Momento histórico para Geledés na COP 16

Geledés na ONU, incidencia internacional de Geledés Instituto da Mulher Negra
Enviado por / FonteKátia Mello

Representantes da organização comemoram vitória de inclusão dos afrodescendentes em documento final

Geledés – Instituto da Mulher Negra, em parceria com outras organizações negras do Brasil e da Colômbia, alcançou um feito histórico na Conferência das Partes (COP) 16, que aconteceu entre 21 de outubro e 2 de novembro, em Cali, na Colômbia, reunindo representantes de mais de 190 países. Esta é a primeira vez que os afrodescendentes são mencionados em um documento final da ONU sobre a conservação da biodiversidade, aprovado na madrugada do sábado 2, após uma série de impasses entre os países participantes. O pleito por esse reconhecimento foi liderado pela Colômbia, com apoio do Brasil, mas o caminho até a finalização do documento foi inextricável, com complexas negociações.

“Os avanços obtidos durante a COP16 representam um marco histórico, fruto dos esforços do governo colombiano, com apoio do Brasil, especialmente em relação à relevante contribuição da sociedade civil afrodescendente. Geledés participou ativamente desse processo robusto de articulação, enfrentando um caminho intenso e desafiador. Conseguimos assegurar o reconhecimento das comunidades afrodescendentes como protetoras da biodiversidade global. Este é mais um passo importante que Geledés, em parceria com outras organizações negras, alcança em uma conferência de alto nível, promovendo as demandas e o reconhecimento das populações afrodescendentes”, avalia Ester Carneiro, assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés.

A cúpula acontece a cada dois anos e seu principal compromisso é o Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, estabelecido no Canadá com metais globais para reverter a perda de biodiversidade até 2030. Entre as agendas mais aguardadas estavam as definições do Artigo 8j da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), tratado da ONU estabelecido durante a ECO-92, no Rio de Janeiro. Nele é citada a necessidade de que os Estados-membros das Nações Unidas respeitem, preservem e mantenham o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica, com a devida participação e repartição dos benefícios oriundos desses saberes e práticas. Porém, não havia menção alguma neste artigo às pessoas de descendência africana, que apenas na América Latina ocupam dois milhões de quilômetros quadrados.

“O Artigo 8(j) já reconhecia os conhecimentos, inovações e práticas das comunidades indígenas e locais para a conservação e uso sustentável da biodiversidade. E agora a população afrodescendente começa a ser reconhecida por todos serviços prestados na conservação da natureza. Geledés, junto a outras organizações afrodescendentes, acompanhou cada momento das negociações e celebra essa conquista nas discussões sobre biodiversidade. Agora é fundamental a convergência e a aproximação da agenda de clima e biodiversidade, para que esses direitos sejam ampliados e reconhecidos em outras negociações, sobretudo em agendas de adaptação e perdas e danos”, afirmou Mariana Belmont, assessora de clima e racismo ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra.

Esse acompanhamento dos grupos de trabalho com as partes foi feito em Cali pelas representantes de Geledés. A organização também se reuniu com o governo brasileiro, em especial o Ministério das Relações Exteriores (MIR), quando destacou a relevância de o Brasil ser um protagonista nesta agenda, junto à Colômbia. O país também enviou à Colômbia representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, Planejamento e da Igualdade Racial.

Durante as negociações em Cali, a vice-presidente colombiana, Francia Marquez, se firmou como uma liderança na defesa dos afrodescendentes. Na segunda-feira, 28, a vice-presidenta da Colômbia, que vem de uma comunidade negra tradicional, anunciou que a República Democrática do Congo (RDC), que estava contra a inclusão de afrodescendentes no Artigo 8j, mudou de posição. A ministra de Ambiente do Congo, Eve Bazaiba, declarou 100% de apoio ao documento. “Foi feito um esforço fundamental de diálogo da Colômbia com os países africanos para que as barreiras por eles apresentadas fossem superadas”, avalia Ester Carneiro.

A tensão antes da aprovação do documento foi tal que chegou a haver uma paralisação nas negociações. A União Europeia se opôs à inclusão de um parágrafo sobre a questão dos afrodescendentes – justamente o trecho negociado por Brasil e Colômbia. Foi neste momento, na quinta-feira, 31, que Geledés se pronunciou publicamente por meio de nota em relação ao posicionamento dos europeus. “Mais uma vez a população afrodescendente está sendo rifada como moeda de troca em negociações internacionais na COP16”, sublinhou o texto.

A presidenta do Grupo de Trabalho de Especialistas em Afrodescendentes da ONU, Barbara G. Reynolds, que tem acompanhado de perto as iniciativas de Geledés em diferentes fóruns da ONU, saiu em defesa do instituto e, por meio de nota, também se posicionou. “Não reconhecer sua relação com a terra e sua contribuição para sua proteção é prejudicial não apenas para as pessoas de ascendência africana, mas para os próprios ambientes que buscamos proteger e preservar para as futuras gerações e para o planeta. Com isso, exorto as Partes da Conferência a incluir explicitamente e de forma específica as pessoas de ascendência africana na resolução”, afirmou ela.

No dia seguinte, as negociações avançaram, abrindo caminho para finalmente serem inclusos os afrodescendentes no documento final, após uma forte pressão da Colômbia e Brasil, com pano de fundo as organizações negras.

Não foram só os afrodescendentes que comemoraram. Os povos indígenas também celebraram a criação de um órgão para “assuntos de relevância para os povos indígenas e comunidades locais”, como decisão importante da COP 16.

Porém, houve uma recusa importante. A proposta da Colômbia de estruturar um fundo exclusivo da biodiversidade foi rejeitada por União Europeia, Suíça e Japão. O que se alcançou foi a criação de um fundo mundial para estabelecer pagamentos pelo uso de sequências genéticas digitalizadas, chamado Fundo de Cali, que será responsável por garantir o compartilhamento dos benefícios obtidos com a biodiversidade. A decisão ainda está em aberto e precisará ser concluída nos próximos meses. A próxima conferência, COP17, está programada para ocorrer em 2026, na Armênia.

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