é um robô, não é um projeto. É uma pessoa com desejos próprios. Admire-o por isso. E não apenas “tolere” sua preferência sexual. Respeite-a.

Nossos filhos não são nossos filhos…

São os filhos e filhas da vida desejando a si mesma.

Eles vêm através de nós, mas não de nós,

E embora estejam conosco, não nos pertencem.

Nós podemos lhes dar nosso amor, mas não seus pensamentos,

Pois eles têm seus próprios pensamentos,

Nós podemos abrigar seus corpos, mas não suas almas,

Pois suas almas vivem na casa do amanhã,

que nós não podemos visitar, nem mesmo em seus sonhos.

Nós podemos lutar para ser como eles,

mas não perduraremos- nos torná-los iguais a nós.

Pois a vida não volta para trás, nem espera pelo passado.

Nós somos o arco de onde nossos

filhos são lançados como flechas vivas.

Fonte:Personare

+ sobre o tema

Quem é Naomi Wadler, que aos 11 anos luta por vítimas ‘que não aparecem no jornal’

Dias antes de viralizar e ficar conhecida no mundo...

Negra, branca ou não branca?

Desde de criança acreditei ser branca, mesmo não possuindo...

Consciência Negra, Globeleza e homicídio da juventude: entrevista com Ronald Augusto

A população negra e parda é historicamente oprimida no...

para lembrar

Famílias fora do armário

COMO VOCÊ REAGIRIA SE SEU PAI LHE CONTASSE QUE...

Mulheres negras realizam marcha em SP na quarta (25)

Sob o eixo “Por nós, por todas nós e...

Lupita Nyong’o vai publicar livro infantil que vai abordar a importância da autoestima

Atriz disse que deseja que as crianças repensem 'o...
spot_imgspot_img

Disparidade salarial cresce, e mulheres ganham 20,7% menos do que homens no Brasil

A disparidade salarial entre homens e mulheres no Brasil aumentou no período de um ano, e mulheres receberam, em média, 20,7% menos do que...

Mulheres Negras: Encruzilhadas de Raça e Gênero

Encontro "Mulheres Negras: Encruzilhadas de Raça e Gênero" com Sueli Carneiro e Neon Cunha acontece amanhã, 19h on-line Sueli Carneiro e Neon Cunha, referências no...

Selo dos Correios celebra Luiza Bairros, ex-ministra e ativista negra

Os Correios e o Ministério da Igualdade Racial lançam nesta terça-feira (17) um selo em homenagem à socióloga gaúcha Luiza Bairros, ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção...
-+=