Ministra dos Direitos Humanos defende reestruturar formação de policiais após casos de violência

Macaé Evaristo critica formação das forças de segurança e diz que agente olha para o cidadão como inimigo

O aumento de relatos de violência policial tem preocupado o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do governo Lula (PT). A titular da pasta, Macaé Evaristo, afirma que os episódios revelam problemas na formação das forças policias, e que deve haver mudanças.

Para ela, há uma realidade na qual o policial olha para o cidadão como inimigo.

Em entrevista à Folha, Macaé diz que a pasta quer participar das discussões para a reestruturações dos cursos de formação das polícias, inclusive no governo de São Paulo, onde o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) enfrenta uma crise relacionada a casos de violência envolvendo policiais militares.

“Há uma incorreção na formação das nossas forças policiais, ela não olha para cidadão brasileiro como cidadão. Olha como o inimigo”, disse.

“Nós gostaríamos e queremos muito sentar na mesa para debater a formação dos policiais. E temos com o que contribuir. Nós queremos participar, esse é o recado”, disse ela, após ser questionada sobre a situação específica de São Paulo.

Ao menos dois PMs paulistas foram presos em um intervalo de uma semana. Um deles, que estava de folga, por matar um homem com 11 tiros pelas costas.

E um outro por jogar um homem em um córrego. Ambos os casos ocorreram na zona sul e a poucos quilômetros de distância um do outro.

Na mesma esteira, policiais militares foram afastados por agredir uma idosa e por envolvimento na ocorrência que resultou no homem lançado no rio.

Há três semanas o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22, foi morto por um PM dentro de um hotel na Vila Mariana, zona sul da capital.

A ministra ressaltou que a reformulação do modelo de formação das policiais tem de vir acompanhada da ampliação da participação nas discussões sobre o tema. A pasta tem dialogado, segundo ela, com o Ministério da Justiça e com o Conselho Nacional de Justiça, para colaborar em futuras resoluções e orientações sobre o tema.

“A segurança pública é direito de todos, por isso precisa ter participação ampla”, diz. “Muitas vezes esse debate é capturado somente pela corporação. É importante ouvir as comunidades, ouvir os bairros, ouvir as associações comunitárias. Até para que se possa pensar na nossa capacidade de reformulação”.

As preocupações com a segurança pública sob o ponto de vista dos direitos humanos têm estado presente na pasta os últimos meses, segundo a ministra.

“A marca que eu gostaria de deixar no ministério é trazer a sociedade brasileira para refletir sobre o que é direitos humanos e sair de uma visão, para mim muito restrita e que foi construída, de que direitos humanos é uma pauta para defender bandidos”, afirma.

De acordo com ela, quando a pasta debate segurança pública é pelo entendimento de que todas as pessoas têm o direito a ela. “A gente debate porque precisa da segurança pública. Agora, a segurança pública não pode me enxergar como inimigo”.

Macaé Evaristo está à frente do ministério desde setembro, após a saída de Sílvio Almeida por causa de denúncias sobre assédio sexual. Encontrou uma pasta fragilizada pelo escândalo, incluindo denúncias internas de assédio, e desafios de orçamento.

Sob sua gestão, houve demissões e há planos de outras mudanças.

“Sobre assédio, eu preciso dizer que isso não é uma prerrogativa só do que aconteceu aqui. O assédio é uma questão que a sociedade brasileira vai ter que lidar porque, durante muito tempo, isso aconteceu só que era normalizado. Acontecia nos governos, acontecia no setor privado, acontece dentro das igrejas e a sociedade avança e por isso não é mais tolerado”, diz.

Além de trocas de equipe, Macaé afirma que uma das primeiras áreas reorganizada foi ouvidoria “para efetivamente a gente poder dar tratamento a essa situação”.

A questão orçamentária, por outro lado, ainda é desafiadora. O governo enviou ao Congresso a PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2025 com previsão de aumento do valor total destinado à pasta, mas isso reflete alta de apenas uma das ações da pasta, como mostrou a coluna Painel.

A rubrica para o programa de promoção dos Direitos da População em Situação de Rua saltou de R$ 2,96 milhões em 2024 para R$ 35,6 milhões em 2025. O aumento se deu por ações previstas no Plano Nacional Ruas Visíveis.

Outras frentes tiveram reduções, como as relacionadas a crianças e adolescentes, idosos e o programa de promoção e defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+.

A ministra reforçou a importância da política voltada a pessoas em situação de rua, mas reconhece que a disponibilidade de recursos é baixa.

“Nós queremos aumentar o orçamento”, diz. “Estamos lutando lá [no Congresso] com emendas. Porque também a gente tem que dizer isso, que o orçamento hoje é um tanto capturado pelo Legislativo”.

Como a agenda dos direitos humanos perpassa outras áreas, a ministra ressaltou a intersecção com outras pastas e que muito do que poderia ser o orçamento do Ministério dos Direitos Humanos, aparece nas ações de outras pastas, como a da Saúde e da Educação.

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