Ministro Cezar Peluso critica o sistema carcerário brasileiro

O ministro Cezar Peluso, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Comitê Permanente da América Latina para revisão das Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, criticou, nesta quinta-feira, em Salvador, o sistema carcerário brasileiro e chegou a dizer que há, no Brasil, casos em que o tratamento dispensado aos detentos “é um crime do Estado contra o cidadão”.

A afirmacão foi feita em entrevista coletiva no Centro de Convencões da capital baiana, onde o ministro participa do 12º Congresso da ONU sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, iniciado no último dia 12 e com encerramento previsto para o próximo dia 19. Durante os trabalhos de hoje, Cezar Peluso atua como moderador no workshop que tem como tema Práticas no Tratamento de Presos no Sistema de Justiça Criminal.

 

Em questão sobre o regime de progressão de pena existente na legislação penal brasileira, levantada durante a entrevista, o ministro foi indagado sobre a situação de deficiência do sistema carcerário brasileiro.

“É uma deficiência que beira, em certas situações, a falência total”, afirmou. “Há casos específicos que têm sido ultimamente ventilados, até pela própria imprensa, que envergonham o país. Eu não quero citar particularmente, mas há casos de tratamento vergonhoso, em que na verdade o que se faz ao preso é um crime do Estado contra o cidadão”.

 

Situação dos presos é grave

Na entrevista, o ministro disse que a questão da progressão de pena é apenas uma questão secundária, quando comparada com a situação do preso. Lembrando que o ministro da Corte Suprema da Argentina, professor e criminologista Eugenio Zafaroni, relatou sobre graves problemas com os presos na América Latina, o ministro Cezar Peluso disse que “os Estados nacionais não têm condicoes, sobretudo na América Latina, de responder às demandas de dignidade humana da condição dos presos”.

 

“Nós temos, portanto, que começar a pensar em soluções alternativas à prisão”, observou. “Este é o grande problema, hoje. Progressão de regime, vamos dizer, neste quadro, não deixa de ser um problema, mas é um problema menor. O grande problema é os Estados, cada qual dentro de suas características, dos seus recursos, suas necessidades, enfim, das suas realidades, encontrar soluções alternativas à prisão que, como tal, realmente é um fracasso universal”.

 

Segundo o ministro, a prisão “não tem servido para reinserir ninguém na sociedade e, particularmente, em alguns casos, nós sabemos muito bem, exemplificadamente, há até uma escola de crimes. Quem entra no sistema prisional brasileiro, no sistema penitenciário, tende a sair muito pior do que entrou”.

Caso de Goiás

O ministro não quis se pronunciar sobre o caso concreto de um maníaco sexual que, após libertado em função do regime de progressão da pena, matou cinco jovens em Luziânia (GO). Ponderou que o caso pode, eventualmente, ser levado à consideração do Supremo e, sobretudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A ponderação deve-se ao fato de que Cezar Peluso assumirá a Presidência do STF e do CNJ no próximo dia 23, e o CNJ, conforme observou, pode vir a se interessar em conhecer particularidades do caso.

 

Expectativa

A propósito do documento que o comitê latino-americano elaborou sob sua presidência, propondo mudanças nas regras internacionais sobre o tratamento a ser dispensado aos presos, ele disse que o papel do grupo “é apenas o de propor uma atualização das regras mínimas da ONU sobre o tratamento de presos, que datam de 1955 (Convenção de Genebra)”.

 

Na Convenção de Genebra, os países membros da ONU sugeriram regras para o tratamento dos presos que, no entanto, não têm caráter vinculante, obrigatório. A ideia agora é chegar a uma convenção que tenha caráter vinculante. Para isso, comissões de todos os continentes elaboraram propostas, a exemplo do que fez o grupo latino-americano. Esses documentos estão começando a ser analisados em caráter global pelos membros da ONU. A consolidação dessas regras em uma convenção, entretanto, ainda deverá durar anos, tendo em vista as diversidades, sobretudo culturais e jurídicas, dos países que são membros da ONU.

Segundo o ministro Cezar Peluso, o projeto elaborado pelo comitê por ele presidido “tem, evidentemente, um caráter setorial que representa, de certo modo, a visão da América Latina, mas também propõe, como é evidente, princípios de caráter universal em relação ao tratamento do preso, com base no direito fundamental ao respeito da dignidade humana”.

 

“Nós o estamos submetendo à assembleia, que vai deliberar o destino que vai ser dado a este projeto”, observou. “Não obstante, a nossa esperança, e a nossa proposta é de que a assembleia dos Estados membros encaminhe uma proposta de criação de uma comissão que possa estudar, a longo prazo, a criação de uma convenção a respeito de regras mínimas de tratamento de presos que possam passar da natureza que elas têm hoje, de soft laws, que não são obrigatórias, a um conjunto mínimo de normas que os Estados se proponham a implementar nos respectivos países”.

 

“Nós estamos muito esperançosos – e temos visto pelas manifestações dos Estados membros – que há uma grande sensibilidade em relação à questão penitenciária, que é extremamente grave, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo”, disse o ministro. E este fato, segundo lembrou, ficou patente na sessão de hoje de manhã em Salvador, pelas manifestações de representantes de vários países.

 

 

Fonte: Discriminação Racial

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